15/04/2013 às 13h13min - Atualizada em 15/04/2013 às 13h13min

Desafios higiênico-sanitários na cadeia de laticínios: problemas dos queijos frescos - Parte 1

Os queijos frescos atualmente são produtos muito procurados pelo consumidor brasileiro que os identifica como alimento “saudável”, em especial devido aos seus aspectos nutricionais. No Brasil destaca-se especialmente o queijo Minas frescal, que têm um aumento no seu consumo nos últimos anos. No país, queijos correspondem a 34% dos produtos lácteos produzidos, sendo que o queijo Minas corresponde a 30% dessa produção. Ao lado do queijo Minas, a ricota é outro tipo de queijo que também é muito consumido em razão do apelo de seu reduzido teor de gordura. Esses queijos são produzidos no Brasil por laticínios pequenos ou muito pequenos, sendo que a produção artesanal também é responsável por uma boa parcela dos produtos que são oferecidos ao consumidor.

Como qualquer queijo, os queijos frescos passam pelas etapas de coagulação, corte, dessoragem, enformagem e salga até estarem prontos para o consumo. Sua produção no Brasil é raramente automatizada, sendo o processo em grande parte manual, o que propicia muitas oportunidades de contaminação. Queijos frescos diferenciam-se dos demais por que não sofrem maturação e estão prontos para o consumo imediatamente após sua produção, o que é um ponto atraente para os laticínios, já que não significa capital imobilizada por um longo período.

O processo de maturação nos demais queijos, além de produzir sabor, aroma e textura característicos de cada queijo, tem outra importante função que é a de eliminar bactérias patogênicas, pois no período de maturação (o qual pode se prolongar por períodos entre 1 mês até 2 anos), essas bactérias são expostas a um ambiente hostil pelo alto teor de sal, acidez elevada e concorrência com outros micro-organismos. Dentre esses as bactérias lácticas têm uma grande importância porque muitas delas além de produzir ácido láctico e peróxido de hidrogênio, também produzem bacteriocinas que possuem atividade antagônica sobre diversas bactérias patogênicas gram positivas como Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes e Bacillus cereus. Assim o processo de maturação contribui com a segurança dos queijos, o que faz com que muitos países aceitem a produção e consumo de queijos fabricados com leite cru, desde que permaneçam por um período de maturação. Queijos frescos, porém, não só não contam com esse benefício como muitos deles podem ser produzidos sem a presença de bactérias lácticas. Nos laticínios brasileiros é frequentemente utilizada a pré acidificação do leite anterior à coagulação com a adição direta de ácido láctico ao invés ser produzida por bactérias lácticas.

Em regra, quanto menor a umidade e mais longo o período de maturação, menores as chances de sobrevivência de bactérias patogênicas. Os queijos frescos por sua vez não apresentam essas barreiras. São classificados de acordo com a Portaria 146/1996 do Ministério da Agricultura como queijos de muito alta umidade (≥ 55%) ou de alta umidade (46 a 54,9%) e compreendem os queijos: cottage, ricota, Minas e mozarela. Essa umidade elevada, aliada à baixa acidez favorece não só a sobrevivência, mas também a reprodução bacteriana, o que limita a vida de prateleira do produto a 30 dias no máximo e isso quando nas condições ideais de higiene na produção e temperaturas corretas (até 7º C) de armazenamento. Quando se trata de bactérias patogênicas, a possibilidade de reprodução é especialmente indesejada, pois se o risco de doenças é muito aumentado seja por atingir a dose infectante (população suficiente para suplantar as defesas do sistema imunológico humano) ou porque nesse processo são produzidas toxinas que irão causar doença, como a intoxicação estafilocócica.

Bactérias patogênicas associadas com queijos

Pelas características da produção do leite e queijo, muitas são as bactérias patogênicas associadas com queijos frescos. Tanto o leite como o queijo oferecem condições excelentes para o desenvolvimento bacteriano pelas suas características nutricionais, umidade e pH neutro. Algumas são associadas diretamente com doenças da vaca, como a tuberculose (Mycobacterium bovis) e brucelose (Brucella abortus), que são doenças graves e uma das principais razões para a produção do queijo com leite pasteurizado. Outras são mais problemáticas, pois se associam mais com as características do sistema de produção. Entre as principais temos o gênero Staphylococcus, que compreende várias espécies, sendo o S. aureus seu principal representante. Na vaca é um dos agentes freqüentes da mastite, mas também habita fossas nasais e pele de humanos (ordenha dor e operários do laticínio). No leite ou queijo, produz uma enterotoxina que é secretada durante sua fase de crescimento, que é termoestável e não pode ser destruída posteriormente pela pasteurização (75º C/15s). Essa toxina causa após a ingestão, vômitos constantes que podem se prolongar por até 12h, para sua produção é necessário que o micro-organismo atinja uma população muito elevada (105-106/g), o que é sempre conseqüência da manutenção do leite cru ou do queijo em temperaturas incorretas (>10º C), o que não é incomum. Nos padrões microbiológicos, esse grupo é designado como estafilococos coagulase positiva (ECP), em razão do fato de que a maioria das cepas capazes de coagular o plasma sanguíneo também são enterotoxigênicas.

Mais grave é a Listeria monocytogenes, que causa entre outras patologias a meningite e aborto; os surtos são raros, mas com alta taxa de mortalidade. A Escherichia coli é outra bactéria freqüente nesses produtos, sua origem é o intestino da vaca ou humano, a maioria não é patogênica, mas algumas cepas como a E. coli enteropatogênica (EPEC) e outras podem ser causar doença. Em termos de análises microbiológicas de controle, essa bactéria é incluída em um grande grupo que é denominado ora de coliformes fecais, ora coliformes termotolerantes ou atualmente coliformes a 45º C nos padrões da ANVISA e Ministério da Agricultura. Esse grupo inclui outras bactérias intestinais não patogênicas como Klebsiella e Enterobacter aerogenes e a contagem desse grupo é um indicador das condições da higiene da produção, uma vez que seu habitat natural é o intestino e pelas fezes chegam ao leite ou queijo. Sua presença pode indicar outras bactérias intestinais patogênicas como a Salmonella e a Shigella, causadores de quadro severo de infecção intestinal. As bactérias do grupo coliforme também são deteriorantes e sua presença em altos números comproterá irremediavelmente o prazo de validade do queijo. Todas essas bactérias são eliminadas do leite cru pela pasteurização, mas pode ocorrer a recontaminação do queijo por práticas de higiene deficientes.

Em termos de padrões microbiológicos, para os queijos frescos o tolerado pela ANVISA (RDC 12/2001) é ausência em 25 g de L. monocytogenes e Salmonella, Coliformes 45º C e Estafilococos Coagulase Positiva (ECP) Máx. 103 UFC/g para cada, tolerância semelhante é adotada pela Portaria 146/96 do Ministério da Agricultura.




Autor: E. Porto

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