07/08/2008 às 10h46min - Atualizada em 07/08/2008 às 10h46min

Pré-maturação do leite: Uma velha opção ou uma nova aliada para estes tempos modernos?

Ao longo dos tempos, muitos dos mecanismos de transformação do leite foram sendo abandonados, quase sempre, em nome da produtividade, do desenvolvimento tecnológico e etc, etc. dentre todas elas, a pré-maturação do leite foi praticamente eliminada dos fluxos de fabricação. Evidentemente, produtividade, avanços tecnológicos e outros benefícios mais, devem fazer parte constante do dia-dia de uma fabrica, mas é preciso que eles permitam o alcance do objetivo final. Por exemplo, de que vale a produtividade se tenho por objetivo elaborar um queijo com olhaduras e não consigo? De que valeria esta mesma alta produtividade se 15 ou 20% dos queijos apresentam alteração de sabor?

Hoje, estes tipos de problemas têm sido cada vez mais freqüentes para os queijeiros atentos á qualidade de seus produtos. Tratam-se, obviamente, de alterações cujas causas estão associadas a diversos fatores. Podemos começar pela má qualidade geral da matéria-prima, passar pelos fluxos de fabricação nem sempre pelos fluxos de fabricação nem sempre bem ajustados, por problemas de ordem econômica que conduz a reduções indevidas de custos e terminar pelo sistema de distribuição desta nossa terra tropical, cuja quebra da cadeia de frio parece ser uma operação tecnológica de relevante importância.

Mais recentemente o leite resfriado, coletado a granel, vem sendo considerado, e alias, com propriedade, como um dos maiores responsáveis por estas alterações em geral e principalmente por aquelas de sabor e aroma. Diversas publicações têm abordado este tema, apontadas as alterações e os possíveis meios de correção. Podemos concluir que temos um problema de ordem físico-químico, cujas alterações são reversíveis e um microbiológico, cuja solução é mais difícil, não só pelo fator biológico, mas também pela complexidade do sistema produção transporte-fabricação-comercialização.

Revisando os conceitos básicos da pré-maturação do leite, ainda que se possa afirmar que ela aumente os riscos de contaminação por bacteriófagos de bactérias lisogenicas, é possível que, por todas as vantagens que apresenta, ela possa se constituir numa interessante ferramenta para se trabalhar melhor este nosso velho leite resfriado de cada dia.

Na edição III da Via Láctea fizemos alguns comentários sobre a pratica da pré-maturação em associação com a aplicação de tratamentos térmicos. Neste esquema de trabalho, o objetivo era impedir o desenvolvimento dos psicrotroficos e induzir a produção de frações nitrogenadas capazes de estimular o crescimento das bactérias láticas. O tratamento térmico aplicado após a pré-maturação se encarregava de destruir a maior parte das bactérias adicionadas. Toda a dose fermento usada seria readicionada ao tanque momento antes da fabricação.

Como já há no Brasil fabricas que usam a terminação do leite no momento de sua chegada à recepção, sem pré-maturação com resultados que podem ser considerados muito bons, gostaríamos de discutir aqui, um esquema de trabalho com o uso da pré-maturação em leite previamente pasteurizado, por acreditar que ele possa gerar frutos ainda melhores.

Partindo-se de matérias-primas cuja qualidade inicial é boa, recomenda-se, em geral, que a pré-maturação seja realizada obedecendo o seguinte critério:

· Pasteurização do leite resfriado a 71 ? 73ºC por 15 a 20 segundos;

· Resfriamento a 20 ? 22ºC;

· Inoculação de 0,3% de cultura;

· Pré-maturação por um período de cerca de 30 minutos;

· Resfriamento a 10 ? 12ºC;

· Pré-maturação por 16 - 18 horas 

· Aquecimento à temperatura de coagulação, complementação da dose de fermento e fabricação.

Considerando nossa realidade, onde a qualidade do leite não é boa, uma certa dose de cautela deve fazer parte de um processo inicial a ser testado e posteriormente aperfeiçoado. Assim, apresentamos a seguir um esquema que acreditamos, pode servir como ponto de partida para a reintrodução da pré-maturação do leite como forma de melhorar a qualidade geral de nossos queijos:

· Recepção do leite resfriado;

· Pasteurização pelo processo HTST clássico, ou seja, 71/73ºC por 15 a 20 segundos;

· Resfriamento a 5 ? 10ºC;

· Adição de 0,10 a 0,30% de fermento

· Adição da dose de 0,15 a 0,20g por litro de cloreto de cálcio;

· Pré-maturação por 12 a 16 horas;

· Aquecimento à temperatura de coagulação, complementação da dose de fermento ao inicio do enchimento do tanque do queijo.

Obviamente, este esquema serve mais como conceito, como orientação, podendo e devendo ser testado e adaptado às condições de cada fabrica ou tipo de queijo.

Ates de discutir de discutir algumas destas possíveis variações, vamos a um provável obstáculo a ser vencido, que é o receio da recontaminação pós-pasteurização. Efetivamente o risco existe mas, muito provavelmente, não é tão grande e tão pouco, significa algo sem controle, como se pode eventualmente pensar. Uma pequena passada de olhos pelo fluxo de beneficiamento de leite pasteurizado envasado em sacos plásticos, pode constituir-se um bom exemplo para se buscar a ?tranqüilidade? para a adoção da operação. Este processo de envase apresenta muito mais pontos críticos de recontaminacao do leite e no entanto, permite a obtenção de um produto de qualidade. Na verdade, tudo que se precisa é um bom esquema de limpeza das tubulações e tanques de estocagem.

A definição mais precisa dos parâmetros de cada etapa da pré-maturação pode passar por uma serie de combinações possíveis, algumas das quais são apresentadas no quadro I em consonância com os parâmetros anteriormente apresentados. Respeitando-se os limites máximos previamente estabelecidos, que não precisam necessariamente estar de acordo com os números aqui propostos, a regra geral é facilitar ao Maximo o desenvolvimento das bactérias láticas, controlando-se o processo de fermentação de forma a que o pH final do leite pré-maturado, não seja inferior a 6,45 partindo-se de 6,60 -6,65 a 20- 25ºC. na pratica, de um modo geral, o fator mais importante será sempre a qualidade inicial da matéria-prima. Do leites melhores permitirão o emprego de temperaturas mais elevadas e doses maiores combinados com tempos mais curtos, o que sem duvida, constitui-se na melhor situação, por permitir o alcance dos objetivos da pré-maturação com maior agilidade e por conseqüência com melhor produtividade.

Situação semelhante será verificada com o uso de termofílicos acidificanes, propiônicos e mofos verdes ou brancos. Uma vez que não produzem ácido lático, caso dos propiônicos e dos mofos, ou que apresentam baixa performace na produção de acido a temperatura inferiores a 20ºC, caso dos termofilicos, a pré-maturação com estas espécies sempre poderá ser realizada com temperaturas mais elevadas e doses maiores ou mesmo iguais à totalidade do inoculo.

A adição de cloreto de cálcio, citada como parte da operação, se justifica pelo fato de que o tempo de pré-maturação favorece as reações entre o cálcio e as proteínas, garantindo de forma ainda mais eficaz, as já conhecidas vantagens da reposição do cálcio em leite pasteurizado e resfriado.

Tomada a decisão de se adotar o processo, as conseqüências esperadas após o acerto dos parâmetros são, em teoria, as seguintes:

· Recuperação da aptidão do leite tratado termicamente à fabricação;

· Indução da produção de frações nitrogenadas estimulantes ao crescimento das bactérias da flora láctica acidificante;

· Melhor adaptação das bactérias ao seu novo maio de cultura bem como o aumento da flora total dos queijos, acelerado e melhorando a formação de olhaduras mais especificamente e a maturação em geral;

· Diminuição do tempo de floculação, coagulação e fabricação em função do abaixamento do pH.

A este respeito vale ressaltar a importância de se controlar o processo da forma a se obter um pH de coagulação na faixa de 6,45-6,50. trata-se de um objetivo difícil de ser alcançado por via biológica, o caminho mais fácil neste caso seria pela adição de proteínas ácidas, de glucona-delta-lactona ou injeção de comas, que deve ser perseguido pois permite ainda uma maior reprodutibilidade da coagulação e da sinérese e o aumento do rendimento através da diminuição das perdas de finos.

Apesar de todas as vantagens cometidas, nas tecnologias mais modernas, a pré-maturação biológica, principalmente aquela realidade a quente, tem sido abandonada. Os principais motivos alegados são o aumento do risco de ataques fágicos do processo. São raciocínios com certa lógica mas, nas estamos plenamente convencidos de que a pré-maturação, tal como proposta e discutida aqui, não se constitua num recurso capaz de solucionar boa parte dos imperativos da queijaria de hoje e melhorar a qualidade final dos nossos queijos.

Para terminar gostaríamos de deixar no ar duas questões que talvez possam ajudar na tomada de decisão:

· Seria imprudente pensar que nos dias atuais, o advento dos fermentos de uso direto veio facilitar o controle da atividade das culturas durante o processo, tarefa difícil nos tempos dos fermentos propagados?

· Seria igualmente ilógico pensar que a multiplicidade das cepas que compõe estes fermentos, que as amplas alternativas de rotação disponíveis os cuidado higiênicos não seriam suficientes para afastar de certa forma o risco dos bacterófagos?

Nos acreditamos que sim e que tudo é apenas uma questão de experimentar.


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