12/03/2012 às 14h55min - Atualizada em 12/03/2012 às 14h55min

Paratuberculose é ameaça e prejuízo certo para o rebanho leiteiro

"A paratuberculose é a mais recente e perigosa ameaça à sanidade dos rebanhos leiteiros. Não tem cura, e sua presença já está confirmada em cerca de 22% das fazendas dos EUA", declarou a médica veterinária Patty Scharko, da Universidade de Kentucky-EUA, ao abordar o tema durante o 4º Simpósio Internacional sobre Produção Intensiva de Leite, evento realizado em julho último, em Caxambu- MG. Como especialista, ela disse que o mais preocupante, da também conhecida como Doença de Johnes, é sua ação silenciosa, pois quanto mais tempo ela passa despercebida, maior é o número de animais que se tornam infectados. "Cada caso clínico confirmado dentro de um rebanho pode representar até 15 outros em estágio subclínico".  

Segundo sua definição, a nova doença apresenta-se como uma infecção bacteriana contagiosa que ataca o trato intestinal dos ruminantes. A bactéria Mycobaterium paratuberculosis é o agente transmissor, sendo capaz de se desenvolver principalmente no interior do organismo dos animais. Contudo, se o solo ou água estiverem contaminados com esta bactéria, ela será capaz de sobreviver por período de até um ano, dada a sua alta resistência ao frio, calor e ressecamento. A veterinária conta ainda que geralmente a vaca se infecta quando bezerra, através do contato com esterco, leite e colostro contaminados ou, então, durante a vida intra-uterina. Um quadro que faz com que os animais com menos de seis meses de idade sejam os mais susceptíveis.   

Diante disso, é comum a doença se incubar, mostrando os sinais somente aos três anos de idade, geralmente após situações de estresse, como a parição. Sua ação contagiosa, que causa sérios danos ao intestino, tem como principais sintomas a diarréia, perda progressiva de peso, sem perder o apetite, e queda na produção de leite. Um estudo recente realizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos anuncia que os prejuízos com a doença chegam a uma redução de 25% na produção de leite, sem contar os custos veterinários e o descarte prematuro de fêmeas em período de produção. Outra chance de se ter contato com a doença é através de aquisição de animais adultos infectados, sem sinais clínicos evidentes. Dessa forma, o produtor só se vai dar conta quando surgirem os primeiros sintomas da doença.   

As vacas infectadas são capazes de eliminar a bactéria através do leite e das fezes. O Mycobaterium paratuberculosis leva a um espaçamento da parede intestinal do animal, reduzindo a capacidade absortiva de nutrientes e promovendo uma disfunção intestinal. A bactéria é extremamente resistente ao sistema imunológico do hospedeiro, mostrando-se por enquanto incurável. De acordo com a veterinária Scharko, alguns tratamentos possíveis foram realizados em cabritos e ovelhas, mas se mostraram inviáveis pelo seu alto custo. "O melhor, então, é se voltar para a prevenção", anuncia. A doença tem sinais positivos em várias regiões dos EUA e países da Europa, além de mostrar uma prevalência crescente nos rebanhos leiteiros da Nova Zelândia e da Austrália. No Brasil, o primeiro estudo foi realizado no início deste ano, e os resultados foram alarmantes.

Como a doença se desenvolve no animal? A resposta, dada pela veterinária de Kentucky, divide a paratuberculose em quatro estágios. O primeiro, quando os animais apresentam uma infecção inaparente (sub-clínica), o que acomete quase sempre bezerras e novilhas. Essa fase é muito difícil de ser identificável por exames. O segundo estágio, que acomete novilhas mais velhas, faz com que estes animais ainda saudáveis eliminem as bactérias pelas fezes. Isso significa um sério risco para o rebanho, pois os resultados dos testes diagnósticos são bastantes inconsistentes, variando em função do número de microorganismos disseminados. No terceiro estágio, os animais apresentam sinais clínicos evidentes como diarréia aquosa aguda e sistêmica, e as perdas em produção de leite são bastante aparentes. O diagnóstico laboratorial é preciso nesta fase. Em caso positivo, o quarto estágio é irreversível, e, ao atingi-lo, o animal morrerá em três semanas.

A DOENÇA NÃO TEM CURA, MAS TRÊS SÃO OS TESTES PARA O DIAGNÓSTICO   

O médico veterinário Christian Campos Pereira, que vem estudando a doença no campus de Pirassununga-SP, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia USP, alerta para os produtores atentarem especialmente para o caráter subclínico ou inaparente da doença. Conta que alguns estudos estimam que, num rebanho de 100 vacas adultas, a presença de um quadro clínico avançado (estágio quatro), indica a existência de um a dois animais no estágio três; quatro a oito no estágio dois e 10 a 14 animais na fase um, ou seja, no início do quadro subclínico. "Isso significa que para cada caso clínico agudo tem-se de 15 a 25 animais infectados dentro do rebanho", estima. Lembra que a doença tem um aspecto perverso, ao apresentar a forma sub-clínica por um longo período nos estágios iniciais da infecção, o que determina uma limitação para identificação dos animais.   

O diagnóstico para certificar a presença da Doença de Johnes pode ser feito através de três testes: cultura de fezes, teste de DNA nas fezes e sorologia. O primeiro é bastante demorado e requer até 16 semanas para se obter o resultado. Já a utilização do DNA recombinante nesse mesmo teste pode ajudar a identificar as bactérias nas fezes, mas é preciso que haja um número expressivo de microorganismos e a fase da doença não seja inicial. Respectivamente, custam em média R$30 e 45, por amostra. A sorologia, por sua vez, é a opção mais recomendada para identificar a presença de anticorpos contra o agente causador. A melhor opção é o Elisa (Enzyne Linked Immunoabsorbent Assay), um teste bastante rápido, tendo uma especificidade de 95 a 99%, ou seja, com poucas chances de apresentar falso positivo.   

"Entretanto, apresenta aproximadamente 56% de sensibilidade nos casos sub-clínicos e 85% em casos clínicos, o que significa que pode haver um número considerável de falso negativo quando se estiver fazendo uma análise sorológica de todo rebanho", observa Scharko, explicando que desta forma alguns animais positivos nunca serão positivos neste exame. Por outro lado, considera que tais testes são muito bons para diagnosticar animais afetados clinicamente, podendo subestimar o número de animais em estágios iniciais de controle. Em termos práticos, o teste Elisa é adequado para se fazer um levantamento inicial da prevalência da doença na propriedade, podendo-se utilizar a cultura de fezes ou o teste de DNA para confirmar a presença do agente apenas em animais positivos. Nos EUA, o Departamento de Agricultura recomenda que os testes sejam feitos a partir do segundo ano, e o produtor não paga nada por eles.  

Para o médico veterinário Pereira, da FMVZ-USP, o produtor deve ter em mente que a paratuberculose é uma doença altamente contagiosa e que as vacinas existentes são ainda muito ineficazes. "Por isso, o controle da doença e suas chances de erradicação do rebanho devem se basear em estratégias de manejo e descarte de animais positivos", ensina. Concordando com ele, Patty Scharko discorre sobre sua identificação e o descarte mais rápido possível. A propósito, orienta para que a compra de gado seja feita somente de rebanhos livres da doença, não permitindo que vacas positivas venham a parir na fazenda. Outro alerta: "O criador não deve emprestar touros para outras propriedades. Há o risco de contágio, e o agente transmissor pode ser transmitido através do esperma". Tal possibilidade implica que o touro deve ser submetido periodicamente aos testes que detectam a doença. Sugere ainda que todo o instrumental utilizado em inseminação artificial e transferência de embriões deve ser cercado da máxima assepsia possível.

MANTER O REBANHO FECHADO: A PREVENÇÃO MAIS EFICAZ 

Princípios de higiene devem também ser aplicados em todos os espaços da propriedade. Os alimentos, antes de serem fornecidos, devem ficar distantes dos animais e jamais deve se usar o mesmo equipamento para manejar fezes e comida. Ao mesmo tempo, deve-se estar atento a possível contaminação fecal da fonte de água. Outra boa dica é reduzir o contato entre animais adultos e bezerros, o que significa inclusive não fornecer sobras da dieta de um para o outro. O tratador deve estar sempre de botas limpas ao trabalhar com os bezerros e, principalmente, seguir atentamente o que determina o programa previamente preparado para o controle específico da paratuberculose na fazenda. Para isso, cabe ao produtor convocar um veterinário que conheça as técnicas de manejo de prevenção da doença. 

"A manutenção de um rebanho fechado é o melhor método para evitar a contaminação do rebanho" , ressalta Patty Scharko. Diz isso, levando em conta que os atuais métodos diagnósticos não conseguem detectar todos os animais positivos. Nos Estados Unidos, o Sistema Nacional de Monitoramento da Saúde Animal mostrou que 22% das propriedades leiteiras apresentavam pelo menos 10% de vacas infectadas com Mycobacterium paratuberculis. Os resultados apontaram que a prevalência está relacionada com o tamanho do rebanho. Cerca de 40% dos rebanhos com mais de 300 vacas tinham taxas de infecção de pelo menos 10%. O mesmo estudo apontou que cada animal infectado causa um prejuízo em produção de leite de US$227 por vaca/ano, além de significar perda de animais geneticamente valiosos, gastos veterinários e dificuldades na comercialização de animais. 

No Brasil, o único experimento realizado sobre a presença da paratuberculose foi realizado no primeiro trimestre deste ano por pesquisadores da FMVZ-USP em propriedades dos municípios de Pirassununga, Descalvado e São Carlos, no interior paulista. Foram escolhidos 20 rebanhos especializados de diferentes sistemas de exploração. Ao todo, o estudo envolveu 403 vacas, com duas ou mais lactações, as quais foram submetidas ao teste Elisa, para identificar através do sangue a presença de anticorpos contra o agente transmissor da doença. O médico veterinário Christian Pereira, um dos coordena dores do estudo, revela que 153 dos animais da amostra apresentaram resultados positivos, ou seja, 38% estavam infectados. E pior: das 20 fazendas visitadas, apenas uma delas não apresentou nenhuma vaca com a doença. Uma outra apontou 75% de animais infectados com o agente. 

"O resultado é alarmante, mas deve-se considerar que é apenas o primeiro levantamento feito no país", observa o veterinário. Lembra, no entanto, que uma fazenda gaúcha de leite tipo A, próxima a Porto Alegre, encerrou as atividades no ano passado em virtude da disseminação da doença em seu rebanho Holandês. Destaca ainda que, ao contrário do que se pensa, a doença não é recente. "O primeiro registro de paratuberculose é datado de 1895, na Alemanha. Hoje, ela está espalhada no mundo inteiro, mas a mídia veterinária só veio valorizá-la nos últimos cinco anos", observa. Talvez por isso, muitos produtores e também veterinários ainda tenham dificuldades de identificar seus sintomas dentro do rebanho, confundindo-a com outras enfermidades. 

Por exemplo, paratuberculose nada tem a ver com a tuberculose. Seus agentes causadores são diferentes. No primeiro caso, a ação se dá pelo Mycobacterium paratubeculosis, que se aloja no intestino, gerando diarréia e perda de peso, enquanto no segundo, pelo Mycobacterium tuberculosis, que se estabelece no pulmão, promovendo problemas respiratórios. O estudo da FMVZ-USP deve ter prosseguimento ainda este ano, voltando-se agora para o isolamento do agente infeccioso e para a identificação de novas recomendações de manejo que orientem a prevenção. Uma delas foi sugerida por Scharko, ao apontar experimentos realizados em Michigan (EUA), cujos resultados indicaram que a redução dos níveis de ferro no solo, elevando-se o pH, contribui para que as bactérias tenham dificuldades para se multiplicarem. 

Por outro lado, Pereira lembra que a potencial ligação da paratuberculose com a Doença de Crohn, que acomete o homem, tem perturbado a comunidade científica. "O M. paratuberculosis tem sido isolado em 70% dos pacientes humanos com a Doença de Crohn, que é caracterizada por sintomas muito parecidos com os da doença de Johne, como diarréia e perda de peso", explica. A semelhança entre os dois processos patológicos não se resume apenas à sintomatologia, mas também à epidemiologia, pois ambas são de caráter crônico, promovendo lesões teciduais graves no epitélio intestinal, com os sinais iniciais nos primeiros anos de vida. "Se realmente houver uma relação direta entre as duas doenças, pode acontecer o mesmo que vem ocorrendo com a síndrome da vaca louca. Muitas pessoas vão deixar de beber leite, comer carne, e os prejuízos mais uma vez vão afetar os produtores", alerta a veterinária de Kentucky.Mais informações sobre a Doença: [email protected]




Autor: Notas da Redação

Referências bibliográficas: 

FONTE:
Revista Balde Branco – Número 419
[email protected]


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