04/09/2023 às 13h54min - Atualizada em 04/09/2023 às 13h54min

Os novos desafios regulatórios do setor de alimentos e suplementação

Regulatório da FiSA trouxe informações sobre como lidar com as normas regulatórias da Anvisa e as expectativas com o novo Marco Regulatório

FISA
Food Connection
Foto Divulgação FiSA
O setor regulatório de alimentos e suplementos alimentares no Brasil,  em constante evolução, enfrenta muitos desafios. Especialistas e profissionais do setor se reuniram no 2º SPOT Regulatório BrainBOX by Regularium, durante a FiSA 2023, para analisar questões críticas que afetam a indústria. Temas como a atualização de documentos regulatórios, a estabilidade de suplementos alimentares, petições simplificadas e a inclusão na lista positiva da Anvisa estiveram no centro das discussões. A relação com órgãos reguladores também foi pauta no evento, no que diz respeito às necessidades da indústria e a garantia de produtos seguros e de qualidade.

Anderson Ribeiro, sócio da área de Life Sciences e Healthcare do Souto Correa Advogados, escritório de advocacia full service, levantou preocupações compartilhadas pelo setor. Ele questionou se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está considerando a necessidade de atualização de documentos à luz das mudanças ocorridas desde o início da pandemia: “Acho que as associações não pararam pra perguntar pra Anvisa: ‘Anvisa, você está partindo de uma discussão que você começou a fazer em 2020, você ainda tá usando esse documento, mas já parou pra olhar de novo e ver se a realidade de 2020 é a mesma de agora?’” Ribeiro pondera que, possivelmente, muito ainda teria que ser aprimorado após esses três anos, mas que é preciso evoluir nos desafios identificados. E justifica informando que a Anvisa publicará o regulatório 2024/2025, por isso, a dúvida é se os mesmos problemas se prolongarão nos próximos dois anos sem nenhuma mudança significativa. “A gente está tentando evoluir. E aí vai ter espaço para diálogo? A Anvisa está publicando o regulatório 24/25, vai estar na agenda?”, ele interpela.

Inovação aponta para extratos, suplementos e ingredientes tradicionais. O que esperar do ponto de vista regulatório? A necessidade de ajustar as regulamentações para refletir as especificidades de cada item tornou-se um ponto fundamental. Eliane Miyazaki, sócia fundadora da FoodStaff, citou os desafios quanto à regulamentação dos extratos vegetais. Ela destaca que a Anvisa ainda não se adaptou para acomodar adequadamente as complexidades dos extratos que diferem significativamente de outros ingredientes. 
  Miyazaki explica: “Se você tem um especialista, ele consegue avaliar os estudos. Você acha que toda substância ali tem que ter tudo exatamente igual? Não tem. A maior reclamação são para os extratos vegetais, mas eles têm que ser tratados sob outra ótica”. De acordo com sua percepção, o órgão não aceita essa visão, o que mantém processos engessados que atrasam o aproveitamento de oportunidades possíveis a partir do bioma brasileiro. Além disso, há o anseio de que a falta de adaptação, bem como os atrasos na resolução de pendências nesses conflitos entre Anvisa e indústria, possa fazer com que o Brasil perca terreno para competidores globais. Miyazaki cita países como a China e a Índia, como exemplos, pois, segundo ela, estão investindo em ingredientes naturais, comprando terras e fazendas  para plantação e posterior importação.
A inclusão de ingredientes na chamada "lista positiva" da Anvisa, que é a Lista de Produtos Técnicos de Referência, é um passo fundamental na regulamentação de suplementos alimentares. Maísa Tapajós, diretora técnica da Regulare, detalhou os requisitos rigorosos para essa inclusão: “A gente tem que observar a especificação desses ingredientes. Então, a especificação deve constar em umas das farmacopeias reconhecidas pela Anvisa como referências: Codex Alimentarius, JECFA ou outra que ainda que não tenha nenhum desses compêndios, mas a Anvisa avaliou por meio de petição e aprovou que pode ser utilizada”.

Ela ressaltou que a utilização de ingredientes conhecidos em suplementos com funções tecnológicas exige uma análise minuciosa, ao explicar o artigo 6º da Resolução  243 de 2018. “Hoje, é possível usar uma spirulina para dar cor pra um produto ou você pode usar o cacau para dar sabor a um produto. Ele não precisa estar na lista positiva, mas ele é um ingrediente tradicional que tem função tecnológica. Então, pode ser usado, mas é preciso observar alguns requisitos para isso”, exemplifica. Outros itens alimentícios também foram citados para elucidar os aspectos técnicos, como a cúrcuma em pó que é utilizada para melhorar a homogeneização e dispersão da curcumina, um bioativo aprovado para uso. A curcumina pura tem a desvantagem de aderir às embalagens, tornando-se inconveniente para o manuseio e consumo, enquanto misturá-la com cúrcuma em pó, reduz essa aderência. O aspecto relevante é que a cúrcuma em pó não é um ingrediente aprovado da mesma forma que a curcumina, sendo considerada uma especiaria. Portanto, essa prática é permitida porque a cúrcuma em pó não se enquadra nas restrições estabelecidas 

Nesse sentido, Maísa conta que,  embora muitas empresas recorram ao guaraná por suas propriedades de sabor, por exemplo, essa prática não é permitida. De acordo com o artigo, que estabelece que os ingredientes da lista positiva, que fornecem bioativos, não podem ser utilizados dessa maneira. Portanto, essa utilização é proibida devido às diretrizes regulatórias. E complementa: “O que eu tô querendo mostrar com isso? Que os requisitos do artigo 6º, devem ser avaliados caso a caso, mesmo o ingrediente sendo tradicional”. De acordo com a Lei nº 6.437/1977, a não conformidade com as regulamentações pode resultar em infrações, com penalidades que variam dependendo do tipo cometido. “Se ingredientes não aprovados forem disponibilizados no mercado estarão sujeitos a sofrerem infração sanitária. A Resolução 243 de 2018 prevê que o descumprimento de alguma das disposições pode constituir infração sanitária”, Maísa alerta.

 
Estabilidade dos suplementos tem sido foco de preocupação das empresas - O tema estabilidade de suplementos alimentares está entre os que geram mais discussão, quanto ao que tem funcionado na prática e quais erros estão sendo cometidos. Com o encerramento da consulta pública do Marco Regulatório de Novos Alimentos e Ingredientes em julho de 2023, o assunto tornou-se ainda mais premente. O público abrangeu desde a indústria farmacêutica até a de ingredientes, com profissionais de diversas áreas, como marketing e pesquisa e desenvolvimento (P&D) demonstrando interesse. Mariana, profissional de P&D, foi ao SPOT Regulatório ávida por respostas: “Na empresa vou começar a desenvolver os testes de estabilidade. Aqui, eles especificaram bem quais parâmetros utilizar, como estudar, com relação a quais testes fazer porque isso fica muito subjetivo nos temas da Anvisa”, comenta.

Sara Leite, do departamento técnico da Gomes Suplementos Alimentares, também acompanhou as palestras no intuito de sanar dúvidas. “A gente veio mais pela questão do estudo de estabilidade, o que está sendo pedido, quando é interessante um estudo acelerado ou estudo de longa duração”, Sara diz. Para ela, essas discussões estão contribuindo para moldar o entendimento coletivo sobre requisitos e controle de qualidade na indústria de suplementação alimentar.

Petições Simplificadas são alternativa às dificuldades com os requisitos fundamentais - Beatriz Pagotto, farmacêutica e sócia da consultoria Meta Regulatória, conduziu uma palestra sobre petições e aprovações simplificadas. A atividade rendeu informações sobre os requisitos para a inclusão de ingredientes em suplementos alimentares e a diferença entre o uso do código 4109, que é comumente usado para avaliação de segurança e eficácia de ingredientes, e os códigos de petição simplificada.  O processo de submissão de um relatório técnico dentro da gerência geral de alimentos envolve vários estágios considerados críticos. Pagotto explicou que a escolha entre essas opções depende de diversos fatores, incluindo complexidade e prazos específicos para ambas as abordagens. Especialistas presentes no evento, enfatizam que o conhecimento é fundamental para empresas que buscam introduzir novos ingredientes no mercado. Após a submissão, o relatório entra na fila designada pelo código 4109, sob a supervisão da gerência de avaliação de risco e eficácia. Essa fila é organizada com base na complexidade e nos produtos, e a espera pode variar de 6 a 12 meses. Uma vez que o relatório chega às mãos do técnico, ele conduz uma primeira avaliação e, muitas vezes, emite exigências à empresa responsável, pedindo esclarecimentos ou documentos adicionais. Depois que esse ingrediente é aprovado no diário oficial, o condicionante, que neste caso é a empresa, poderá fazer uso desse ingrediente, mas Pagotto chama a complexidade das etapas até a garantia da conformidade regulatória: “Eu tenho 120 dias pra cumprir mais o tempo de análise do técnico. Eu somei aqui uns cinco, seis meses de avaliação que pode culminar em um deferimento ou um indeferimento que é uma negativa”. Logo, as empresas enfrentam longos períodos processuais que não garantem que sua petição seja atendida, o que pode configurar prejuízos não só aos negócios como também no desenvolvimento do setor.

Gisela Alvarado, que trabalha na área de regulatórios, assistiu à palestra e enfatiza a importância da inovação na indústria e como é essencial acompanhar as tendências regulatórias para alinhar com a conformidade. “Tento juntar o que é novidade e como isso pode favorecer a indústria em que eu trabalho, como isso está regulatoriamente. É bastante complexo. O nível de criticidade é bem alto, bem elevado”, ela observa.  Quanto à importância de alternativas e estratégias, Julia Coutinho menciona desafios enfrentados pelo setor, como as questões relacionadas às contas públicas e expressa sua satisfação com o interesse demonstrado pelo setor regulado em aprender e discutir questões regulatórias: “São assuntos que têm dado uma certa dor de cabeça para o setor regulado, mas que tentamos trazer algumas propostas. Esse é o objetivo deste SPOT Regulatório, que já é o segundo”.

Para Coutinho, a consulta pública que está revisando o fluxo regulatório de novos ingredientes é algo que tem sido foco de preocupação das empresas. Ela acredita que o público presente foi à procura de soluções para desenvolver estudos e de entender se a Anvisa realmente vai cobrar que haja esses estudos. Aspecto que avalia positivamente por superar as expectativas com a interação e participação das pessoas presentes. No SPOT Regulatório 2023 se destacou a importância da inovação aliada à conformidade regulatória na indústria, bem como a relevância de discussões e colaborações para enfrentar os desafios regulatórios, especialmente no que diz respeito à aprovação de novos ingredientes. William Cruzeiro, da Essential Nutrition, uma empresa de suplementos alimentares, compartilha sua perspectiva sobre o evento: “Achei que foi bem produtivo. O que aprendi aqui vai me ajudar ainda mais a finalizar o meu rascunho e submeter para a Anvisa”. Ele considera importante a troca de experiências entre profissionais da área, justamente por conta das dificuldades compartilhadas. No seu caso, especialmente relacionadas à produção de síntese enzimática, devido à necessidade de aprovação de coadjuvantes de tecnologia pela Anvisa. Cruzeiro compartilha que, apesar de não representar uma indústria de ingredientes, frequentemente, atua junto aos fornecedores no desenvolvimento de produtos. Questionado sobre como vê o cenário atual para aprovar um ingrediente, é categórico: “Desafiador. Acho que está amadurecendo mais, mas ainda têm muitos desafios para serem superados”.

Fonte: Food Connection e FiSA

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