02/08/2023 às 09h33min - Atualizada em 02/08/2023 às 09h33min

CCS e reprodução: silenciosa relação

A eficiência na gestão das fazendas leiteiras está cada vez mais atrelada à percepção de que os setores do sistema de produção estão conectados.

Luis Fernando Moroz
Revista Leite Integral
José Luiz Moraes Vasconcelos, especialista em reprodução de bovinos. Foto Canal do Leite

A eficiência na gestão das fazendas leiteiras está cada vez mais atrelada à percepção de que os setores do sistema de produção estão conectados. Essa visão holística da atividade é fundamental para dar suporte à perspectiva clínica. Visto por esse ângulo, é essencial ter colaboradores treinados a identificar as relações encadeadas, o que exige conhecimento acadêmico associado à prática. Um exemplo é a análise da relação entre a contagem de células somáticas (CCS) e os indicadores reprodutivos. A CCS é ferramenta fundamental na avaliação da saúde da glândula mamária das vacas leiteiras. Valores acima do ideal podem indicar a presença de mastite, o que torna a CCS uma métrica crucial para o monitoramento e prevenção dessa doença. A mastite é, portanto, uma das afecções mais comuns nos rebanhos leiteiros, responsável por grande impacto na produção e qualidade do leite e, por consequência, por amplas perdas financeiras. No entanto, muitos produtores não estão cientes de que a doença também pode impactar a fertilidade das vacas, de forma a ampliar ainda mais os prejuízos.

Relação entre CCS e reprodução

O Médico Veterinário Luis Fernando Moroz, Gestor Técnico da Fazenda Frankanna (Carambeí/PR), CEO da Cow Training e parceiro do Grupo GERAR Leite desde 2015, comenta a importância em atrelar o conhecimento acadêmico à prática: “Dentre os pontos forte do Grupo GERAR, destaco a precisão dos números disponíveis para análise e como as melhorias propostas são baseadas na realidade dos produtores”.

Dos parâmetros disponíveis para análises, a CCS é o melhor preditor da saúde da glândula mamária. As células somáticas incluem tanto células epiteliais de descamação quanto células de defesa, como leucócitos, recrutados para combater agentes causadores de infecções. Portanto, vacas que possuem mais de 200.000 células somáticas por mililitro de leite, mesmo que não demonstrem sintomas clínicos visíveis, são consideradas portadoras de mastite.

Luis Fernando explica: "Durante muitos anos, a CCS foi utilizada apenas para avaliar casos de mastite clínica e subclínica em vacas leiteiras, sendo negligenciada como ferramenta de análise da evolução do número de vacas crônicas e curadas, fundamental para a tomada de decisão mais assertiva." Embora a influência da mastite na fertilidade das vacas leiteiras não esteja completamente elucidada, os seguintes fatores podem ser considerados: aumento na produção de prostaglandina; falha na ovulação e redução na produção de estradiol; diminuição da manifestação de cio; elevação da temperatura corporal e liberação de moléculas que podem afetar negativamente o óvulo, o embrião e o corpo lúteo. Sobre isso, Luis Fernando observa: “Os animais que apresentam alta CCS estão diante de um processo inflamatório que resulta na liberação de citocinas pró-inflamatórias e mediadores, incluindo a prostaglandina. Em vacas prenhes, a liberação de prostaglandina pode ocorrer antes do fim do ciclo de vida do corpo lúteo, o que aumenta o risco da perda da gestação”. 

Além disso, a CCS alta pode prejudicar a qualidade dos óocitos, dificultando a inseminação. “É importante lembrar que durante qualquer inflamação, há liberação natural de mediadores inflamatórios, os quais são necessários e fisiológicos. No entanto, quando esses mediadores são liberados em grandes quantidades, podem afetar negativamente a reprodução e a qualidade do leite”, explica Luis Fernando.

Na Fazenda Frankanna, pesquisadores compararam grupos de vacas com CCS alta e baixa e encontraram diferença significativa de oito pontos percentuais na taxa de concepção e quatro litros na produção de leite. Luis Fernando comenta os achados do estudo: "Esses resultados reforçam a importância de ampliar o foco para além da mastite clínica, que é facilmente detectável, e incluir também a mastite subclínica, uma doença silenciosa que afeta um percentual substancial das vacas leiteiras."

Atuação preventiva

Para garantir a saúde da glândula mamária e a qualidade do leite produzido, é fundamental adotar práticas preventivas e realizar controle rigoroso para identificar animais desafiados pela mastite. Entre os principais pontos de atuação, Luis Fernando destaca: 

1 – Realizar bom manejo da cria e recria: na fase de aleitamento, é importante fornecer dieta líquida de qualidade e em volume adequado, para garantir o desenvolvimento saudável do animal. No caso das novilhas, é fundamental investir em ambiência adequada, com instalações bem ventiladas e higiênicas. Ainda, é importante controlar as moscas capazes de transmitir agentes causadores da mastite nessa fase da vida do animal. “A criação de novilhas configura investimento significativo para os produtores, já que o custo total pode chegar a R$ 8.000,00. A ocorrência de mastite em primíparas, infelizmente, é bastante frequente”. 

2 – Dedicar especial atenção ao período de transição: envolve proporcionar ambiente confortável e respeitar a lotação na estrutura de permanência dos animais, além de implementar manejos alimentares estratégicos para estimular o consumo de matéria seca e assegurar a atividade da função imune. Dessa forma, é possível reduzir o estresse das vacas durante a fase crítica, de forma a contribuir com a saúde e a produtividade do rebanho.

3 – Garantir o correto manejo na ordenha: “A máquina da ordenha é o coração da fazenda”, afirma Luis Fernando. Por isso, é importante realizar as manutenções periódicas que garantem o correto funcionamento dos equipamentos. Manter a rotina consistente, juntamente às medidas de higiene, como o pré e pósdipping, contribuem para o controle dos patógenos contagiosos entre as vacas.

4 – Realizar cultura microbiológica no pós-parto: o diagnóstico microbiológico da mastite é um método preciso e ágil que auxilia na tomada de decisões, especialmente no que se refere à adoção de terapia antibiótica no tratamento de vacas com mastite. 

5 – Garantir higiene na secagem das vacas: durante o período pré-parto e após a secagem, o risco de novos casos de mastite é maior. Entretanto, esse período pode ser utilizado para combater mastites subclínicas que podem ter se desenvolvido durante a lactação. “Durante o período seco, outra medida importante para manter a saúde da glândula mamária é a utilização do selante intramamário, um grande aliado na prevenção de infecções, já que sua aplicação bloqueia mecanicamente o acesso de microrganismos ao canal do teto”, esclarece Luis Fernando. 

6 – Conscientizar e treinar a equipe: a capacitação dos colaboradores garante que as boas práticas serão seguidas na ordenha e nos demais setores da fazenda leiteira.

Melhor estratégia

Não há dúvidas de que as melhorias nas condições gerais do sistema, incluindo a ambiência e os protocolos de manejo, são importantes para a produção do leite de qualidade. A visão do todo é fundamental para compreender que os impactos da doença envolvem todos os setores da fazenda e categorias do rebanho. A definição da estratégia de combate à mastite parte da utilização da cultura microbiológica como definidora do perfil de agente patogênico que constitui o desafio da fazenda. As estratégias específicas de controle devem ser pensadas em médio e longo prazos. Medir indicadores, como a taxa de concepção e a produção de leite, quantificar os resultados que foram obtidos com as ações adotadas, conforme comenta Luis Fernando: “Trabalhar com indicadores, uma das lições aprendidas nas reuniões do GERAR, deve fazer parte de toda a gestão da atividade leiteira”.

Fala mais Zequinha

 “A CCS é frequentemente associada à qualidade do leite e, em decorrência, ao valor recebido pelo produto. Mas sua importância vai além disso. A CCS está diretamente ligada ao volume de leite produzido e à reprodução das vacas. Quando a CCS aumenta, a produção de leite diminui e a eficiência reprodutiva fica comprometida. Com isso, as vacas podem atrasar para emprenhar, fato que eleva os dias em lactação (DEL), reduz a produção de leite e impacta a taxa de descarte. Por esse motivo, é fundamental detectar precocemente inflamações e infecções na glândula mamária, por meio das análises da CCS ou da cultura microbiológica, para que se possa agir rapidamente, tratar os animais acometidos e minimizar os impactos negativos na produção e reprodução. 

Pesquisadores já mostraram claramente a relação entre a CCS e a fertilidade das vacas, seja na Inseminação Artificial (IA), Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) ou Transferência de Embrião em Tempo Fixo (TETF). Como mencionado pelo Luis Fernando, é preciso pensar a fazenda como um todo. Os profissionais das mais diferentes e complementares áreas devem trabalhar em conjunto para garantir a saúde e o bem-estar do rebanho – como reflexo, é possível atingir o objetivo de aumentar a produtividade no sistema. Assim, para os produtores, é importante entender que a CCS não deve ser vista apenas como investimento na qualidade do leite, mas também como ferramenta crucial para o sucesso da atividade, pois afeta diretamente a saúde das vacas e a produção de leite em curto e médio prazos”.  
 

Autor: Luis Fernando Moroz
Fonte: Revista Leite Integral e Canal do Leite


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