16/05/2023 às 16h42min - Atualizada em 16/05/2023 às 16h42min

Gordura do leite traz benefícios para a saúde

Os efeitos benéficos aparecem no desenvolvimento cognitivo, prevenção de doenças infecciosas, trato intestinal, aumento da imunidade em crianças e melhora da saúde metabólica de adultos.

Raquel Paternostro
Contexto + Informação
Os efeitos benéficos aparecem no desenvolvimento cognitivo,  prevenção de doenças infecciosas, trato intestinal, aumento da imunidade em crianças e melhora da saúde metabólica de adultos. Pesquisas apontam que a gordura do leite traz uma série de benefícios concretos para a saúde. Isso porque, nas pequenas partículas existe um componente chamado  Membrana do Glóbulo de Gordura do Leite ( MGGL) que contém uma série de nutrientes poderosos.

Os queijos são uma excelente fonte de gordura do leite - A  referida membrana é rica em lipídios polares, colesterol e proteínas específicas. Os glóbulos de gordura do leite possui ainda outros compostos de importância nutricional, como as vitaminas A, D, E, K e carotenoides. Em artigo divulgado recentemente, pesquisadores do subcomitê de nutrição de saúde da FIL-IDF (Federação Internacional do Leite/Internacional Dairy Federation),  explicaram a importância funcional da membrana do glóbulo de gordura do leite. 

Para entender melhor sobre os benefícios do  MGGL, conversamos com  Dr. Marco Antônio Sundfeld da Gama  que é pesquisador da Embrapa Gado de Leite e coordenador do subcomitê de nutrição e saúde da FIL-IDF. De acordo com Dr. Gama, “as evidências científicas acumuladas indicam que não há motivos para se evitar a gordura do leite, que é uma fonte singular de inúmeros compostos bioativos benéficos à saúde.” A gordura do leite tem maior concentração nos laticínios integrais, todavia também é encontrada em produtos parcialmente desnatados. Para receber os nutrientes presentes na gordura do leite,  inclua no seu cardápio leite, queijos e iogurtes.

Ácido Butírico

O pesquisador ressaltou ainda a importância  do ácido butírico, uma substancia que só é encontrada na gordura do leite dos ruminantes. “Uma série de estudos científicos têm mostrado o papel do ácido butírico, presente exclusivamente na gordura do leite de ruminantes, em diversas respostas biológicas de importância para a saúde humana,” revela o pesquisador. Entre os benefícios do ácido butírico destacam -se a redução de processos inflamatórios,  combate ao desenvolvimento de micro-organismos (bactérias, fungos, vírus e protozoários), inibição do processo de formação de câncer no cólon, promoção de saúde e integridade do intestino.

Como o Ácido Butírico também está presente na gordura do leite, a ingestão deste composto fica limitada em produtos com baixa concentração de gordura, como em leite e produtos lácteos “low fat” ou “fat free.” As quantidades que devem ser ingeridas, tanto da membrana na gordura do leite, quanto do ácido butírico para se obter os benefícios funcionais, serão respondidas em  pesquisa que será realizada  na Embrapa  em parceria com o ITAL  e a FEA Unicamp em Campinas. Todavia, o pesquisador ressalta que, com exceção da manteiga, o leite e produtos lácteos são fonte significativa da membrana da gordura do leite na dieta humana. Para receber os nutrientes presentes na gordura do leite, inclua no seu cardápio leite, queijos e iogurtes com teores regulares de gordura ao invés das versões low fat ou fat free.

Se você se interessou pelo tema, confira a entrevista na íntegra por Raquel Paternostro, da Contexto Informação.

Contexto: Me conte um pouco da sua formação e experiência na área. Dr. Marco Gama: Sou zootecnista (UFRRJ) com mestrado (FMVZ/USP) e doutorado (ESALQ/USP) em Nutrição Animal. Tive ainda a oportunidade, em 2011, de realizar um pós-doutorado em Animal Science pela Universidade de Nottingham, no Reino Unido. Trabalho desde 2006 como pesquisador na Embrapa Gado de Leite em Juiz de Fora, tendo como linha principal de pesquisa a manipulação da composição da gordura do leite de vacas leiteiras por meio de estratégias nutricionais e a avaliação das propriedades funcionais da gordura do leite em estudos com animais e humanos, realizados em parcerias com Universidades. Sou atualmente o coordenador do Laboratório de Cromatografia da Embrapa Gado de Leite, no qual são rotineiramente realizadas análises do perfil de ácidos graxos dos alimentos fornecidos aos animais (forragens e concentrados), do leite e de produtos lácteos.

Contexto: O que motivou esta pesquisa? Dr. Marco Gama: Meu interesse por essa área de pesquisa teve início no meu doutorado quando, sob orientação do Prof. Dante Lanna (ESALQ), tive a oportunidade de conhecer um dos grandes cientistas do mundo no tema, o Dr. Mikko Griinari, que havia sido contemporâneo do Prof. Dante Lanna durante o seu doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. O Dr. Mikko Griinari foi responsável por uma descoberta notável no final da década de 90: ele demonstrou que a redução do teor de gordura do leite observada em vacas alimentadas com determinadas dietas era causada por uma mudança no metabolismo dos ácidos graxos no rúmen dos animais. Com base nesse estudo e em trabalhos subsequentes, foi possível não apenas minimizar ou evitar esse problema (queda do teor de gordura do leite) nas fazendas leiteiras, mas também compreender aspectos fundamentais envolvidos na manipulação da composição da gordura do leite por meios nutricionais, de forma a aumentar o teor de compostos benéficos à saúde humana. O interesse da comunidade científica pela membrana do glóbulo de gordura do leite (MGGL) é, no entanto, bem mais recente.
 
Contexto: A pesquisa foi publicada ou concluída? Dr. Marco Gama: Eu ainda não tive a oportunidade de trabalhar em projetos de pesquisa relacionados especificamente ao impacto da dieta fornecida aos animais sobre a composição da MGGL ou sobre a importância nutricional e funcional desse componente. Na verdade, o que temos feito até o momento na Embrapa é olhar para o perfil geral de ácidos graxos do leite. No entanto, diante das evidências recentes da importância da MGGL para a saúde humana, como mostrado no artigo que escrevemos, nossa ideia é captar recursos, preferencialmente junto ao setor privado diante da escassez de recursos públicos para pesquisa, para a realização desses estudos na Embrapa em parceria com o ITAL e a FEA (Unicamp) em Campinas. Esses estudos, inclusive, fazem parte do Plano de Trabalho do subcomitê brasileiro de Nutrição e Saúde da FIL/IDF, do qual tive o privilégio de ser indicado para coordenação, e que conta com uma equipe do mais alto gabarito formada por professores e pesquisadores de diferentes instituições nacionais.
 
Contexto: Quais as propriedades funcionais do ácido butírico? Quanto dele precisamos consumir por dia e porque? Dr. Marco Gama: Uma série de estudos científicos têm mostrado o papel do ácido butírico, presente exclusivamente na gordura do leite de ruminantes, em diversas respostas biológicas de importância para a saúde humana. Gómez-Cortés et al. (2018), em trabalho recente de revisão, mencionam a redução de processos inflamatórios, atividade antimicrobiana, inibição da carcinogênese no cólon, promoção de saúde/integridade intestinal e da saciedade como alguns dos efeitos reportados na literatura. Vale lembrar ainda que a importância do ácido butírico como produto da fermentação da fibra dietética pela microbiota intestinal também tem sido demonstrada em diversos estudos, sendo inclusive apontado como um dos mecanismos pelos quais a modulação da microbiota exerce os benefícios à saúde observados. Até onde tenho conhecimento, ainda não se sabe o quanto de ácido butírico precisamos ingerir para usufruirmos das suas propriedades funcionais, mas de qualquer forma é importante ressaltar novamente que a única fonte dietética de ácido butírico na dieta humana é a gordura do leite. Portanto, a ingestão desse composto singular é limitada quando leite e produtos lácteos “low fat” ou “fat free” são consumidos no lugar de lácteos com teores regulares de gordura.
 
Contexto: Quando a membrana do glóbulo de gordura do leite (MGGL) começou a chamar atenção dos cientistas e porque? Dr. Marco Gama: Embora não seja o meu tema principal de pesquisa como disse anteriormente, pelo que tenho lido até o momento o interesse da comunidade científica pelo MGGL parece ter aumentado sobremaneira da última década. Me recordo que, algum tempo atrás, a MGGL era tratada como resíduo da fabricação da manteiga (leitelho) tal como foi, um dia, o soro obtido durante a fabricação do queijo. Entretanto, a MGGL já começa a ser considerada um componente do leite de grande importância nutracêutica, agregando ainda mais valor ao leite e aos produtos lácteos. Nesse aspecto, é importante mencionar que a homogeneização do leite altera a estrutura nativa da MGGL, o que aparentemente pode alterar seus efeitos biológicos. Além disso, a manteiga contém apenas traços da MGGL, já que a maior parte é removida com o leitelho.

Contexto:  Em termos práticos, quanto de MGGL precisamos consumir para a obtenção do efeitos benéficos? Dr. Marco Gama: Ainda não se sabe, o que ressalta a necessidade de pesquisas adicionais nessa área. De qualquer forma, como mencionado no final da resposta anterior, a manteiga não é uma fonte de MGGL. Por outro lado, a manteiga é praticamente gordura do leite pura, uma fonte apreciável de inúmeros ácidos graxos bioativos potencialmente benéficos à saúde, alguns cujas concentrações podem ser aumentadas expressivamente por meio do fornecimento de determinadas dietas aos animais. Como havia mencionado, essa é a minha principal linha de pesquisa na Embrapa Gado de Leite.
 
Contexto: O sr cita que o MGGL é rica em lipídios polares, colesterol e proteínas específicas. Qual colesterol, e quais proteínas específicas? Dr. Marco Gama: O mesmo colesterol encontrado em todas as células de animais, e ausente em fontes de origem vegetal. Nesse aspecto, é importantíssimo lembrar que, pela primeira vez em 5 décadas, o USDA (recomendações dietéticas de 2015-2020) finalmente reconheceu que a ingestão de colesterol não tem qualquer implicação do ponto de vista da saúde cardiovascular, o que já era defendido há muito tempo por diversas autoridades no assunto ao redor do mundo. Em outras palavras, não se preocupem com o colesterol dietético, ele não vai causar nenhum problema à sua saúde. Quanto às proteínas encontradas no MGGL com potenciais efeitos benéficos à saúde, as principais são: butirofilina, mucina-1, CD36, lactaderina, adipofiina e xantina oxidase.
 
Contexto: O sr afirma: “Além disso, evidências limitadas sugerem que a MGGL pode modular a composição da microbiota intestinal, contribuindo prevenir a disbiose (desequilíbrio da microbiota), que pode levar ao desenvolvimento de processos alérgicos, doenças autoimunes ou a um quadro de inflamação de baixo grau que está associado, no longo prazo, ao desenvolvimento de diversas doenças crônicas não transmissíveis.” Em outras palavras, o sr disse que tomar leite pode diminuir alergias? Quais alergias? Quais doenças autoimunes e quanto limitado é isso? Dr. Marco Gama: Não iria tão longe a ponto de dizer que o leite reduz alergias. Nesse aspecto em particular, não podemos esquecer que alguns indivíduos, principalmente crianças, podem manifestar alergias a determinadas proteínas presentes no leite, em alguns casos com sintomas graves, como choque anafilático. Para os indivíduos não alérgicos à proteína do leite de vaca, as evidências acumuladas sugerem que o leite e os produtos lácteos possuem, de forma geral, uma resposta predominantemente anti-inflamatória, o que explicaria em parte os efeitos positivos dos lácteos sobre algumas doenças crônicas não transmissíveis, já que muitas delas são induzidas por um quadro de inflamação crônica (comumente referida como “low grade inflammation”). O que é interessante nessa história toda é que a ciência moderna tem mostrado que alguns dos efeitos deletérios ou benéficos à saúde observados em resposta ao consumo de determinados alimentos estão associados, ao menos em parte, a mudanças na composição da microbiota intestinal dos indivíduos. Esses achados, por sua vez, são consistentes com resultados de diversos estudos indicando que os produtos lácteos fermentados, como queijos e iogurtes, parecem ser particularmente benéficos.
 
Contexto: Segundo a sua pesquisa, podemos afirmar que leite integral faz mais bem do que o leite desnatado? Quais alimentos com maior concentração de MGGL? Dr. Marco Gama: Não diria que faz mais bem, mas as evidências científicas acumuladas indicam que não há motivos para se evitar a gordura do leite, que é uma fonte singular de inúmeros compostos bioativos benéficos à saúde. Como eu disse anteriormente, esses benefícios podem ser ainda potencializados se o leite consumido for proveniente de animais alimentados com determinadas dietas, e a Embrapa Gado de Leite, em parceria com outros grupos de pesquisa, tem resultados bastante promissores nesse sentido. Em última análise, a ciência nos diz que a opção pelo leite integral ou desnatado depende do gosto do consumidor. Imagino o quanto esta informação alegra os consumidores de leite desnatado. Finalmente, com exceção da manteiga, o leite e produtos lácteos são fonte significativa de MGGL na dieta humana. No entanto, como mencionado, a homogeneização do leite altera a estrutura nativa da membrana, o que parece alterar seus efeitos biológicos. A natureza tem lá seus caprichos.

Fonte: Entrevista publicada na Contexto + Informação 

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