24/01/2023 às 18h22min - Atualizada em 24/01/2023 às 18h22min

Potencial uso de sistemas alagados contruídos (Wetlands Construídos) para tratar efluentes da Agroindústria do leite

Claudety Barbosa Saraiva, Liz Marques Souza Duque e Mariana Campos Lima

 

 

AUTORES: 

Claudety Barbosa Saraiva

Liz Marques Souza Duque

Mariana Campos Lima

 

INTRODUÇÃO:

A Agroindústria do Leite e seus derivados é importante no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda para a população. O Brasil é um dos maiores produtores do Mundo e, Minas Gerais, é a maior Bacia Leiteira do país. Nesse cenário produtivo, é exigido cada vez mais um cuidado maior com o meio ambiente e a adoção de técnicas sustentáveis.

As indústrias de laticínios são grandes geradoras e lançadoras de efluentes em corpos receptores por conta do elevado consumo de água nos processos de produção e higienização (CARVALHO; PRAZERES; RIVAS, 2013). Os efluentes são gerados durante o processo de higienização de pisos, equipamentos, caminhões, processo de produção e falhas operacionais.

De acordo com Mendonça et al. (2015), um pequeno laticínio que processa em torno de 10.000 litros de leite por dia, gera um efluente com concentração de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) de aproximadamente 2.000 mg L-1, com potencial poluidor equivalente ao de uma população de 1.111 habitantes. O soro, subproduto da produção de queijo, considerado o resíduo mais poluente do setor, tem poder de poluição até 100 vezes maior que o esgoto doméstico e, a produção de 10.000 litros de soro seria equivalente à poluição do esgoto de uma população de 5.000 habitantes (LIRA et al., 2009). Na maioria das vezes, os laticínios não atendem aos padrões legais para lançamento de efluentes, mesmo com estações de tratamento instaladas, sendo, o principal motivo, o lançamento do soro junto com o efluente. A composição do soro varia conforme tipo de queijo, tratamento térmico dado ao leite e sua manipulação. O aproveitamento do soro (ex: setor tecnológico alimentício, nutrição animal etc.) evita maiores impactos no meio ambiente e colabora na eficiência dos sistemas de tratamento. 

Em laticínios, a composição dos efluentes varia de acordo com o processo e o produto fabricado, possuindo geralmente um alto teor de matéria orgânica, gorduras, sólidos suspensos e nutrientes. O tratamento destes efluentes é composto, em sua maioria, de tratamento preliminar e primário para remoção de sólidos suspensos, óleos e gorduras e, tratamento secundário, para remoção de matéria orgânica dissolvida e de nutrientes (nitrogênio e fósforo). O tratamento terciário é usado em poucos casos, como polimento do efluente tratado (ANDRADE, 2011) para fins mais nobres. 

Os tratamentos biológicos de nível secundário são tecnologias utilizadas para tratar efluentes com predominância de cargas orgânicas biodegradáveis. A degradação ocorre quando o efluente entra em contato com micro-organismos, seja em ambiente aeróbio ou anaeróbio, onde a matéria orgânica é metabolizada podendo chegar à redução de até 90% da DBO (KARAPANAGIOTI, 2016). Os lodos ativados, filtros biológicos, lagoas aeradas ou a combinação destes são algumas das tecnologias empregadas nas Indústrias de Laticínios para remoção da carga orgânica (JUSTINA et al., 2017).  Para a escolha do melhor método de tratamento de água residuária é necessário avaliar critérios técnicos e econômicos.

O lodo ativado é uma das tecnologias mais utilizadas nesse setor por possuir alta eficiência na remoção de DBO e atender às exigências impostas pela legislação ambiental. Entretanto, o sistema possui algumas desvantagens como: alto custo de operação, alto consumo de energia, complexidade operacional, além de gerar um grande volume de lodo excedente que precisa ser destinado corretamente, aumentando o custo do tratamento. 

Ainda pouco difundida no Brasil, mas, já consagrada internacionalmente como solução de saneamento sustentável, as wetlands construídos, conhecidas também como sistemas alagados construídos (SACs) ou jardins filtrantes, são tecnologias de tratamento de efluente bastante promissora para tratamento de efluentes da Indústrias de Laticínios. No trabalho realizado por Vieira et al. (2019), um protótipo de SACs foi utilizado para fins experimentais no tratamento de efluentes de laticínios e apresentou remoção de 89% de DQO (demanda química de oxigênio) e 92% de sólidos dissolvidos, no qual ambos se enquadraram nos parâmetros estabelecidos na Resolução CONAMA nº 430/2011 e puderam ser descartados sem oferecer riscos aos corpos d’água.

Os SACs são basicamente áreas alagadas construídas e planejadas através de técnicas de engenharia que imitam as áreas alagadas naturais como os pântanos, manguezais e brejos. Os elementos estruturais e atuantes no sistema alagado construído são: o material suporte, às plantas e o efluente (FIGURA 1).

Uma imagem contendo Diagrama    Descrição gerada automaticamente

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Figura 1- Esquema representativo dos sistemas alagados construídos de escoamento horizontal.

 

O reservatório, também denominado tanque ou reator, de alvenaria ou outro material, é preenchido com material porosos, de alta condutividade hidráulica (ex: brita) para dar suporte às plantas. No material poroso e nas raízes das plantas, desenvolve-se biofilme que atua na degradação da matéria orgânica presente no efluente

Segundo Brasil et al. (2005), o tratamento de águas residuárias em SACs vem se mostrando eficiente na remoção de matéria orgânica, representada pela DBO, sólidos suspensos totais (SST), fósforo e coliformes termotolerantes de efluente primário de esgoto doméstico. Neste tipo de tratamento, a zona de raiz, o meio suporte e o biofilme interagem com o efluente, removendo os contaminantes presentes, como: o nitrogênio que ocorre através da ação de microrganismos, absorção e síntese de vegetais (colheita e perdas para a atmosfera) e fósforo que ocorre por meio da deposição de sedimentos, absorção por bactérias, plantas e difusão.

Os SACs possuem grande eficiência quando se trata de remoção de poluentes nos efluentes de laticínios, principalmente em relação a DBO e DQO. Em um dos estudos de Matos et al. (2012), a remoção de DBO e DQO atingiu eficiências de até 96% e 97% respectivamente, além da remoção de sólidos suspensos totais que variou até 89% e nitrogênio que atingiu seu máximo em 70% de remoção. Alguns estudos usando o SACs no tratamento de esgoto sanitário:  Sezerino et al. (2014), Horn et al. (2014), Trein et al. (2015), Von Sperling (2015) e Santos et al. (2016).

Além de contribuir para a beleza e paisagismo dos SACs, as plantas desempenham funções importantes para a depuração do efluente, tais como: aumentam a área de filtragem e de contato para adesão de biofilme, estabilizam o meio suporte e, algumas espécies vegetais, liberam oxigênio nas raízes e elevam o potencial redox, aumentam a diversidade, densidade e atividade biológica, absorvem nutrientes e elementos-traços a certo limite, liberam exsudatos radiculares importantes para as reações, aumentam condutividade hidráulica no meio suporte, reduzem processos de colmatação e atraem biodiversidade criando um sistema ambientalmente rico. 

Diversas espécies podem ser cultivadas em SACs e é importante selecionar aquelas que toleram condições de alagamento, que tenham sistema radicular bem desenvolvido, que apresentem manejo simples e boa capacidade de extração. A escolha vai depender da disponibilidade da planta, valor econômico, tipo de sistema alagado construído, interesse comercial (retorno econômico, fins para alimentação animal, produção de biomassa, entre outros).

         

 Na literatura é possível encontrar uma grande variedade de plantas usadas em unidades experimentais com resultados satisfatórios. Em um estudo conduzido por Fia et al. (2011), foram cultivados com a taboa (Typha latifolia) e capim tifton-85 (Cynodon spp.) e apresentaram boa eficiência. Zhang et al. (2007) avaliou a eficiência de SAC’s cultivados com plantas ornamentais: Acorus calamus, Acorus gramineus, Arum orientale, Iris pseudacorus, Lythrum salicaria e Reineckia carnea. Todas apresentaram resultados promissores, com destaque para Acorus gramineus e Iris pseudacorus que, após 15 dias, conseguiram reduzir a DBO5,20 em 92,31% e 93,16%, respectivamente.

  É preciso realizar o corte da planta e a periodicidade vai depender da espécie vegetal escolhida e, caso tenha fim paisagístico, deverá ser maior. Essa manutenção é extremamente importante para a eficiência do sistema e para prevenir a propagação de vetores.

O meio suporte é, também, uma parte fundamental para o bom funcionamento dos SACs e deve ser capaz de promover adesão de biofilme, alta capacidade de troca catiônica e alta permeabilidade (LIMA, 2016). No Brasil, de acordo com levantamento realizado por Machado et al. (2017), os principais materiais utilizados são brita, areia, areia de cascalho e escória siderúrgica. A escolha dos materiais é feita de forma a associar as características desejadas com a finalidade do tratamento e o fator econômico (SEZERINO, 2018).

Os SACs apresentam custos de implantação próximos aos das técnicas de tratamento com eficiências similares como o lodo ativado, entretanto, apresentam menores custos de operação, manutenção e não consomem energia e não usam produtos químicos. 

Uma desvantagem dos sistemas é que requerem grande área superficial sendo, portanto, um fator importante para sua implantação. Assim, os SACs se mostram interessantes principalmente em localidades rurais ou afastadas dos grandes centros urbanos, onde disponibilidade por área não é uma limitação, bem como o preço médio do hectare não é elevado, a fim de evitar o aumento do custo dessa tecnologia.

 

O descarte do efluente após tratamento em SAC poderá ser destinado a águas superficiais, desde que atenda as especificações do corpo receptor e os limites estabelecidos pela legislação.  

Assim como nos demais tratamentos biológicos, é importante realizar as etapas preliminares e primárias de tratamento antes da entrada do efluente nos SACs bem como a utilização de taxas de aplicação orgânica recomendadas pela literatura. De acordo com Matos et al. (2010), o controle no fornecimento adequado de matéria orgânica e sólidos ao sistema, propicia aumento nas eficiências de remoção de poluentes e redução no risco de sua colmatação precoce, sendo a colmatação um fator redutor da vida útil dos SACs. 

Para finalizar, é importante dizer que a melhor tecnologia de tratamento é aquela que atenda sua realidade, seja eficiente e que, ao mesmo tempo, possua simplicidade na operação e manutenção. Em muitas situações não é possível aplicar os sistemas alagados construídos, principalmente onde não tem área superficial disponível e a qualidade do efluente não é compatível com a técnica. 

 

REFERÊNCIAS:

 

ANDRADE, L. H. Tratamento de efluentes de laticínios por duas configurações de biorreator com membranas e nano filtração visando o reuso. 214 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, UFU, Belo Horizonte, 2011

 

BRASIL, M. S.; MATOS, A. T.; SOARES, A. A.; FERREIRA, P. A. Qualidade do efluente de sistemas alagados construídos, utilizados no tratamento de esgoto doméstico. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.9 (Suplemento), p.133-137, 2005.

 

CONAMA. Resolução CONAMA n. 357 de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências, 2005.

 

CONAMA. Resolução CONAMA n. 430 de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, complementa e altera a Resolução no 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, 2011.

 

COPAM. Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG nº 01, de 05 de maio de 2008. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências, 2008.

CARVALHO, F.; PRAZERES, A.R.; RIVAS, J. (2013) Cheese whey wastewater: Characterization and treatment. Science of the Total Environment, v. 445-446, p. 385-396. DOI: 10.1016/j.scitotenv.2012.12.038

FIA, F.R.L.; MATOS, A.T.; FIA, R.; LAMBERT, T.F.; MATOS, M.P. Remoção de nutrientes por Typha latifolia e Cynodon spp. cultivadas em sistemas alagados construídos. Ambi-Água, v. 6, n. 1, p. 77-89, 2011.

HORN, T. B. et al. Constructed wetland and photocatalytic ozonation for university sewage treatment. Ecological Engineering, v. 63, p. 134-141, 2014.

JUSTINA, M. D.; KEMPKA, A. P.; SKORONSKI, E. Tecnologias empregadas no tratamento de efluentes de laticínios do vale do Rio Braço do Norte-SC. Revista em Agronegócio e Meio Ambiente, v. 10, p. 809-824, 2017.

 

KARAPANAGIOTI, H. K. Water Management, Treatment and Environmental Impact. Encyclopedia of Food and Health. Patras: Elsevier, 2016.

 

LIRA, H. L.; SILVA, M. C. D.; VASCONCELOS, M. R. S.; LIRA, H. L.; LOPEZ, A. M. Q. Microfiltração do soro de leite de búfala utilizando membranas cerâmicas como alternativa ao processo de pasteurização. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 29(1): 33-37, 2009.

 

LIMA, R. F. de S. Potencialidades dos Wetlands Construídos empregados no Pós-tratamento de Esgotos: Experiências brasileiras. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.

 

MACHADO, A. I.; BERETTA, M.; FRAGOSO, R.; DUARTE, E. Overview of the state of the art of constructed wetlands for decentralized wastewater management in Brazil. Journal of Environmental Management, v. 187, p. 560-570. Fev. 2017.

 

MATOS, A.T.; ABRAHÃO, S.S.; BORGES, A.C; MATOS, M.P. Influência da taxa de carga orgânica no desempenho de sistemas alagados construídos cultivados com forrageiras. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 15, n. 1, p. 83-92, 2010.

 

MATOS, A.T.; ABRAHÃO, S.S.; LO MONACO, P.A.V. Eficiência de sistemas alagados construídos na remoção de poluentes de águas residuárias de indústrias de laticínios. Eng. Agríc., Jaboticabal, v.32, n.6, p.1144-1155, nov./dez. 2012.

 

MENDONÇA, H.V.; RIBEIRO, C.B.M; BORGES, A.C. BASTOS, R.R. Sistemas alagados construídos em bateladas: remoção de demanda bioquímica de oxigênio e regulação de pH no tratamento de efluentes de laticínios. Revista Ambiente e Água, Taubaté, v. 10, n. 2, p. 442-453, 2015.

 

SANTOS, M. O. et al. Influência da saturação de fundo de maciços filtrantes componentes de wetlands construídos verticais aplicados no tratamento de esgoto sanitário. Revista AIDIS de Ingeniería y Ciencias Ambientales, v. 9, p. 303-316, 2016.

 

SEZERINO, P. H. et al. Wetlands construídos empregados no tratamento descentralizado de esgotos. In: Exposição de Experiências Municipais em Saneamento, 18., Uberlândia, 2014. Anais [...] Uberlândia: ASSEMAE, 2014.

 

SEZERINO, P. H.; ROUSSO, B.Z.; PELISSARI, P.; SANTOS, M. O. DOS; FREITAS, M. N.; FECHINE, V. Y.; LOPES, A. M. B. Cartilha Wetlands construídos aplicados no tratamento de esgoto sanitário: recomendações para implantação e

boas práticas de operação e manutenção/ Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde. – Florianópolis, 2018. 

 

TREIN, C. M. et al. Tratamento descentralizado de esgotos de empreendimento comercial e residencial empregando a ecotecnologia dos wetlands construídos. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 15, n. 4, p. 351-367, out./dez. 2015.

 

VIEIRA, S.P.; SILVA, A. B.; FREIRE, S. S.; CAVALCANTI, L. A. P. Tratamento de águas residuárias da indústria de laticínios por meio de wetland construído. Revista Brasileira de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 6, n. 13, p. 309-316, 2019.

 

VON SPERLING, M. Comparison of simple, small, full-scale sewage treatment systems in Brazil: UASBmaturation ponds-coarse filter; UASB-horizontal subsurface-flow wetland; vertical-flow wetland (first stage of French system). Water Science and Technology, v. 713, p. 329-337, 2015.

 

VON SPERLING, M.; SEZERINO, P.H. (2018). Dimensionamento de wetlands construídos no Brasil. Boletim Wetlands Brasil, Edição Especial, dezembro/2018.

 

ZHANG, X.; LIU, P.; YANG, Y.; CHEN, W. Phytoremediation of urban wastewater by model wetlands with ornamental hydrophytes. Journal of Environmental Sciences, n. 19, p. 902-909, 2007.


 

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