17/01/2023 às 13h29min - Atualizada em 17/01/2023 às 13h29min

A importância do tratamento de efluentes gerados em indústrias de laticínios

Autores: Claudety Barbosa Saraiva -Professora e Pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais- EPAMIG. email: [email protected]
Clarice Coimbra Pinto - Bolsista da EPAMIG/ILCT – FAPEMIG. email: [email protected]
Liz Marques Souza Duque - Estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista de Iniciação Científica, EPAMIG/ILCT - CNPQ. email: [email protected]
Mariana Campos Lima - Estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista de Iniciação Científica, EPAMIG/ILCT - FAPEMIG. email: [email protected]

Ao longo dos últimos anos a indústria alimentícia tem crescido notadamente em termos de produção. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), o setor apresentou crescimento de 1,3% no ano de 2021 se comparado a 2020. Parte importante desse segmento são as indústrias de laticínios e, o Brasil, sempre ocupou posições de destaque no ranking de maiores produtores lácteos do mundo. Apesar da vasta contribuição econômica e social, a atividade láctea se destaca pelo elevado consumo de água nos processos de produção e higienização, pela geração e lançamento de efluentes nas águas receptoras (CARVALHO; PRAZERES; RIVAS, 2013). Estes fatos precisam ser levados em consideração a fim de diminuir os impactos ambientais gerados por esse tipo de indústria, uma vez que, a desinformação dos produtores em relação ao consumo de água, características e composição dos efluentes, são fatores que dificultam a avaliação do potencial poluidor das indústrias lácteas (SILVA et al. 2017).

O mais preocupante em relação aos resíduos lácteos é o soro, que constitui cerca de 90% do volume do leite, quando transformado em queijo e, para cada 1 kg de queijo produzido são necessários, em média, 10 litros de leite, o que gera 9 litros de soro (LEITE; BARROZO; RIBEIRO, 2012). O soro contém, aproximadamente, metade dos sólidos do leite integral e possui concentração de DBO 5 (Demanda Bioquímica de Oxigênio) que pode variar de 25.000 a 120.000 mg. L -1 (FEAM, 2003). Conforme citado por Ganju et al. (2017) ao considerar a grande quantidade de soro gerado globalmente (cerca de 145 milhões de toneladas por ano), é necessário propor abordagens adequadas que possam ser usadas para recuperar produtos valiosos, como lactose ou proteínas, e ajudar a reduzir as preocupações ambientais.

O soro pode ser utilizado como matéria prima para a fabricação de produtos como: bebidas lácteas, queijo tipo ricota, suplementos alimentares e diversos outros usos. Entretanto, principalmente em laticínios de pequeno e médio porte, algumas alternativas para sua valorização ficam inviáveis ao comparar o volume de soro gerado com o custo de investimento necessário (MACHADO et al. 2002). Além do soro, outros aspectos ambientais importantes na geração de efluentes em laticínios: operações de limpeza na linha de produção e nas salas que abrigam os equipamentos; descarte de restos de leite ácido nas tubulações, produtos perdidos em alguma parte do processo produtivo ou que foram devolvidos à empresa e vazamento ou derramamento de leite devido ao manuseio incorreto dos equipamentos (MACHADO et al. 2002). As perdas de leite, além de resultarem em perdas de produtividade, são significativas contribuições para a carga poluidora do efluente final, visto que 1 litro de leite integral contém aproximadamente 110.000 mg de DBO e 210.000 mg de DQO (MAGANHA, 2006).

Segundo Saraiva et al. (2009), o efluente de laticínios contém nutrientes como nitrogênio (N) e fósforo (P), poluentes orgânicos resistentes - como lipídios - e agentes infectantes. De acordo com Von Sperling (2005), cerca de 50% do fósforo encontrado nos efluentes de laticínios são oriundos de detergentes utilizados no processo de higienização, uma vez que esse material é amplamente utilizado como desengordurante dos equipamentos de processamento do leite e seus derivados. Altas concentrações de nutrientes, como o fósforo e nitrogênio, causam a decomposição de corpos hídricos devido à eutrofização, impossibilitando assim, a passagem de luz para o leito, o que diminui a disponibilidade de oxigênio dissolvido e, consequentemente, leva à restrição da biodiversidade aquática (KOUKKANEN, 2015). A necessidade do tratamento de efluentes é uma problemática que vem sendo bastante estudada nos últimos anos devido ao grande potencial degenerativo que sua falta pode causar ao meio ambiente, para isso são adotadas etapas de tratamento que visam diferentes objetivos a fim de diminuir o potencial poluidor do efluente. A primeira etapa do tratamento convencional é o tratamento primário, que tem como objetivo a remoção de sólidos sedimentáveis e material flotável através de mecanismos físico-químicos utilizando técnicas de sedimentação, coagulação, flotação e precipitação química.

Na indústria de laticínios, o tratamento primário visa a remoção de sólidos, óleos e gorduras presentes no mesmo. Nos sistemas aeróbios, o alto teor de gordura afeta principalmente a eficiência de transferência de oxigênio, dificultando as trocas gasosas no tanque de aeração e ocasionando o desenvolvimento de bactérias filamentosas que dificultam a sedimentação do lodo e reduzem o desempenho do sistema em termos de redução de matéria orgânica (CAMMAROTA e FREIRE, 2006). O tratamento secundário visa a remoção da matéria orgânica biodegradável através da ação de microrganismos, podendo ser de forma aeróbia ou anaeróbia. Algumas das tecnologias mais empregadas nas Indústrias de Laticínios para remoção da carga orgânica são: Os lodos ativados, filtros biológicos, lagoas aeradas ou a combinação destes (JUSTINA et al. 2017).

Existe também o tratamento terciário que é usado em casos mais específicos, para polimento. (ANDRADE, 2011). Os sistemas de lodo ativado, tratamento secundário biológico aeróbio, têm sido amplamente aplicados no tratamento de águas residuais de laticínios e sua eficiência está diretamente relacionada ao volume de efluente e a carga orgânica recebida (VIANA et al. 2020). Em um estudo realizado por Favaretto et al. (2015) utilizando o sistema de lodo ativado para tratar o efluente de um laticínio, obteve-se redução de 95% da DBO 5 e DQO e de 90% de nitrogênio e o fósforo. Os sistemas alagados construídos são uma boa alternativa para tratar efluentes de laticínios. Estes consistem em tanques impermeabilizados, preenchidos com materiais suportes, que possuem grande condutividade hidráulica, nos quais as plantas e microrganismos irão se fixar. Estes microrganismos desenvolvem o chamado biofilme no material suporte e nas raízes das plantas, degradando a matéria orgânica (CHAGAS et al. 2012). Essa técnica apresenta boa eficiência no tratamento de efluentes de laticínios com remoção de DBO 5 (79 a 96 %), DQO (85 a 97 %), ST (31 a 37 %), SST (50 a 89 %) e nitrogênio (14 a 70 %), de acordo com experimento realizado por Matos et al. (2012).

Nos tratamentos biológicos do tipo anaeróbios, os microrganismos produzem biogás a partir da degradação da matéria orgânica na ausência de oxigênio molecular dissolvido (CHICHELLO et al. 2012). De acordo com Alves et al. (2009), até o momento, efluentes contendo altas concentrações de lipídeos não foram efetivamente tratados em reatores anaeróbios de alta taxa, fazendo, assim, com que os efluentes oriundos das indústrias de laticínios não sejam frequentemente tratados com este tipo de técnica. O efluente tratado na indústria poderá ser lançado em curso hídrico desde que atenda aos parâmetros de lançamento determinado, no caso do estado de Minas Gerais, pela Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG nº 01, de 05 de maio de 2008 que conforme Art. 1º dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento dos corpos de água superficiais, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, devendo-se observar os seguintes parâmetros: pH, temperatura, materiais sedimentáveis, regime de lançamento, óleos e graxas, ausência de materiais flutuantes, DBO, DQO, substâncias tensoativas e sólidos suspensos totais.

Além da disposição final de efluentes tratados em corpos hídricos, existem outras possibilidades de lançamento como, por exemplo, a técnica de fertirrigação. Essa técnica consiste na aplicação de efluentes tratados, por meio de sistema de irrigação, para fornecimento de nutrientes e água para a cultura, além de constituir um processo adicional de tratamento. Para a regulamentação de tal prática, foi criada recentemente, a resolução CONAMA N° 503 de 14 de dezembro de 2021, que define critérios e procedimentos para o reúso do efluente em sistemas de fertirrigação provenientes de diferentes tipos de indústrias, dentre elas as de laticínios. Essa alternativa de tratamento protege o corpo receptor pois no processo de fertirrigação ocorre a depuração do efluente, removendo assim a carga poluidora. Além do mais, torna-se uma alternativa economicamente viável por reduzir o uso de adubação química em determinadas culturas além de ser uma opção atrativa para as indústrias, tanto na percepção ambiental como econômica (FACHIM et al. 2018).

Para finalizar, cabe ao fabricante de produtos lácteos reconhecer o impacto gerado pela indústria ao meio ambiente e buscar formas de minimizá-los ao máximo durante todo o processo produtivo. Como o efluente será gerado inevitavelmente, deve-se, portanto, se atentar às legislações vigentes, adotar práticas sustentáveis no desenvolvimento dos produtos, podendo também implementar um sistema de tratamento de efluentes eficaz, que se enquadre a realidade produtiva e financeira.

REFERÊNCIAS:

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