Neste ano, um fato totalmente imprevisível e de natureza política quase quebrou a espinha dorsal da economia nacional: a greve dos caminhoneiros. O governo não previa a dimensão do movimento e a sociedade não avaliava a extensão dos estragos. O fato é que a agricultura, a indústria, o comércio e os serviços foram duramente afetados. Milhares de empresas sucumbiram e muitas atividades econômicas ainda sentem os efeitos deletérios desse movimento grevista. O mercado do leite foi duramente afetado. Milhões de litros se perderam nas zonas de produção rural ou mesmo nas indústrias de processamento.
COM MENOS MATÉRIA-PRIMA NA INDÚSTRIA E MENOS OFERTA NO VAREJO, O CUSTO DE PRODUÇÃO SUBIU E O PREÇO FINAL TAMBÉM.
Na esfera nacional, o preço do leite recebido por produtores subiu em julho pelo sexto mês consecutivo e atingiu recorde real para o mês, de acordo com pesquisas do Cepea (*).
O valor líquido recebido em julho, decorrente da captação de junho, registrou aumento de 14% em relação ao mês anterior. Esse robusto aumento foi consequência direta da paralisação dos caminhoneiros, ocorrida no final de maio. Logo após o encerramento do movimento, as indústrias de lácteos correram atrás da matéria-prima para a retomada da produção. Como havia pouca oferta e muita demanda, o preço do leite cru aumentou no mercado primário e no mercado spot. Dois fatores contribuíram com esse cenário de baixa captação em junho: a entressafra no Brasil Central e a situação das pastagens de inverno no sul.
No âmbito de Santa Catarina, essas condicionantes também estiveram presentes. Quinto produtor nacional, o Estado produz mais de 3 bilhões de litros ao ano. Atualmente, o Sul tem peso na produção de leite com volume expressivo, compensando a entressafra em Minas Gerais. O consumidor, entretanto, vergastado pelo desemprego e pela queda da renda familiar, não aderiu aos novos e elevados preços, tanto que, em julho, o movimento altista não se sustentou. Nesse momento, a queda dos preços demonstra que o mercado entra novamente em equilíbrio, com a normalização da produção à campo, a recomposição dos estoques nas unidades de processamento e as cotações em níveis adequados.
A instabilidade deve se manter em agosto porque os estoques estão repletos, a produção está subindo moderadamente e as vendas de queijo, leite em pó e leite longa vida registram leve redução. Ainda tem muito consumidor com estoque adquirido durante a greve, quando o temor do desabastecimento era forte, o que inibe agora o aumento das vendas no varejo.
Nessas condições de oferta normal e consumo contido, não há espaço para a indústria aumentar a remuneração dos produtores rurais. Na prática, Santa Catarina volta a viver o quadro reinante em 20 de maio, antes da eclosão do movimento dos transportadores. Nesse contexto, o produtor rural catarinense tem o desafio de administrar os seus custos e insumos, como energia elétrica, medicamento, instalações, rações, mão de obra, etc. ao tempo em que sofre a concorrência da importação de leite do Uruguai, um dos países mais competitivos em matéria de lácteos.
Marcos Antônio Zordan é Diretor de Agropecuária da Cooperativa Central Aurora Alimentos