4. MITOS E VERDADES SOBRE O CONSUMO DE LEITE
Mitos e crenças populares completam o afastamento dos adultos do consumo de leite. O fato dos humanos serem os únicos mamíferos que tomam leite de outra espécie e que mantêm essa ingestão após o desmame, tem levantado questionamentos a respeito de seu consumo na idade adulta, já que muitos consideram essa prática algo não “natural” (Netto, 2010). Entretanto, torna-se difícil a manutenção do aporte adequado de alguns micronutrientes essenciais com a exclusão dos alimentos lácteos da dieta, podendo resultar em uma nutrição inadequada.
Dados do estudo de Weaver e Heaney (2006) analisou a dieta de 272 mulheres no período pré-menopausa e identificou que, aquelas que apresentavam um menor consumo de leite e derivados obtiveram maiores frequências relativas nos piores escores do índice que avalia a qualidade da dieta. Atribui-se a este fato a composição nutricional do leite, fonte de proteínas de alta qualidade nutricional e de micronutrientes como cálcio, fósforo, potássio, magnésio além de vitaminas A e do complexo B.
Em casos que se façam necessárias substituições deste grupo alimentar, as mesmas devem ser realizadas de modo criterioso minimizando efeitos adversos à saúde. O NHANES 2003-2006 acompanhou por dois anos cerca 17.000 indivíduos e avaliou o impacto da adição ou remoção de uma porção de laticínios, remoção de todos os laticínios e a substituição destes por alimentos fontes de cálcio não lácteas. O estudo concluiu que, embora seja possível atingir a ingestão recomendada de cálcio sem o consumo de leite e derivados, devido ao comprometimento no perfil de macronutrientes (proteínas) e micronutrientes (vitamina A, vitaminas B2 e B12, potássio, fosforo e magnésio), os alimentos não lácteos não se revelaram substitutos nutricionalmente equivalentes ao leite e seus derivados. Além disso, devido às quantidades envolvidas, o consumo de porções similares de cálcio oriundas de algumas fontes não lácteas não se mostrou factível (Fulgoni et al., 2011). Embora o consumo de leite seja preconizado por órgãos e sociedades que versem sobre alimentação e nutrição em âmbito nacional e internacional, ainda há alguns mitos acerca de sua ingestão.
4.1. O consumo de leite pela população adulta No Brasil, dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) mostraram que o consumo de leite, a partir dos dez anos de idade, está aquém do recomendado, o que se traduz em elevadas prevalências de inadequação de ingestão de vitaminas e de cálcio (IBGE, 2010). Algumas pessoas, ainda, reduzem a ingestão de lácteos por se autoperceberem como intolerantes à lactose. Porém, muitas vezes, a percepção à intolerância ao leite de vaca é mais frequente do que aquela realmente confirmada por diagnóstico clínico. No entanto, é importante estabelecer a diferença entre alergia à proteína do leite e intolerância à lactose.
4.2. Intolerância à lactose versus alergia à proteína do leite de vaca A alergia à proteína do leite de vaca é uma reação imunológica adversa, que se manifesta após a ingestão de uma porção (ainda que mínima), de leite ou derivados, podendo provocar alergias na pele, reações respiratórias e diferentes graus de injúria no intestino (constipação crônica, dores abdominais e/ou diarreias), além de náuseas e vômitos. Neste caso, não pode haver ingestão da proteína do leite (Heyman, 2006). Já a intolerância à lactose é o nome que se dá à incapacidade parcial ou completa de digerir o açúcar existente no leite e seus derivados, a lactose. Esse problema ocorre quando o organismo não produz, ou produz em quantidade insuficiente, a enzima digestiva chamada lactase, responsável pela quebra e decomposição da lactose. Como consequência, essa substância chega ao intestino grosso inalterada, onde se acumula e é fermentada por bactérias, resultando na formação de gases que podem provocar dores abdominais. Além disso, nesse caso, também podem ser observados sintomas como diarreia, náusea, flatulência e/ou inchaço após ingestão de lactose ou substâncias alimentares contendo lactose. A quantidade de lactose que irá causar sintomas varia de indivíduo para indivíduo. Eles dependem de quanto e da forma que a lactose for ingerida e do grau de deficiência da enzima lactase, mas, normalmente, são transitórios e não causam danos ao trato gastrointestinal (Heyman, 2006).
A intolerância à lactose pode ser leve, moderada ou grave, segundo o tipo de deficiência apresentada. Na deficiência genética, a criança nasce sem condições de produzir lactase. Na deficiência adquirida, a falta da lactase resulta de doenças intestinais, como diarreias persistentes, síndrome do intestino irritável, doença de Crohn ou outras causas de lesão da mucosa do intestino delgado. Na deficiência transitória, há a perda temporária na produção de lactase, devido a algum dano à mucosa do intestino, como por exemplo, pelo uso prolongado de antibióticos ou cirurgias no trato gastro intestinal (Heyman, 2006). Para indivíduos com hipolactasia (inclusive a hipolactasia do adulto), indica-se a redução e não a exclusão de alimentos que contenham lactose (Rusynyk e Still, 2001), uma vez que grande parte desses indivíduos chega a tolerar 11 g a 12 g de lactose/dia, sem apresentar sintomas adversos (Mattar e Mazo, 2010; Shaukat et al., 2010). Os indivíduos que absorvem mal a lactose costumam apresentar exacerbação dos sintomas de intolerância quando ingerem o leite puro e em grandes quantidades, mas quando sua ingestão é feita com outros alimentos, os sintomas costumam ser amenizados.
Laticínios como queijos (com exceção dos frescos), apresentam apenas traços de lactose, podendo ser ingeridos por essas pessoas. O iogurte também costuma ser mais bem tolerado por maus absorvedores de lactose do que o leite, já que durante sua produção, parte da lactose é fermentada, produzindo ácido lático, o que resulta em uma diminuição de 25% a 50% da lactose (Borges et al., 2010). Além disso, esses indivíduos podem fazer uso da enzima lactase existente no mercado e que pode ser adicionada ao leite ou ingerida na forma de medicamento e, dessa forma, se beneficiar da qualidade nutricional do leite e dos produtos lácteos (Antunes e Olej, 2009; Heyman, 2006). Segundo parecer elaborado pelo Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-3) (Conselho Regional de Nutricionistas SP/MS, 2013), a recomendação indiscriminada para a restrição ao consumo de leite e derivados não encontra, atualmente, respaldo científico com nível de evidência convincente e está em desacordo com o Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar (2007). Ainda segundo o CRN, a restrição ao consumo de leite e derivados somente deve ser feita aos indivíduos com diagnóstico clínico confirmado de intolerância à lactose, sensibilidade à proteína do leite (alergia à proteína do leite de vaca - APLV) ou de outras condições fisiológicas e imunológicas (Conselho Regional de Nutricionistas SP/ MS, 2013). Desta forma, pessoas com intolerância à lactose devem ser avaliadas individualmente, e de acordo com a sintomatologia, o consumo de leite e derivados lácteos deve ser reduzido e não excluído, principalmente para adolescentes e adultos jovens (Antunes e Olej, 2009).
4.3. Os diferentes tipos de leite e suas utilizações A maior conscientização sobre a relação entre a dieta e a saúde tem aumentado a demanda por certos produtos diferenciados, que atendam ao desejo do consumidor por alimentos com baixo teor de gordura e calorias, além de produtos enriquecidos com vitaminas e minerais (EUFIC, 1999). Assim, nas últimas décadas, as inovações tecnológicas levaram à criação de uma ampla variedade de produtos lácteos, em especial de leites. Componentes como a gordura e a lactose foram removidos ou reduzidos em algumas variedades, outras foram enriquecidas com ferro, esteróis e vitamina D (FAO, 2013).
Além do leite integral, semidesnatado e desnatado (cujas principais diferenças estão no teor de gordura), existem as variedades com lactose reduzida, zero de lactose, os enriquecidos com cálcio, com ferro, com vitaminas, colágeno, fibras, os aromatizados e, por fim, os já conhecidos leites esterilizados e pasteurizados (ABLV, s/d a). Os principais tipos de leite presentes no mercado estão descritos abaixo, podendo ser diferenciados pelo teor de gordura presente, adição/exclusão de nutrientes específicos ou tratamento térmico empregado em sua fabricação. Deve-se ressaltar que a indicação de cada tipo de leite deve ser avaliada individualmente (ABLV, s/d a). Quanto ao teor de gordura: Leite integral: é o leite que possui teor de gordura superior ou igual a 3% de seu conteúdo. Leite semidesnatado ou parcialmente desnatado: é o leite que possui teor de gordura intermediário, ou seja, de 0,6 a 2,9% de seu conteúdo. Leite desnatado: é aquele que possui teor de gorduras lácteas totais inferior a 0,5% de seu conteúdo.
Quanto adição/exclusão de nutrientes específicos: Leite com lactose reduzida ou zero lactose: o leite com baixo teor ou isento de lactose é indicado para os indivíduos que possuem algum grau de intolerância a lactose, caracterizada pela deficiência na produção da enzima lactase. Leite enriquecido com cálcio: o leite enriquecido com cálcio é indicado para os indivíduos que necessitam de uma fonte suplementar desse mineral devido as necessidades aumentadas de ingestão deste mineral, como por exemplo adolescentes, idosos, gestantes e lactentes. Leite enriquecido com ferro: a adição de ferro no leite tem por objetivo proporcionar ao consumidor uma fonte suplementar desse nutriente, cuja deficiência no organismo, a anemia ferropriva, é a enfermidade alimentar mais observada no mundo todo. Leite enriquecido com vitaminas: elaborado para proporcionar ao consumidor uma fonte suplementar de vitaminas, evitando, assim, suas deficiências. Entre as vitaminas mais utilizadas para o enriquecimento do leite pode-se destacar a A, D, B3, B6, B12, C e E, além de ácido fólico. Leites aromatizados: seguindo uma forte tendência mundial, este produto é elaborado para atender ao desejo dos consumidores em experimentar novos produtos. A indústria tem investido neste segmento, já que o uso de aromatizantes como o cacau, sucos ou essências de frutas, pode ser uma boa estratégia para aumentar o consumo de leite e auxiliar no alcance das recomendações de cálcio sem elevar a quantidade de açúcares adicionados à dieta.
Leite adicionado de fibras alimentares: indicado aos indivíduos que necessitam aumentar a ingestão de fibras alimentares. De um modo geral, estes produtos são adicionados de fibras solúveis, que contribuem para o retardo do esvaziamento gástrico e consequentemente aumento da sensação de saciedade assim como auxiliam no manejo de dislipidemias ao serem fermentadas no cólon originando ácidos graxos de cadeia curta os quais podem inibir a síntese hepática de colesterol e incrementar a depuração de LDL-colesterol. Segundo o fabricante, seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis.
Quanto ao tipo de processamento empregado em sua produção: Leite cru: é aquele que não foi submetido a nenhum tratamento térmico como a pasteurização desde sua obtenção. Este leite cru, pode carregar bactérias perigosas como a Salmonella, E. Coli, e a Listeria, responsáveis por causar graves doenças veiculadas por alimentos. Estas bactérias podem afetar seriamente a saúde de qualquer pessoa consumidora do leite cru, ou do consumo de alimentos preparados com leite cru. Leite pausteurizado: é aquele submetido ao tratamento térmico que consiste no aquecimento do alimento a temperaturas que variam entre 72°C e 75°C, por cerca 15 a 20 segundos, e refrigeração a 2°C e 5°C, sendo envasado em seguida. O processo de pasteurização elimina os micro-organismos patogênicos do leite, porém uma grande quantidade e variedade deles se mantêm vivos, o que faz com que o produto necessite de refrigeração contínua. Assim, seu prazo de validade no ponto de venda é de apenas três dias, em média. Leite esterilizado: Trata-se de um leite integral ou desnatado, aquecido a 70°C em fluxo contínuo, embalado e em seguida esterilizado na própria embalagem à temperatura de 109°C a 120°C, de 20 a 40 minutos, sofrendo resfriamento a 20°C a 35°C. Esse tratamento (UHT-ultra high temperature) garante a eliminação de todos os microorganismos e a única substância acrescentada ao leite nesse processo é o estabilizante citrato de sódio, um composto orgânico já presente na composição do leite natural, que garante a estabilidade das proteínas durante o processo de ultrapasteurização. Deve-se ressaltar que estabilizantes não têm função de conservantes, portanto, o leite longa vida não tem conservantes.
4.4. O processamento industrial e a qualidade nutricional dos leites Em relação ao perfil nutricional dos leites industrializados, em particular os submetidos ao processo de ultrapasteurização, a literatura científica indica que qualquer alteração sobre as proteínas que possa ocorrer em função do tratamento térmico UHT ou pasteurização não tem importância nutricional. De acordo com a International Dairy Federation (IDF, 1981; 1995), muitas pesquisas indicam que o leite UHT apresenta a mesma qualidade protéica que o leite cru. O tratamento térmico pode alterar a forma espacial (conformação terciária) de algumas proteínas do leite, porém esse efeito não altera o valor nutricional das proteínas. Pelo contrário, a ultrapasteurização pode facilitar a digestão de algumas proteínas do leite (Walastra, 1999). O tratamento térmico aplicado ao leite não influencia a proporção proteína do soro e proteína total (Miralles et al., 2000). Em alguns países, os consumidores preferem ingerir leite cru e fervê-lo em vez de pagar um pouco a mais pelo leite pasteurizado. Outros, ainda, optam pelo leite cru por acreditarem ser mais puro, natural e saudável que o leite industrializado (FAO, 2013). No entanto, do ponto de vista higiênico-sanitário, esta prática pode causar doenças de origem alimentar nos indivíduos.
Assim, a FAO (2013) recomenda que o leite passe por medidas apropriadas de controle, de forma a garantir que ele não represente um risco à saúde. De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014b), os leites pasteurizado e o ultrapasteurizado, do tipo Longa Vida, assim como o leite em pó são considerados alimentos minimamente processados, uma vez que o tratamento pela indústria é utilizado com o objetivo de torná-lo estável e seguro microbiologicamente à temperatura ambiente (ABLV, s/d b). Os produtos lácteos em embalagens assépticas são seguros e higiênicos. As características do produto, nutricionais e de sabor são mantidas, assegurando a sua qualidade, visto que o material da embalagem protege o conteúdo interno contra bactérias, odores, luz e oxigênio.
Especialmente em condições de calor e umidade alta, os consumidores podem ter certeza de que o produto permanecerá higiênico, nutritivo e saboroso. A retirada do ar no momento do fechamento da embalagem garante ao leite longa vida a preservação de suas características organolépticas – cor, sabor, aroma – e nutricionais por até 180 dias após o envase, sem necessidade de refrigeração e uso de conservantes (ABLV, s/d c). As embalagens Longa Vida são produzidas a partir de recursos renováveis e exercem um pequeno impacto ambiental no que concerne ao CO2. Cerca de 75% da embalagem cartonada é feita de papel cartão, o que oferece uma característica positiva em relação ao perfil ambiental sustentável. Sem contar que, de dentro para fora, duas camadas de polietileno evitam qualquer contato do leite com as demais camadas protetoras da embalagem.
Em seguida, há um revestimento de alumínio, cuja função é evitar a passagem de oxigênio, luz e microorganismos, além de uma quarta camada de polietileno. Há ainda, uma cobertura de papel que confere resistência à sua estrutura e, por fim, uma sexta camada de polietileno, que dá o acabamento final à embalagem (ABLV, s/d c). O resultado é uma embalagem de alta qualidade que impede a entrada de luz, ar, água e microorganismos, e ao mesmo tempo, evita a perda do aroma e inibe a oxidação, que tanto prejudica a qualidade dos alimentos (ABVL, s/d c). Vale ressaltar que o acondicionamento e manuseio adequados do leite UHT são de importância vital para a manutenção da qualidade do sabor do leite com a vantagem de que este tipo de embalagem permite que o produto seja transportado para ser utilizado em diferentes locais, por exemplo, escolas e locais de trabalho (Kosaric et al., 1981).