31/05/2015 às 07h37min - Atualizada em 31/05/2015 às 07h37min

Segurança de Alimentos na Produção Orgânica

Diante da realidade atual da produção de alimentos, onde é imensa a contaminação por resíduos de antibióticos, pesticidas, metais pesados, entre outros; os alimentos orgânicos figuram como um oásis e real alternativa para uma alimentação mais saudável.







 

 

Uma equipe da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, analisou amostras de urina de crianças entre três e 11 anos alimentadas com produtos orgânicos, e concluiu que praticamente não continham metabólitos de malation e clorpirifos, dois pesticidas de uso comum. Entretanto, depois que essas crianças voltaram a ingerir alimentos convencionais, os metabólitos rapidamente aumentaram para 263 partes por bilhão.

 

www.terramerica.com.br – Edição 293 – 27 de fevereiro de 2006

 

No entanto, assim como o processo produtivo de alimentos convencionais, o processo de produção de alimentos orgânicos também está sujeito a contaminações de origem bacteriológica, física e químicas.

O objetivo da produção orgânica, fora os preceitos de sustentabilidade ambiental, social, etc, é a produção de alimentos sem resíduos químicos.

Mas neste processo, quais os cuidados que vem sendo tomados para a inocuidade do produto final e a segurança do consumidor?

Para respondermos a essa questão consideremos as últimas 3 décadas, quando a produção orgânica ganhou destaque nos mercados pela crescente demanda dos consumidores. Neste período produtores e técnicos estiveram mais voltados a sanar déficits tecnológicos e desenvolvendo alternativas de insumos e manejo para a produção orgânica em maior escala.

Hoje, embora ainda existam muitas lacunas técnicas a serem preenchidas e a metodologia e estrutura de pesquisa para agroecologia ainda esteja se organizando e seja incipiente no Brasil, os grandes entraves técnicos para a produção orgânica vegetal e animal estão sendo sanados.

A cadeia produtiva como um todo está melhor organizada e gargalos como planejamento e fluxo de produção, volume e variedade de produtos, logística para escoamento de produção e abastecimento dos diferentes mercados, acesso a certificação, educação de consumidores, vem sendo equacionados e resolvidos, viabilizando o volume crescente das exportações brasileiras de produtos orgânicos.

Feitas as considerações sobre a infra-estrutura básica da cadeia produtiva podemos nos voltar à questão proposta da qualidade e segurança dos produtos orgânicos.

Por exemplo, existe uma grande polêmica na mídia e nos meios acadêmicos sobre a eventual maior carga bacteriana dos produtos orgânicos.(Quadro 2)







 

 

Bactérias, micotoxinas e outros problemas

 

Em artigo publicado por Eurípedes Malavolta na seção Espaço Aberto do Suplemento Agrícola do Estado de São Paulo em outubro de 1999o especialista, que é professor catedrático do Centro de Energia Nuclear da Agricultura, diz que os consumidores de alimentos orgânicos têm uma probabilidade 800% maior de serem atacados por uma nova linhagem (a 0157:H7) da bactéria Escherichia coli, conhecida pela grande virulência. “Ela pode atacar os rins e o fígado, causando dano interno permanente ou morte”, escreve Malavolta. Segundo ele, o esterco animal, utilizado na agricultura orgânica, é o reservatório primário da E. coli. A temperatura atingida durante a fermentação para obter composto de esterco não é suficiente para matar a E. coli.

 

Em 1996, foram confirmados 2.471 casos de E. coli 0157:H7 e estima-se em 250 o número de mortes nos Estados Unidos. Embora os alimentos orgânicos representem apenas 1% do total comercializado naquele país, estiveram implicados em 8% dos casos confirmados dessa bactéria.

 

É natural que possa existir uma maior carga bacteriana nos produtos orgânicos primários, uma vez que estes em seu processo produtivo estão mais expostos às intempéries e desafios do meio ambiente.

Cabe à pesquisa definir, de maneira isenta, a real amplitude desta contaminação. Mas cabe aos produtores e beneficiadores deste alimento trabalhar para impedir que esta carga bacteriana, maior ou menor que nos produtos convencionais, não esteja presente no produto final, na mesa do consumidor.

Outra situação: em visita a um produtor de soja orgânica, no norte do Estado do Paraná, este relatou que estava abandonando uma área de plantio, uma vez que a área ficou infestada por guanxuma (Sida rhombifolia), após a aplicação de um insumo orgânico (certificado) que veio contaminado com essas sementes e, diante da necessidade de capinas freqüentes o plantio de soja naquela área tornara-se economicamente inviável.

Saliento que o insumo era certificado para demonstrar que também os protocolos de certificação, em sua maioria, ainda não contemplam itens que garantam a qualidade do produto além da contaminação por químicos. (Este no caso apresentava a contaminação física por sementes de guanxuma)

O que deve ser feito para evitar esses tipos de contaminações (microbiológicas e físicas) ou minimizar a vulnerabilidade dos produtos orgânicos frente a esse tipo de situação?

Existe uma metodologia de análise dos perigos e pontos do processo produtivo passíveis de contaminação, quer seja ela química, física ou microbiológica.

A implementação deste sistema, denominado APPCC – Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – ou do inglês HACCP – Hazard Analisis of Control Critical Points; já é exigida nas empresas de produção e distribuíção de alimentos, segundo a Portaria 1428/1993, do Ministério da Saúde, a Portaria 46/1998 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e sugerida ou recomendada em algumas diretrizes e normas como o Codex Alimentarius, IFOAM e mesmo na Legislação Brasileira para produção orgânica a ser promulgada (após atual revisão e consulta pública).

O APPCC deve abranger todas as etapas da produção de um alimento, desde a produção vegetal ou animal no campo, a industrialização, a manipulação, os  sistemas de distribuição  até o alimento a ser consumido.

A premissa básica deste sistema é a prevenção da contaminação durante cada etapa do processo produtivo e não somente a inspeção do produto final.

Este sistema foi desenvolvido em 1959 para atender às necessidades da NASA visando à inocuidade dos alimentos a serem consumidos pelos astronautas em missões espaciais.

Atualmente, a partir de recomendações do Codex Alimentarius o sistema APPCC é regido pelos seguintes princípios:

1. Identificar qualquer risco de contaminação do produto por perigo biológico, químico ou físico que necessite ser prevenido, eliminado ou reduzido;

2. Identificar os pontos críticos de controle (PCC)  no processo e fluxograma da produção;

3. Estabelecer os limites críticos nos pontos críticos de controle (PCC) (índices que devem ser monitorados em pontos estratégicos do processo e que não podem ser ultrapassados sob risco de comprometimento do produto);

4. Estabelecer procedimentos de monitoramento dos PCC’s;

5. Estabelecer ações corretivas a serem realizadas se um PCC não estiver sob controle;

6. Estabelecer procedimentos para verificação da eficiência das ações corretivas;

7. Estabelecer documentos e registros que demonstram a aplicação efetiva das medidas do plano APPCC.

Como pré-requisito à implantação do sistema APPCC é recomendável que a empresa/propriedade implemente as boas práticas agropecuárias (GAP -good agriculture Practices) ou as boas práticas de fabricação (GMP – Good Manufacturing Practices).

Muitos dos conceitos e requisitos das Boas Práticas Agropecuárias já estão contemplados nas Normas para certificação de produtos orgânicos (Quadro 3), portanto os produtores e empresários do setor orgânico já exercitam muitos dos procedimentos necessários à implementação do APPCC.

O que se faz necessário então é a sua efetiva implementação nesta cadeia produtiva, regida pela conscientização de que os princípios da precaução (precautionary principles) e rastreabilidade devem sempre nortear qualquer esfera da produção de alimentos.
































 

 

Boas Práticas Agropecuárias/FAO-EMBRAPA

 

Requisito Normas Orgânicos /IFOAM-2000

 

 

 

* Disponibilizar a todos os animais, tanto no período das águas como na seca, pastagem e suplementos que atendam as suas necessidades de mantença e produção;

 

* Disponibilizar a todos os animais, durante o ano todo, água limpa e à vontade

 

 

 

* Os animais devem ter amplo acesso a água fresca e alimento, segundo suas necessidades fisiológicas;

 

* A dieta deve ser balanceada de acordo com as necessidades nutricionais dos animais

 

 

 

 

 

* Manter árvores ou pequenos bosques para produzir sombra para os animais e assegurar a biodiversidade

 

* O manejo do ambiente e dos animais deve propiciar ar fresco, luz natural, proteção contra chuva, radiação solar temperatura e ventos excessivos;

 

* Deve incluir medidas que visem a manutenção e promovam a biodiversidade

 

* Garantir a proteção de nascentes;

 

* Proteger mananciais, rios, lençol freático e aguadas naturais;

 

* É proibido a roçada de bosques primários;

 

* Não é permitida a exploração excessiva e o esgotamento dos recursos hídricos locais.

 

* Respeitar a legislação trabalhista

 

* Deve- se assegurar que os trabalhadores sejam contemplados com políticas de justiça social.

 

* Utilizar práticas adequadas de conservação do solo

 

* Deve-se tomar as medidas técnicas necessárias para evitar a erosão dos solos;

 

*Deve-se tomar as medidas necessárias para prevenir a salinização do solo e da água

 

* Mantenha registro de todos os tratamentos realizados, incluindo, data, número de animais tratados/gleba, droga utilizada, período de carência.

 

*Todos os produtos orgânicos devem ser adequadamente identificados durante todo o processo produtivo

 

O quadro 4 ilustra um exemplo dos Pontos de Controle da Cadeia produtiva de Leite Orgânico. Considerando o seguinte fluxograma de produção:

 

setas

setas





























 

 

Critério de Controle

 

Ponto da Cadeia Produtiva

 

Ponto de Controle

 

Contaminação microbiológica:

Presença de agentes causadores de mastites (Staphilococcus sp.)

 

Produtor de leite

 

Manejo de ordenha

 

Contaminação química:

Resíduos de agrotóxicos ou dioxinas na dieta animal ou água;

Medicamentos alopáticos sem período de carência; produtos oriundos da limpeza do equipamento de ordenha

 

Produtor de leite

 

Alimentos fornecidos aos animais/

Tratamentos de doenças dos animais

Desinfeccção de instalações

 

Contaminação Microbiológica:

Sobrevivência de microorganismos patogênicos (pasteurização incorreta)

 

Processamento no Laticínio

 

Pasteurização

 

Contaminação Microbiológica:

Proliferação bacteriana, por manutenção de temperaturas de resfriamento insatisfatórios

 

Armazenagem no ponto de venda

 

Infra estrutura, manipulação das embalagens e condições de frio de armazenagem

 

Como já foi dito, a produção orgânica pressupõe um adicional de qualidade aos alimentos pela isenção de resíduos químicos (além de contemplar conceitos de responsabilidade social e ambiental), mas isto só não basta e não a exime do cumprimento da legislação vigente para a produção de alimentos e de assegurar ao consumidor a qualidade e inocuidade do alimento adquirido.




Autor: Fabiola Fernandes Schwartz

Referências bibliográficas: 

Fabiola Fernandes Schwartz
Médica Veterinária -Diretora Técnica

sfs SFS- Consultoria em Boas Práticas Agropecuárias
Tel.: 41-3633-4237 [email protected]


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