23/02/2015 às 18h24min - Atualizada em 23/02/2015 às 18h24min

Brasil é o quarto maior mercado para produtos saudáveis

O cenário bucólico da foto acima combinava pouco com o estilo de vida do empresário Pedro Paulo Diniz até pouco tempo atrás. Um dos seis filhos de Abilio Diniz — ex-dono da rede varejista Pão de Açúcar e atual acionista da operação brasileira do supermercadista Carrefour —, Pedro Paulo já foi piloto de Fórmula 1 e morou em Mônaco por oito anos, até 2000.

Nesse período, circulava numa Ferrari, frequentava festas no palácio do príncipe e era constantemente fotografado ao lado de beldades. Mas tudo isso ficou no passado. Hoje, de maneira discreta, ele se dedica a fazer prosperar um negócio que não tem nenhum vínculo com a badalação que viveu um dia.

Trata-se da Fazenda da Toca, propriedade de 2 300 hectares em Itirapina, no interior de São Paulo, onde mora desde 2010 com a mulher e dois filhos pequenos, e de onde saem ovos, laticínios e sucos orgânicos. Aos 44 anos, Pedro Paulo fala com desenvoltura sobre técnicas de plantio de manga e tangerina sem o uso de agrotóxicos, a importância da biodiversidade e os problemas relacionados aos transgênicos.

O interesse pelo assunto surgiu há menos de uma década. “Vi em 2006 o filme do (ex-vice-presidente americano) Al Gore, sobre o aquecimento global, e aquilo me chacoalhou”, diz. Passou então a estudar o tema da sustentabilidade e a pensar o que poderia fazer a respeito.

“Cheguei à conclusão de que a agricultura tradicional degrada o meio ambiente e que valia a pena investir tempo e dinheiro para testar um modelo diferente.” A empresa hoje exporta polpa de fruta para Alemanha, França e Itália. No Brasil, os produtos estão em 1 700 pontos de venda no estado de São Paulo com a marca Fazenda da Toca.

Na propriedade, também são produzidos iogurtes e sucos orgânicos da Taeq, marca própria do Pão de Açúcar. Em 2015, a Fazenda da Toca deverá faturar 26 milhões de reais e, se tudo der certo, registrar o primeiro lucro. “A demanda só cresce”, afirma Pedro Paulo. “Vendo tudo o que consigo produzir.” 

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a agriculturabrasileira é, há sete anos, a maior consumidora de agrotóxicos do mundo. Por outro lado — e há aqui uma grande ironia —, o mercado brasileiro de produtos industrializados orgânicos, fabricados com ingredientes que não tiveram contato com agrotóxicos sintéticos e adubos químicos, além de outras características, como o uso de sementes que não são geneticamente modificadas, cresce 25% ao ano desde 2009.

A média mundial é de apenas 6%, segundo a consultoria Euromonitor. Se levarmos em conta outros produtos considerados “saudáveis” — ou seja, com menos ou nada de açúcar, sal e gordura, e mais fibras, vitaminas e nutrientes —, a expansão também é impressionante.

Enquanto as vendas de alimentos e bebidas tradicionais cresceram 67% nos últimos cinco anos no país, as de saudáveis aumentaram 98% no mesmo perío­do. É um mercado que movimenta 35 bilhões de dóla­res ao ano no Brasil. Em 2014, a cifra al­çou o país de sexto a quarto maior do mundo, superando Reino Unido e Alemanha.

Alguns fatores ajudam a entender o que está por trás dessa tendência. “Os brasileiros se mostram bem mais preo­cu­­pados com a saúde que a média global”, diz Adriano Araújo, diretor-ge­ral da operação brasileira da Dunnhumby, empresa de pesquisa do grupo varejista britânico Tesco.

Num levantamento recente com 18 000 pessoas de 18 países, 79% dos brasileiros disseram que saúde e nutrição são prioridade em sua vida. Esse patamar não passa de 55% no Reino Unido e de 66% nos Estados Unidos. Há que interpretar esses números, porém, com certo ceticismo. Pode existir nas pesquisas uma dissonância entre o que as pessoas­ declaram e o que, de fato, praticam.

A despeito de tanta disposição em cuidar da saúde, os brasileiros, assim como o resto do mundo, estão ficando obesos. O Ministério da Saúde revelou, em 2013, que 51% da população do país está acima do peso — em 2006, a taxa era de 43%.

Feita essa ressalva, é inegável que haja um prato cheio de oportunidades no mercado de produtos saudáveis a ser explorado por empresas, supermercadistas e investidores — e eles não têm perdido tempo.

Trata-se ainda de um setor fragmentado, formado por empresas de médio e pequeno porte que crescem rapidamente. Muitas delas nasceram movidas por certa dose de idealismo. É o caso da Jasmine, fabricante de uma gama de produtos orgânicos, que vão de grãos a papinhas de bebê e leite de aveia.

Uma das pioneiras do setor no país, a empresa foi fundada em 1990 pelo casal Christophe e Rosa Allain, em Curitiba, no Pa­raná. Adeptos da alimentação macrobiótica, que preconiza o consumo de cereais integrais, vegetais e legumes, os dois deram início à Jasmine na garagem de casa, ensacando arroz integral para vendê-lo em pequenas lojas de alimentação natural.

Coisa de hippie? No início, pode ter sido. Mas, desde 2011, a empresa cresceu, em média, 23% ao ano. Em 2014, faturou 150 milhões de reais. Impulsionada pela necessidade de expandir as operações, está de mudança para uma área maior, em Campina Grande do Sul, na região metropolitana da capital paranaense. “Pretendemos triplicar a produção de biscoitos”, diz Damian Allain, diretor de mercado da empresa e filho do casal de fundadores.

A expansão tornou-se possível com a entrada de capital de gente grande. Em agosto, a Jasmine foi comprada, por um valor não revelado, pela Nutrition et Santé, subsidiária francesa do laboratório farmacêutico japonês Otsuka, que fatura mais de 14 bilhões de dólares por ano. A família Allain foi mantida na operação, mas a área financeira passou a ser gerenciada por uma executiva francesa.

O intercâmbio com a nova sede não parou por aí. No segundo semestre, a Jasmine começará a produzir localmente um biscoito da Nutrition et Santé, criado para suprir um nicho em alta, ainda que ninguém saiba por quanto tempo: o de alimentos sem glúten.

Nos Estados Unidos e na Europa, onde esse mercado está bem mais consolidado, as investidas da indústria e de fundos em negócios promissores de alimentos e bebidas saudáveis começaram há pelo menos duas décadas.

A americana General Mills, um colosso do mercado de alimentos que fatura 18 bilhões de dólares por ano, vem adquirindo marcas de produtos orgânicos para incrementar seu portfólio desde o fim dos anos 90. Em setembro, pagou 820 milhões de dólares para se tornar dona da Annie’s Homegrown, badalada empresa de alimentos orgânicos da Califórnia.

No mesmo caminho, a fabricante americana de sopas Campbell ingressou nesse mercado em 2012, ao comprar uma empresa de sucos naturais. No ano seguinte, arrematou a Plum Organics, produtora de comida orgânica para bebês e crianças. Lá fora já é comum que, antes de parar nas mãos das grandes, essas empresas recebam capital de investidores. Foi o caso da americana Food Should Taste Good, fabricante de salgadinhos sem glúten, colesterol ou gordura trans, que recebeu investimento do fundo Sherbrooke Capital em 2007 e foi vendida à General Mills em 2012.

Para a indústria, esse é um atalho valioso. “Além de levar tempo, criar do zero versões saudáveis de produtos tradicionais pode gerar um ruído na comunicação com os consumidores”, afirma o holandês Diederik Vismans, diretor da consultoria Boston Consulting Group.

Segundo ele, a medida pode despertar a atenção dos consumidores para as características não saudáveis do produto original. E também pode ser difícil convencer o cliente de que não se trata apenas de uma maquiagem.

No Brasil, já é possível ver os efeitos do impulso de investidores financeiros nessa área. A trajetória da Mãe Terra, com sede em Osasco, na Grande São Paulo, demonstra exatamente isso. Em 2013, a empresa vendeu 30% de seu capital ao fundo BR Opportunities, que tem o publicitário Nizan Guanaes em seu conselho consultivo.

Quando o empresário Alexandre Borges comprou a Mãe Terra, em 2008, ela tinha apenas um logotipo acanhado que estampava a embalagem de cereais integrais, como soja e trigo. De lá para cá, a marca passou a abrigar um portfólio três vezes maior.

Atualmente, dois terços do faturamento da Mãe Terra, estimado pelo mercado em cerca de 90 milhões de reais, vêm de itens mais rentáveis, como pacote de castanhas, salgadinhos e macarrão instantâneo orgânicos. Boa parte da ampliação ocorreu após a chegada do fundo. “Crescemos uma média anual de 46% nos últimos dois anos”, diz Borges, presidente da Mãe Terra.

O varejo vem abrindo espaço — e muito — para a expansão de marcas com apelo de saúde. Nas lojas do Walmart, terceiro maior supermercadista do Brasil, esses produtos crescem a uma taxa três vezes maior que a dos demais itens desde 2013. Por isso, a rede ampliou 10% o sortimento dessa categoria de lá para cá.

No maior supermercadista do país, o Pão de Açúcar, o espaço destinado a acomodar orgânicos quadruplicou nos últimos três anos. Tudo isso para atender à crescente parcela de clientes dispostos a gastar mais por eles. A diferença de preço chega a variar de 20% a 80% entre uma opção e outra.

Mas, segundo fabricantes e varejistas, essa distância já foi maior. Nos últimos anos, os valores caíram até 40%. “Manter preços competitivos é sempre uma equação difícil. O aroma natural de frutas vermelhas, por exemplo, custa 250 reais o quilo, quase dez vezes mais que o artificial usado pelas gigantes”, diz Borges, presidente da Mãe Terra, que decidiu abandonar projetos de produtos com preço final maior do que 30% dos tradicionais.

Essa é apenas uma das muitas complexidades inerentes ao mundo dos orgânicos. Para obter a certificação de um produto como o iogurte, o fabricante deve eliminar da fórmula o sorbato de potássio, um conservante. Ao fazer isso, a validade do iogurte cai de 40 para 28 dias — o que aumenta o risco de o produto estragar antes de ir para as gôndolas. “Isso exige uma distribuição sem falhas”, afirma Pedro Paulo Diniz, da Fazenda da Toca.

Na agricultura, as dificuldades são de outra natureza. Ao converter a lavoura do sistema tradicional para o orgânico, é comum o produtor sofrer com uma queda brutal de produtividade. Isso porque ele deixa de contar com as vantagens do arsenal quí­mico e precisa esperar para ver os benefícios da biodiversidade — plantas, fungos, insetos, aves e mamíferos, que, segundo os adeptos da produção orgânica, ajudam a fertilizar a terra e a controlar as pragas.

Poder de barganha

A paulista Native, maior produtora mundial de açúcar orgânico, com sede em Sertãozinho, São Paulo, começou a converter seus canaviais para o sistema sem químicos em meados da década de 90.

Oito anos depois, colheu os frutos da mudança. Como resultado do esforço iniciado 20 anos atrás, a Native começa a ganhar o status normalmente dedicado às grandes indústrias — como o espaço cobiçado das pontas de gôndola de supermercados. “Tenho hoje poder de barganha com as grandes redes, algo que não acontecia há três anos”, diz Leontino Balbo, presidente da empresa.

Em 2014, faturou 198 milhões de reais com a venda de açúcar e outros produtos orgânicos, como chocolates, cafés e cereais. Nas lojas em bairros endinheirados das maiores capitais do país, outra marca que começou a se tornar onipresente é o frango da Korin, granja com sede em Ipeú­na, no interior de São Paulo.

Fundada nos anos 70 por representantes da igreja mes­siânica japonesa, a Korin obteve receita de 94 milhões de reais em 2014 com a venda, sobretudo, da carne de animais criados sem confinamento e livres de antibióticos. “Nossa granja opera no limite”, diz Reginaldo Morikawa, diretor-superintendente da Korin.

É bem provável que ninguém retrate melhor o otimismo do mercado brasileiro de produtos saudáveis do que a Mundo Verde, maior rede de franquias especializada nesse segmento no país, com 330 unidades em 25 estados e no Distrito Federal. Em 2014, foram abertas 57 lojas.

Para 2015, a meta é ainda mais ambiciosa. “Queremos abrir duas lojas por semana e fechar o ano com 430 unidades”, diz Charles Martins, presidente e sócio da Mundo Verde. Há exagero em tanto otimismo? Talvez. Todos os setores estão cautelosos em relação ao estrago que o ano de 2015 fará a seus negócios e, dizem os especialistas, é quase impossível que as fabricantes de produtos saudáveis saiam incólumes.

Mas a maioria concorda que esses produtos tendem a sofrer menos. “Os clientes fiéis dessa linha têm maior poder aquisitivo e não estão dispostos a abdicar dos hábitos saudáveis que adquiriram”, diz Araújo, da consultoria Dunnhumby. Além disso, parte do consumo desses produtos é direcionada a crianças, outra seara um tanto quanto blindada.

Não se trata, segundo especialistas, de um modismo — e sim de uma mudança nos hábitos de consumo, mesmo que permea­da por uma série de premissas que não se provaram conclusivas. Vale lembrar o caso dos transgênicos, que sofrem forte oposição de parte dos consumidores da onda saudável.

Hoje, muitos cientistas chegam a defendê-los: pesquisadores italianos da Faculdade de Agricultura da Universidade de Perúgia, na Itália, analisaram recentemente 1 783 estudos sobre a segurança alimentar dos transgênicos e não encontraram evidências de que causem danos às pessoas. Quanto aos agrotóxicos, sabe-se que eles podem ser nocivos para aqueles que os manipulam de maneira indevida.

Mas, diferentemente do cigarro, não há, por parte dos governos, um posicionamento oficial sobre seus malefícios. Na dúvida, uma legião cada vez maior de consumidores fiéis — bem diferentes do estereótipo do bicho-grilo — opta por excluí-los de sua dieta.
 




Autor: Germano Lüders

Referências bibliográficas: 

Revista Exame - 12/02/2015
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