24/08/2014 às 14h00min - Atualizada em 24/08/2014 às 14h00min

Alimentação, nutrição, desenvolvimento, economia e qualidade de vida - Parte II

Nutrição como fator de crescimento econômico 

Dados recentes indicam que o estado nutricional das crianças influencia a produtividade econômica do adulto. Adultos que foram desnutridos na infância têm pequeno tamanho corporal e menor capacidade de trabalho que aqueles que foram crianças bem nutridas.

Mulheres pequenas constituem risco obstétrico e são fatores agravantes de mortalidade infantil. Há considerável evidência de que a desnutrição protéico-energética, bem como certas deficiências de micronutrientes, reduzem a capacidade de trabalho. Dados da literatura mostram as conseqüências, a longo prazo, da deficiência de ferro em crianças. Elas têm o desenvolvimento mental prejudicado quando comparado com crianças sem anemia na infância.

Nossos estudos no Brasil mostraram que a suplementação alimentar para trabalhadores rurais aumentou sua capacidade de trabalho, medida através da cicloergometria.

O Banco Mundial tem dados de um estudo em Sierra Leoni que mostram que uma maior ingestão energética de trabalhadores rurais resultou em um aumento na sua capacidade de trabalho.

Análise de custo-benefício de programas para diminuir a anemia em trabalhadores rurais indicou também que os efeitos da intervenção no aumento de produtividade são muito maiores do que o seu custo.

Um dos principais argumentos para se fazer investimentos em nutrição é que ela aumenta a produtividade e, portanto, a renda nacional. A nutrição não pode ser considerada somente um “gasto necessário”. Não devemos, porém, esquecer que a razão principal desses investimentos é o homem e a dignidade humana.

A análise de diferentes dados e estudos mostra que o investimento em nutrição é correto em seus princípios e é possível também justificar as suas conseqüências econômicas.

O ministro do Planejamento Econômico da Coréia, falando em 1989, na abertura do Congresso Internacional de Nutrição, sobre o papel da nutrição no desenvolvimento nacional, disse que no passado acreditava-se que os problemas nutricionais podiam ser resolvidos através do crescimento econômico. E concluiu: “Eu acredito agora que o investimento em nutrição deve começar no início do desenvolvimento econômico ... porque, depois que a economia atinge um certo nível, a ausência de uma política adequada de nutrição torna-se um obstáculo ao desenvolvimento nacional”.

Segurança alimentar e nutricional

Aceita a idéia de que o desenvolvimento nacional é possível e mais rápido com uma população bem nutrida, torna-se evidente para qualquer país a necessidade de ter um programa de segurança alimentar e nutricional. Este é um novo conceito para ser usado tanto em nível de macro como de microplanejamento e ação. Ele visa à garantia de uma alimentação e nutrição adequada e suficiente para toda a população. Com base nesse conceito, procura-se controlar e integrar toda a cadeia alimentar, da produção ao consumo, levando sempre em consideração os aspectos nutricionais.

Assim, por exemplo, na agricultura, os produtores rurais devem ter a garantia de que ao produzirem alimentos para o consumo interno serão tão recompensados pelo seu trabalho como se tivessem produzindo para a agricultura de exportação. E o fato é que isso não vem acontecendo em muitos países pobres. É preciso, além disso, se preocupar com o valor nutritivo e o aspecto sanitário dos alimentos produzidos. O controle de qualidade de alimentos, a quantidade de agrotóxicos e dos contaminantes, o uso correto dos aditivos, a orientação alimentar à população e o preço dos alimentos básicos exigem atenção especial nos programas de segurança alimentar e nutricional.

A segurança alimentar é para ser entendida como a coordenação e a integração de mecanismos governamentais e particulares que garantam o consumo diário de diferentes alimentos, em quantidade e qualidade, a fim de suprir as necessidades nutricionais de cada indivíduo de uma região ou de um país.

Infelizmente essa idéia ainda não está recebendo a devida atenção dos especialistas da área de alimentos, alimentação e nutrição e muito menos dos políticos e governantes. Devemos, pois liderar uma campanha e especialização nesse sentido.

Conhecendo-se a população de um país, a sua pirâmide etária, a quantidade de alimentos e nutrientes necessários para alimentar diariamente a população, é possível exigir e se faz urgente que exista um órgão governamental responsável para garantir a disponibilidade nacional e o consumo populacional dos alimentos necessários. Sabemos bem que dificilmente se encontrará em nosso país a pessoa ou pessoas diretamente responsáveis e treinadas na ampla área de alimentação populacional. Em geral, há diversos órgãos isolados, não coordenados e não integrados, programas muitas vezes sem continuidade e muitos com mais objetivos político-eleitorais do que nutricionais. Por outro lado existem, em todos os nossos governos, órgãos especiais para planejar e cuidar do abastecimento do petróleo necessário às máquinas e especialmente automóveis.

É preciso, pois, conhecer melhor, planejar e administrar a alimentação e a nutrição. É preciso fazer valer o direito de cada pessoa se alimentar bem, de acordo com suas necessidades, é preciso mostrar a cada um que é seu dever procurar alimentar-se bem e que deve lutar por isso. A segurança alimentar é um dever do Estado e uma garantia para a alimentação, a nutrição e o crescimento econômico do país.

Recursos humanos

Por último, como temos tido a oportunidade de falar em diversas ocasiões, a formação especializada e a atualização constante dos profissionais que trabalham na área de nutrição é uma necessidade inadiável. É preciso que a universidade, por meio de seus professores e infra-estrutura, assuma a grande responsabilidade de forma profissionais conscientes e capacitados para resolver, da melhor maneira possível, os problemas nutricionais da população.

Não podemos ser espectadores passivos da fome e da desnutrição que ainda continuam prevalentes em nosso país.

Precisamos estudar, conhecer e resolver os problemas nutricionais das nossas comunidades e das nossas famílias.

A nutrição não pode estar confinada a uma subárea da saúde ou da economia. Ela perderia assim a sua identidade. Ela precisa ter uma atuação independente, uma visão macro e micro dos problemas nacionais, colaborando com soluções práticas e objetivas para o crescimento econômico-social e para uma melhor qualidade de vida.

Aspectos científicos e éticos, pesquisas básicas e aplicadas são fundamentais para as ciências nutricionais, mas é preciso sempre não esquecer de passar da teoria para a prática, para a solução de problemas. Garantir a nutrição, prevenir a desnutrição devem ser a nossa meta principal, pois uma vez estabelecida a desnutrição, as suas conseqüências são muitas vezes irrecuperáveis.

Por último, um alerta: cada país precisa resolver os seus problemas de nutrição com o auxílio de seus próprios profissionais, respeitando os hábitos da população e com a participação dela. Os profissionais precisam estar devidamente treinados e especializados, precisam ser apoiados por instituições locais, podendo aproveitar experiências de países com problemas semelhantes, e não simplesmente transferir soluções de outros lugares com condições sociais ou políticas diferentes.

É preciso também que os países ricos e os organismos internacionais colaborem com regularidade e continuidade na solução dos problemas nutricionais dos países menos desenvolvidos, é preciso que esses organismos não levem para seus quadros os poucos especialistas locais, é preciso que os apóiem e os prestigiem para que possam continuar trabalhando nos seus próprios países.

Conclusão

Não há dúvida de que a nutrição pode exercer um papel importante no crescimento e desenvolvimento de diferentes países e do mundo em geral.

O crescimento e o desenvolvimento socioeconômico estão estreitamente ligados ao homem. O homem que nasce, cresce, aprende a trabalhar, recebe em toda sua vida a influência da alimentação e da nutrição;

 

Infelizmente, os graves problemas nutricionais de nossos países ainda são tratados de maneira secundária, com mais enfoque político do que nutricional. Apesar de ser vergonhosa a situação da nutrição em nosso país, ela não tem sempre sido tratada com seriedade pelo nosso governante. Parte dessa responsabilidade precisa  ser assumida pelos próprios especialistas da área, pelas nossas escolas e pelas nossas universidades. 

Nutrição é para ser entendida como uma área multissetorial e interdisciplinar, mas tendo um objetivo definido e personalidade própria, colaborando para o bem-estar individual e coletivo. Não há dúvida de que protegendo e valorizando o homem, ao lhe garantir uma boa alimentação e uma nutrição, estaremos colaborando para o crescimento econômico, maior desenvolvimento nacional e melhor qualidade de vida.




Autor: J. E. Dutra de Oliveira

Referências bibliográficas: 

Alimentos e Nutrição V.5 - Ano 1993/94


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