09/07/2014 às 13h24min - Atualizada em 09/07/2014 às 13h24min

Leite Fermentado: Potencial Alimento Funcional - Parte I

RESUMO

 

O leite fermentado apresenta um elevado potencial no desenvolvimento de novos produtos, principalmente por estar relacionado com a saúde e com a praticidade no

 

consumo. Recentemente, as indústrias de alimentos têm explorado essa matriz devido a suas características, que permite a viabilidade funcional dos ingredientes adicionados, a aceitabilidade dos produtos lácteos, e a relação que os consumidores fazem com o aspecto de saudabilidade. Os alimentos funcionais são todos os alimentos ou bebidas que, consumidos na alimentação diária, podem conferir benefícios fisiológicos específicos, devido à presença de compostos biologicamente ativos. Estes alimentos podem ser classificados de acordo com o alimento em si, ou conforme os componentes bioativos nele presentes como, por exemplo, os probióticos, os prebióticos e os compostos funcionais. 

Os probióticos são microorganismos vivos, que quando ingeridos em quantidades adequadas conferem benefícios à saúde do hospedeiro. Enquanto os prebióticos são carboidratos seletivamente fermentáveis que permitem modificações específicas na diversidade e/ou na atividade da microbiota gastrointestinal, resultando em benefícios ao bem estar e à saúde do hospedeiro. 

Neste mesmo contexto de aporte de componentes salutares através da ingestão de alimentos estão inseridos os compostos funcionais, como o ácido linoleico conjugado, o folato, a colina e as poliaminas. Contudo, deve-se salientar que para a obtenção destes benefícios, o consumidor deve ingerir uma dose mínima de consumo diário destes produtos funcionais, associado a um hábito de vida saudável, que inclui a prática de exercícios regulares e uma alimentação balanceada.

 

PALAVRAS- CHAVE: Probióticos, prebióticos, compostos funcionais.

 

FERMENTED MILK: POTENTIAL FUNCTIONAL FOOD

 

ABSTRACT

 

The fermented milk has a high potential in the development of new products, particularly related to health and the convenience of use. Recently, the food industry has exploited this matrix due to its characteristics, which allows the functional viability of the added ingredients, the acceptability of dairy products, and the relationship that consumers do with the aspect of healthiness. Functional foods are every foods or beverages consumed in the daily diet, which provide specific physiological benefits due to the presence of biologically active compounds.

 

These foods can be classified according to the food itself or as bioactive components present in it such as, for example, probiotics, prebiotics and functional compounds. Probiotics are live microorganisms, when ingested in adequate amounts confer a health benefit of the host. Whilst prebiotics are fermentable carbohydrates, which allow selectively and specific changes in diversity and/or activity of the gastrointestinal microbiota, resulting in benefits to the wellbeing and health of the host. In this same context, the functional compounds are inserted, such as conjugated linoleic acid, folate, choline and polyamines. However, it should be noted that to obtain these benefits, consumers should intake a minimum dose of daily consumption of these functional products, associated with a habit of healthy lifestyle which includes regular exercise and a balanced diet.

 

KEYWORDS: Probiotics, prebiotic, functional compounds.

 

INTRODUÇÃO

 

O leite fermentado foi produzido pela primeira vez acidentalmente por nômades que estocavam o leite proveniente da ordenha em recipientes ou sacolas feitas de estômago de bode. Esta estocagem era favorecida pelo clima árido e seco da região da Eurásia, o que proporcionou a proliferação de bactérias, as quais modificaram a estrutura daquele alimento, tornando-o sensorialmente atrativo para aqueles indivíduos, além de ser uma forma de conservação do leite (HAENLEIN, 2007; YILDIZ, 2010). Por este motivo, estes países possuem uma longa tradição na elaboração destes derivados lácteos (SAXELIN et al., 2003).

 

Atualmente, os leites fermentados são considerados um produto com elevado potencial para o desenvolvimento de novos produtos, principalmente por estarem associados à saúde, o que vem sendo explorado pelas indústrias de laticínios. Este fator esta relacionado com três características: (1) as propriedades tecnológicas da matriz láctea, como permitir a viabilidade funcional de ingredientes adicionados ao produto; (2) a elevada praticidade dos derivados lácteos; (3) e a relação que os consumidores fazem dos produtos lácteos com o aspecto de saudabilidade.

 

Os produtos lácteos representam o mais importante segmento dos alimentos funcionais, sendo os primeiros nesta categoria de alimentos. Os leites fermentados são os produtos de escolha pela indústria alimentícia como veículo de culturas probióticas e adição de ingredientes prebióticos, sendo considerados comercialmente os principais alimentos que contém estes compostos (SANCHEZ et al, 2009).

 

A legislação brasileira define os leites fermentados como "os produtos resultantes da fermentação do leite pasteurizado ou esterilizado, por fermentos lácticos próprios", o que inclui o iogurte, o leite fermentado ou cultivado, o leite acidófilo, kefir, kumys e coalhada (BRASIL, 2007).

 

Dos leites fermentados acrescidos de probióticos, prebióticos ou simbióticos, o iogurte é o mais popular, sendo mundialmente o mais produzido e consumido. Na América Latina, o mercado de iogurtes probióticos cresceu 32% de 2005 a 2007, representando 30% do total do mercado de iogurtes produzidos (GRANATO et al., 2010).

 

Este produto é elaborado a partir da fermentação realizada pelas bactérias Streptococcus salivarius subsp.thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp.bulgaricus (BRASIL, 2007; CODEX ALIMENTARIUS, 2010), podendo ser acrescido ou não de outras bactérias ácido-lácticas. Na fermentação do iogurte, inicialmente o Streptococcus thermophilus metaboliza a lactose produzindo ácido lático, que diminui o pH favorecendo o crescimento dos lactobacilos.

 

Por sua vez, o Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus libera, a partir da degradação de proteínas láticas, diversos aminoácidos, que estimulam o crescimento do cocos. Sendo assim, uma bactéria favorece o desenvolvimento da outra (SIEUWERTS et al., 2010).

 

ALIMENTOS FUNCIONAIS

 

O termo Alimentos Funcionais surgiu primariamente no Japão, por volta dos anos 80, referindo-se àqueles alimentos cujo além de seu valor nutritivo, auxiliavam em funções específicas do corpo, devido alguma substância presente nos mesmos.

 

Naquela época uma das primeiras definições de alimentos funcionais foi proposta pela Foods for Specified Health Use (FOSHU) como aqueles alimentos que têm efeito específico sobre a saúde devido a sua constituição química, e que não devem expor, quem os consome, ao risco higiênico ou a saúde (MORAES, 2006). Nestes termos, os alimentos funcionais possuem potencial para promover a saúde através de mecanismos não previstos na nutrição convencional, devendo ser salientado que esse efeito restringe-se à promoção da saúde e não à cura de doenças (ROBERFROID, 2007).

 

A legislação brasileira não define alimento funcional, mas sim a alegação de propriedade funcional e alegação de propriedade de saúde e estabelece as diretrizes para sua utilização, bem como as condições de registro para os alimentos com alegação de propriedade funcional e/ou, de saúde.

 

A alegação de propriedade funcional engloba o papel metabólico ou fisiológico que o composto tem no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções normais do organismo humano, enquanto a de saúde compreende a existência da relação entre o alimento ou ingrediente com doença ou condição relacionada à saúde (ANVISA, 1999).

 

Estes alimentos podem ser classificados de acordo com o alimento em si, ou conforme os componentes bioativos nele presentes como, por exemplo, as fibras dietéticas, os probióticos, os prebióticos, os compostos funcionais, os fitoquímicos, as vitaminas e os minerais essenciais, carotenóides, peptídeos bioativos, além de ácidos graxos insaturados ômega 3 e 6 (KOMATSU et al., 2008).

 

PROBIÓTICOS

 

Os probióticos são micro-organismos vivos, que administrados em quantidades adequadas conferem benefícios à saúde do hospedeiro (FAO, 2001). Uma distinção deve ser feita entre culturas probióticas e culturas iniciadoras. Para as culturas serem denominadas probióticas é essencial que sejam comprovados os seus benefícios à saúde, enquanto para cultura iniciadora é necessário confirmar sua capacidade de fermentar alimentos. Sendo assim, nem toda cultura iniciadora é probiótica, e por este motivo, nem todo alimento fermentado deve ser considerado probiótico (SANDERS, 2009).

 

Vários gêneros bacterianos e algumas leveduras são utilizados como microorganismos probióticos, incluindo os gêneros Lactobacillus, Leuconostoc, Bifidobacterium, Propionibacterium, Enterococcus e Saccharomyces, no entanto, estudos têm demostrado que as principais espécies com características probióticas são o Bifidobacterium spp., L. acidophilus e o L. casei. 

Atualmente, as principais

 

culturas utilizadas pela indústria como probióticos incluem lactobacillos e bifidobactérias que possuem um longo histórico na produção de derivados lácteos e também são encontradas como parte da microbiota gastrointestinal do homem, além da levedura Saccharomyces cerevisiae Boulardii (SHAH, 2007).

 

Os efeitos dos probióticos podem ser classificados em três categorias: (1) capacidade de modular a defesa do hospedeiro; (2) efeito direto sobre outros microorganismos, comensais ou patogênicos, o que os tornam importantes na prevenção

 

e tratamento de infecções e restauração do equilíbrio da mucosa intestinal; e (3) efeito baseado na eliminação de produtos resultantes do metabolismo microbiano, como toxinas, o que resulta na desintoxicação do intestino de quem os consomem (OELSCHLAEGE, 2010).

 

Mecanismos de ação dos Probióticos

 

As bactérias probióticas têm influências múltiplas e diversas no hospedeiro. Os mecanismos de ação dos probióticos consistem principalmente em: competição por nutrientes e locais de adesão; produção de metabólitos antimicrobianos; alterações nas condições ambientais; e modulação da resposta imune do hospedeiro (SAAD et al., 2013; SINGH et al., 2013). O quadro 1 apresenta de forma resumida os principais mecanismos de ação dos micro-organismos probióticos.

 

Apesar das evidências cientificas quanto aos mecanismos de ação dos probióticos, ainda existe uma carência na literatura sobre as vias bioquímicas e moleculares que expliquem completamente estes efeitos, como por exemplo, o de aumentarem a função da barreira intestinal (BERMUDEZ-BRITO et al., 2012).

 

QUADRO 1 - Mecanismos de ação dos probióticos

 

Atividade antimicrobiana     Aumentam a função de barreira        Imunomodulação

 

Diminuição do pH luminal    Aumento na produção de muco        Efeito células epiteliais

 

Secreção antimicrobianas    Melhora a integridade da barreira    Efeito nas células dendriticas

 

Inibição da multiplicação bacteriana             -          Efeito monócitos e macrófagos

 

Bloqueio da adesão bacteriana às células epiteliais     -    Efeito nos linfócitos 

Fonte: Adaptado de HART et al., 2009.

 

No intestino, a presença de bactérias probióticas inibe as bactérias patogênicas, devido inicialmente à competição por sítios de ligação e por nutrientes. Sendo assim, as bactérias patogênicas não conseguem se ligar aos receptores celulares, e são eliminadas. As que conseguem se fixar nas células intestinais têm a multiplicação e desenvolvimento limitados, devido à competição por nutrientes (O’HARA & SHANAHAN, 2007; SHERMAN et al., 2009). 

Além disso, os probióticos que colonizam o intestino sintetizam compostos, tais como bacteriocinas, ácidos orgânicos voláteis (TEJERO-SARIÑENA et al., 2012) e peróxido de hidrogênio (ATASSI & SERVIN, 2010) que influenciam a instalação e permanência de patógenos. Estes micro-organismos também modulam o sistema imune, devido à inibição da resposta inflamatória no intestino, uma vez que os probióticos inibem o fator de ativação (nuclear-kB), aumentam a atividade das células K, induzem a secreção de citocinas e contribuem para a maturação de células dendríticas (CORREIA et al., 2012).

 

Atualmente, tem se estudado os mecanismos de ação dos probióticos quanto aos efeitos anticarcinogênicos. 

Acredita-se que estes ocorrem através de (1) inibição de bactérias responsáveis por converter substâncias pré-carcinogênicas (como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e as nitrosaminas) em carcinogênicas; (2) inibição direta na formação de células tumorais; e (3) capacidade de ligação e/ou inativação de substâncias carcinogênicas (DENIPOTE et al., 2010). RAFTER (2003) sugere vários mecanismos de atuação, incluindo o estímulo da resposta imune do hospedeiro (por aumentar a atividade fagocitária, a síntese de IgA e a ativação de linfócitos T e B), a ligação e a degradação de compostos com potencial carcinogênico, alterações qualitativas e/ou quantitativas na microbiota intestinal envolvidas na produção de carcinógenos e de promotores (ex: degradação de ácidos biliares), produção de compostos antitumorígenos ou antimutagênicos no cólon (como o butirato), alteração da atividade metabólica da microbiota intestinal, alteração das condições físico-químicas do cólon com diminuição do pH e efeitos sobre a fisiologia do hospedeiro.

 

Benefícios à saúde

 

Uma série de benefícios à saúde são atribuidos aos produtos que possuem probióticos, incluindo: atividade antimicrobiana; controle de micro-organismos patogênicos (LAHTINEN et al., 2012); hidrólise da lactose; modulação da constipação; atividade antimutagênica e anticarcinogênica (DENIPOTE et al, 2010; KUMAR et al., 2011); redução do colesterol sanguíneo, melhora do quadro de pacientes com diabetes tipo 2 (resistência a insulina) e obesidade (ARONSSON et al., 2010; AN et al., 2011; NAITO et al., 2011); modulação do sistema imune; melhoria na doença inflamatória do intestino; e supressão de Helicobacter pyloriinfection (SHAH, 2000; MYLLYLUOMA et al., 2005; SALMINEN et al., 2010).

 

Alguns destes benefícios já são bem estabelecidos, como a modulação da constipação e hidrólise da lactose, enquanto outros benefícios têm mostrado resultados promissores em modelos animais, necessitando ainda de mais estudos clínicos.

 

Deve-se salientar que estes benefícios à saúde são transmitidos por linhagens probióticas específicas, e não por espécie ou gênero específicos. E ainda, que cada linhagem esta relacionada com um determinado benefício. 

Desta forma, nenhuma cepa irá fornecer todos os benefícios propostos. Como por exemplo, o Lactobacillus casei linhagem Shirota, no qual há evidências suficientes que apoiam a visão de que sua administração por via oral é capaz de auxiliar na digestão e absorção dos nutrientes e restabelecer o equilíbrio normal da microbiota intestinal (CATS et al., 2003). Outros fatores relevantes são adição de misturas de culturas

 

probióticas, ao invés de cepas individuais (CHAPMAN & GIBSON, 2011), e o número de células viáveis destes micro-organismos no produto comercializado. 



Autores: Marion Pereira da Costa1*, Celso Fasura Balthazar1, Rodrigo Vilela de Barros Pinto Moreira2, Adriano Gomes da Cruz3, Carlos Adam Conte Júnior4

 

1 Mestrandos, Faculdade Veterinária da Universidade Federal Fluminense, RJ.Brasil.

 

2 Graduando, Faculdade Veterinária da Universidade Federal Fluminense, RJ,Brasil.

 

3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ),

 

Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PGCTA), RJ, Brasil.

 

4 Departamento de Tecnologia de Alimentos. Faculdade de Veterinária, Universidade

 

Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.

 

*Autor para correspondência e-mail: [email protected]

 

Recebido em: 06/05/2013 – Aprovado em: 17/06/2013 – Publicado em: 01/07/2013




Autor: Marion Perera da Costa e outros

Referências bibliográficas: 

ANVISA (1999). AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA Resolução nº 18, de 30 de abril de 1999. Aprova o Regulamento Técnico que estabelece as diretrizes básicas para análise e comprovação de Propriedades Funcionais
(O restante da bibliografia será colocado na parte final deste artigo - Parte III)


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