No início, as indústrias utilizavam somente leite como matéria-prima para a produção de iogurtes e bebidas lácteas. Mas, após vários estudos, foram descobertas as propriedades funcionais do soro de leite, que passou a ser adicionado também como fonte de proteínas. Além disso, temos um problema ambiental que nos impede de descartar esse produto nos tratamentos de efluentes ou esgoto, aumentando a necessidade de aproveitamento. Quando falamos em iogurtes e bebidas lácteas, não podemos deixar de citar o crescimento que este setor teve nos últimos 15 anos, principalmente pelo surgimento das culturas lácteas liofilizadas e desenvolvimento de máquinas e embalagens mais acessíveis às pequenas e médias empresas. A preocupação cada vez maior com a saúde fez com que os brasileiros deslumbrassem o iogurte como um alimento saudável e indispensável na sua dieta.
Temos observado, entretanto, um grande número de fabricantes com uma série de problemas tecnológicos, tais como dessoramento, formação de grumos, problemas com viscosidade e excesso de acidez nos produtos que comercializam. A adição de estabilizantes e culturas lácteas adequadas visa à eliminação do problema, mas, se o processo não for controlado, somente esses ingredientes não serão capazes de resolver todos os problemas. O que pretendemos com este artigo é explicar sobre a importância de diversos fatores que auxiliam na fabricação de um produto com qualidade, aliando a isto elementos como seleção de matéria-prima, ingredientes e um processo adequado para as características que o fabricante e os consumidores desejam encontrar nos produtos.
Definições
Iogurte: Segundo a legislação, entende-se por iogurte os produtos adicionados ou não de substâncias alimentícias, obtidas por coagulação e diminuição do pH do leite, ou leite reconstituído, adicionado ou não de produtos lácteos, por fermentação láctica, mediante a ação de cultivos de micro-organismos específicos, que devem ser viáveis, ativos e abundantes no produto final durante o prazo de validade. A fermentação deve ser realizada com cultivos proto-simbióticos de Streptococcus salivarius subsp. Thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. Bulgaricus, aos quais podem ser acompanhadas de forma complementar outras bactérias ácido-lácteas que, por sua atividade, contribuem para a determinação das características do produto final.
Bebida láctea – Segundo a legislação, entende-se por bebida láctea fermentada o produto obtido a partir de leite ou leite reconstituído e/ou derivados de leite, reconstituídos ou não, com ou sem adição de outros ingredientes, nos quais a base láctea represente, pelo menos, 51% do total de ingredientes do produto, fermentado mediante a ação de cultivo de micro-organismos específicos, e/ou adicionado de leite fermentado e/ou outros produtos lácteos fermentados. A contagem total de bactérias lácteas viáveis deve ser no mínimo de 106 UFC/g no produto final, para o cultivo lácteo específico empregado, durante o prazo de validade.
A principal diferença entre o iogurte e a bebida láctea é o valor nutritivo. Esta pode ter no mínimo 1,2% de proteína, enquanto aquele, no mínimo, 2,9%, permitindo-se no produto final sua redução proporcional aos ingredientes não lácticos adicionados. No iogurte, o máximo de amido que pode ser adicionado é de 1% e no máximo 30% de ingredientes não lácteos adicionados. Na bebida, o percentual pode chegar a 49%. O conservante sorbato de potássio pode estar presente no iogurte pelo preparado de frutas, enquanto que na bebida láctea sua adição é permitida. A quantidade mínima de bactérias viáveis no iogurte é de 107 UFC/g, enquanto que na bebida láctea é 106 UFC/g, fazendo com que a bebida láctea possa ser um produto mais barato, sem perder o apelo de saudável. Quanto à consistência, estabilizantes e espessantes adequados podem dar à bebida láctea uma consistência e viscosidade muito próximas às do iogurte.
Tecnologia empregada
Matéria-prima
Para se produzir um iogurte e uma bebida láctea fermentada de qualidade, a escolha da matéria-prima é muito importante. Os principais parâmetros a serem observados são os seguintes:
- Leite: deve ter seu teor de gordura padronizado ou não, de acordo com a legislação vigente ao produto que se deseja fabricar. É importante avaliar o teor de sólidos do mesmo, principalmente o teor de proteínas, que deve estar próximo a 3,3%. Quanto maior o teor de sólidos do produto, melhor será sua consistência. Os resultados de análises físico-químicas do leite devem respeitar os padrões da legislação vigente. É muito interessante realizar o teste de cocção para direcionar o leite para produção. No aspecto microbiológico, é importante que o leite esteja livre de substâncias inibidoras (antibióticos e outros) e tenha uma baixa carga microbiana, o que evitará a formação de sabor rançoso ou inibição da cultura láctea. Leite com alto índice de células somáticas, oriundas de animais com mamite, pode ocasionar uma perda de viscosidade da coalhada e um aspecto granuloso, além de impedir a ação do fermento.
- Soro: deve ser clarificado, pasteurizado, resfriado e estocado até o momento da utilização. É importante observar se o soro resiste ao aquecimento por meio de um teste simples de cocção. Caso a amostra forme finos, o mesmo não poderá ser utilizado. Não é interessante utilizar o soro oriundo da lavagem do queijo por ter um ESD muito baixo. Se for necessário, esse deverá ter seu teor de sólidos corrigido com soro em pó ou concentrado. Além disso, não deve ter presença de fagos, que podem inibir a fermentação. A quantidade de soro a ser adicionada vai depender do produto que se deseja fabricar, bem como da qualidade do estabilizante/espessante utilizada para que não haja separação de fases.
Adição de ingredientes
- Açúcar: deve-se escolher um açúcar de boa qualidade, sem a presença de sujidades. Normalmente, é utilizado de 10% a 14%, de acordo com o produto que se deseja fabricar.
- Adição de polifosfatos: misturas de polifosfatos ajudam na estabilização do leite, evitando a precipitação do cálcio livre no momento do aquecimento. Além disso, auxiliam para não ocorrer a sinerese e aumentar o tempo de utilização dos equipamentos de pasteurização. Sua utilização está prevista somente para bebida láctea, fermentada ou não. Os mesmos devem ser adicionados ao leite, antes do tratamento térmico.
- Estabilizantes/Espessantes: vários pontos devem ser observados na escolha de um bom estabilizante. Espessante, segundo Baruffaldi, “é a substância capaz de aumentar, nos alimentos, a viscosidade de soluções, de emulsões e de suspensões. São substâncias químicas que aumentam a consistência dos alimentos. São hidrossolúveis e hidrofílicas, usadas para dispersar, estabilizar ou evitar a sedimentação de substâncias em suspensão. Empregam-se em tecnologia de alimentos e bebidas como agentes estabilizadores de sistemas dispersos como suspensões (sólido-líquido), emulsões (líquido-líquido) ou espumas (gás-líquido)”. (HEBBEL)
Estabilizante, contudo, trata-se de substância que favorece e mantém as características físicas das emulsões e das suspensões. Esses dois aditivos, geralmente, são tratados juntos pelo fato de existirem muitos espessantes com características e propriedades de estabilizantes. Além disso, alguns estabilizantes não contidos na listagem dos espessantes possuem capacidade de aumentar o grau de viscosidade das soluções, emulsões e suspensões caracterizando-se, portanto, como espessantes. (BARUFFALDI).
As funções dos estabilizantes são as seguintes:
• Aumentam a viscosidade;
• Conferem corpo ao produto;
• Estabilização – Evitam sinerese e ou separação de fases, pela formação de uma rede microscópica que aprisiona essas partículas;
• Agentes “protetores da proteína”, para produtos que passam por tratamento térmico;
• Formadores de géis;
• Sustentadores de aeração.
São substâncias que pretendem favorecer e manter as características físicas de emulsões e suspensões, gerando produtos de melhor qualidade. Os estabilizantes, em razão de terem alta capacidade de hidratação, exigem certos cuidados ao serem adicionados. O ideal é que se faça uma pré-mistura com o açúcar e se adicione cada parte desta em cinco partes da mistura leite-soro ou leite, sob constante agitação. A certeza de uma boa dispersão do produto garantirá a eficiência do estabilizante, de forma que os resultados no produto final sejam facilmente observados.
Homogeneização da mistura
O leite utilizado na fabricação do iogurte e bebida láctea deverá ser homogeneizado a 150 – 200 bar, a uma temperatura de 55°C a 70°C, sempre em dois estágios. A finalidade é melhorar (aumentar) a consistência e viscosidade; aumentar a estabilidade, evitando separação de soro; e evitar a separação de gordura e aumentar a digestibilidade da proteína. É importante conversar com o fornecedor sobre a homogeneização ou não do estabilizante e do espessante.
Tratamento térmico
Sabe-se que o tratamento térmico, além de destruir as bactérias patogênicas e parte da flora banal do leite, ajuda bastante na viscosidade do iogurte. Isso porque, durante o aquecimento, ocorre a precipitação de cerca de 80% das soro proteínas do leite, tornando o produto final mais viscoso e resistente à sinerese. Os melhores binômios tempo/temperatura são os seguintes:
• 85ºC por 15 min.
• 80ºC por 30 min.
• 90-95ºC por 5 min.
O tratamento térmico faz com que as proteínas do leite se tornem mais apropriadas para o crescimento das bactérias lácteas do fermento.
Resfriamento e fermentação. A fermentação deve ser feita de acordo com a orientação do fabricante da cultura láctea utilizada e o tempo de fermentação que se deseja, porém, como o fermento é composto por bactérias termofílicas, temperaturas inferiores a 39°C não são recomendadas por promoverem um desbalanceamento do fermento, aumentando a possibilidade de pós-acidificação, sinerese e problemas de viscosidade. Sabemos que a temperatura de fermentação influi muito na consistência do produto final e na resistência ao dessoramento. Principalmente no que diz respeito à produção de “mucina” pelo fermento. A temperatura também é importante, pois promove um equilíbrio no crescimento das bactérias do fermento, evitando a pós-acidificação.
Deve-se avaliar ainda se durante o armazenamento e a distribuição do produto não ocorrerá a pós-acidificação da coalhada. Caso ocorra, poderá desestabilizar a estrutura formada com os estabilizantes e a proteína, ocasionando um dessoramento. Culturas limitantes, que não sofrem uma pós-acidificação, são comercializadas por diversas empresas. Basta trabalhar no intuito de não alterar o equilíbrio e a simbiose dessas.
Quebra da coalhada e resfriamento : Após a coalhada atingir um pH de 4,40 a 4,60, ela deve ser quebrada, com uma agitação lenta e constante. O resfriamento pode ser feito na parede do tanque ou em resfriadores a placas, dimensionados à consistência do iogurte, para não haver uma quebra acentuada na estrutura do produto.
A velocidade do mexedor é muito importante. Caso seja muito alta, o produto perderá a viscosidade e poderá afetar na estrutura do mesmo. Ao mesmo tempo, uma agitação muito lenta associada a um resfriamento muito rápido pode fazer com que a coalhada fique resfriada antes de estar homogênea, o que não a deixará totalmente lisa, mas com um aspecto “grumoso”.
Adição de ingredientes – preparado de frutas, aromas e corantes
Após a quebra e resfriamento da coalhada, deve ser adicionado o preparado de frutas, o que pode ser feito direto no tanque ou em misturadores estáticos. A vantagem da utilização desse produto é a padronização de cor e sabor no produto final. É importante avaliar os seguintes fatores no momento da escolha do preparado de frutas: composição do produto – deve estar de acordo com o que é declarado no rótulo. Um exemplo é quanto à utilização de corantes – naturais ou artificiais; o pH e a consistência do produto devem ser próximos da consistência da massa a ser aplicada, para que o produto se misture com facilidade e não altere as características da base. Após a adição do preparado de frutas, são adicionados o aroma e o corante (se necessário).
Envase e armazenamento: Um fator de extrema importância para a obtenção da textura desejada é a temperatura de resfriamento e envase. Após vários estudos, percebemos que o iogurte/bebida láctea “colherável”, ou seja, de bandeja, deve ser envasado a uma temperatura de 25°C que visa permitir a recuperação do coágulo. Para um iogurte “de garrafa”, no qual se deseja uma consistência mais líquida, podemos envasar a 18°C. Após o envase, o produto deve ser levado, imediatamente, para a câmara fria, em caixas que permitam a circulação de ar, para ser resfriado de 7ºC a 10°C, depois de, no máximo, 5 a 6 horas de fabricação.
Distribuição: Muitos pensam que, por ser um produto com baixo pH, não precisa de atenção ao ser distribuído. Podemos ver diariamente várias empresas que entregam seus produtos em caminhões sem isolamento térmico ou resfriamento. Entretanto, quando o produto é submetido à temperatura alta, a microrrede formada pelo estabilizante e a proteína se torna muito frágil, podendo ser rompida, o que acarreta no dessoramento do produto. Além disso, temperaturas elevadas fazem com que o fermento volte a agir, aumentando, assim, a acidez do produto. A distribuição deve ser feita em baú refrigerado ou isotérmico, mantendo o produto a 5°C.
Autor: Cristiane Lazarini
Referências bibliográficas:
Cristiane Lazarini é técnica em Laticínios. As informações contidas neste artigo são de responsabilidade da Doremus Alimentos Ltda.
Mais informações: (11) 2436-3333; [email protected]
www.doremus.com.br