15/10/2012 às 09h23min - Atualizada em 15/10/2012 às 09h23min

O Brasil no contexto do Regime Internacional de Mudança Climática

A acentuada presença das questões ambientais no cenário internacional e a política internacional contemporânea, bem como a introdução do tema às relações burocráticas subnacionais entre os diferentes ministérios, levaram a política externa brasileira à preocupação com o tema das mudanças climáticas (BARROS, 2011). Nas palavras de Barros (2011), “o Brasil é um dos países mais bem colocados no regime do clima, em função de sua matriz energética, pesquisa científica, robustez econômica, capacidade produtiva e seus recursos naturais, entre outros. Também está entre os dez maiores emissores de GEE”. Segundo Viola (2010), há 10 potências climáticas, sendo Índia, Rússia, Brasil, Indonésia, Japão, México, Canadá, África do Sul, Coreia do Sul e Arábia Saudita, que, somadas, emitem em torno de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa.

O Brasil se posicionou como líder durante o processo de negociação da Convenção de Mudança Climática entre 1990 e 1992, em função de sua política externa estar afastada da posição desenvolvimentista radical que predominava até 1988. Durante as discussões para a consolidação do Protocolo de Kyoto (1996-2001), o país se recusou a assumir compromissos de redução da taxa de crescimento futuro das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em conjunto com os países emergentes e ao estabelecimento de mecanismos de mercado que flexibilizariam as ações de mitigação, além, foi contra a inclusão das emissões advindas de mudança do uso da terra. Em 1997 o Brasil propôs a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo (FDL), que seria responsável por aplicar multas aos países desenvolvidos que não cumprissem as metas de redução de emissões. A proposta seria rejeitada pelos países desenvolvidos e uma nova versão desse mecanismo foi criada em conjunto com os Estados Unidos, o MDL, o qual possibilita que os países desenvolvidos cumpram parte de suas metas de redução de emissões através do financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento (VIOLA, 2010).

 De acordo com Drezner (2000), uma abordagem de análise política externa baseada nas ideias explana que essas podem se sustentar através da sua institucionalização e cultura organizacional disposta nessa instituição. Uma vez estabelecidas, tais instituições são um importante mecanismo causal para a conversão de idéias em políticas. Tais considerações podem ser aplicadas tanto no caso do regime internacional de mudanças climáticas e das conferências entre as partes, consideradas como componentes estruturais, bem como no caso das instituições brasileiras que se dispõem a tratar do assunto das mudanças climáticas em âmbito internacional. Nesse sentido, serão abordadas, a seguir, as características e o papel brasileiro, bem como suas instituições como o MRE, MMA e MCT, de forma relativamente breve.

 Nota-se que a política externa ambiental do país tem se consolidado nas duas últimas décadas. O Brasil pode ser considerado como uma potência emergente e articulador de quatro grupos como o Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Grupo de Países Latino-Americanos e do Caribe (Grulac), o G77/China, sendo o mais tradicional e consolidado, bem como o G20. Além, podem ser citados o Brasil, Rússia, Índia e China (Bric); Índia, Brasil e África do Sul (IBSA); Basic, Cúpula Americana do Sul-Países Árabes (Aspa), CAN, ASA e outros. Tais grupos podem ser entendidos como instituições carregadas de ideias advindas de outras instituições e indivíduos.

There are several mechanisms though which ideas are supposed to influence preferences and outcomes, but one of the most important is that ideas are embedded into institutions. This presumes that once idea-infused institutions are created, they will survive and thrive. Bureaucratic politics suggests this outcome is far from certain.  (DREZNER, 2000)

A política externa seria baseada nas ideias institucionalizadas em órgãos especializados do governo e, conforme Allison (1999), em sua abordagem sobre a política burocrática, seria o resultado de um complexo processo de negociação proferido entre as diversas burocracias que compõem o poder do Estado, no caso o brasileiro. As questões ambientais no país estão fragmentadas em diversos órgãos, em especial o Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Os três detêm focos diferenciados, sendo o primeiro focado nas questões políticas e os dois demais têm foco nas questões técnicas. O MRE está consolidado como o principal órgão responsável pelas políticas externas ambientais e o MMA tem participado com mais intensidade nos últimos anos. O MCT possui papel importante no regime de mudanças climáticas, em função de esse estar relacionado a questões tecnológicas. O Itamaraty geralmente assume um posicionamento mais neutro, porém as relações entre os ministérios são complexas e, em geral, conflituosas, divergindo em função dos temas abordados (BARROS, 2011). Tal divergência de posicionamentos pode ser entendida a partir da diversidade de ideias presente na formação de cada uma das instituições, em função de seu foco diferenciado. De acordo com Drezner (2000), todas as instituições têm algum fundamento em uma ideia ou em ideias. Sendo essas formadas em contextos distintos, com agentes específicos, possivelmente serão diversificadas.

No Brasil, segundo Viola (2001), predominam coalizões entre neo-socialdemocratas e neoliberais, sendo apoiados por setores nacionalistas que posicionam-se de forma moderadamente favorável ao regime. Há uma relevante minoria verde que apoia a diminuição do desmatamento na Amazônia, o qual é responsável por, aproximadamente 1,8% das emissões globais de GEE, sendo a favor de assumir compromissos voluntários de emissões e promover o adensamento do regime de mudança climática.

Além, para Allison, cada componente burocrático do governo, nesse caso o MRE, MMA e MCT, possui seus objetivos específicos quanto ao assunto da política externa ambiental e se inserem no processo decisório a partir de uma forma própria. A tomada de decisão passa por um processo de interação social entre as diferentes burocracias e indivíduos que compõem tal base de análise e não pode ser entendida como uma escolha racional de um governo estabelecido como ator unitário, sem levar em consideração a complexidade das escolhas e tomada de decisão (BORTOLUCI, 2005).

Historicamente, a delegação brasileira, durante as conversações sobre a mudança do clima, estava sob a administração do Ministério da Ciência e Tecnologia nos assuntos substantivos e naqueles relativos ao processo negociador o Itamaraty seria o comandante. O então presidente da Agência Espacial Brasileira, Meira Filho, teve papel fundamental nesse sentido, o que demonstra a importância dos indivíduos no processo, apesar desse não ser explicado apenas com base nele, mas levando em consideração o conjunto de indivíduos e instituições inseridas no contexto. Até o ano de 1999, a presidência brasileira não considerava a negociação do Protocolo de Kyoto como uma questão de suma importância, na qual valesse a pena sua intervenção. Entre 1996 e 1999 o posicionamento brasileiro demonstrava alguma restrição, sem relevante participação de governos estaduais, empresários ou Organizações Não-Governamentais (ONGs). Após o ano 2000, a partir da inserção do Ministério do Meio Ambiente, bem como do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e alguns governos estaduais da Amazônia e algumas ONGs, a arena de definição foi ampliada (DUTSCHKE, 2000).

O Modelo da Política Burocrática infere que as burocracias devam ser entendidas como atores políticos instituídos de forma complexa e assim, sendo capazes de definir preferências que serão expressas no processo final de formulação. Nesse sentido, para a formulação da política externa é necessário compreender que o poder executivo do governo é composto por muitos indivíduos e organizações, que possuem diferentes objetivos; que nenhum desses é preponderante, apesar de haver influências mais fortes em alguns casos; que a decisão final é o resultado de um processo de negociação entre os vários participantes; e que, finalmente, há uma distinção entre a decisão formulada e sua implementação (BORTOLUCI, 2005).

A preparação da posição nacional, portanto, passa por tais ministérios supracitados. Segundo Barros (2011), o Itamaraty nomeou um embaixador para tratar exclusivamente do tema de mudanças climáticas, quem promove informações sobre a política nacional e externa. O MMA vem sendo bastante ativo desde o ano de 2000, criando a Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental em 2007.

O Brasil se insere no contexto das mudanças climáticas a partir dos princípios tradicionais da diplomacia, como as responsabilidades comuns, mas diferenciadas, o direito ao desenvolvimento, soberania, equidade e solução pacífica de conflitos. Suas prioridades, bem como dos demais países em desenvolvimento, representados habitualmente pelo G77/China no âmbito das Conferências entre as Partes, são a exigência de ações concretas dos países desenvolvidos, de recursos novos e adicionais, além da transferência de tecnologia para solucionar os problemas tratados pelas COPs (BARROS, 2011).

A posição brasileira estabelece que os países em desenvolvimento devem implementar as obrigações da Convenção quando aqueles desenvolvidos implementarem efetivamente suas obrigações relacionadas ao financiamento e transferência de tecnologia (BARROS, 2011). Tal posição pode ser observada a partir do discurso do embaixador Everton Vargas, subsecretário-geral para Assuntos Políticos no Encontro das Maiores Economias sobre Segurança Energética e Mudança do Clima em 2007:

Seria justo que um país desenvolvido, que já contribuiu muito para o aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e onde as emissões decorrem de padrões altamente insustentáveis de consumo e produção, não se comprometesse a controlar e reduzir suas emissões? Seria justo que um país ainda lutando para eliminar a pobreza, onde as emissões devem aumentar para que possa fornecer energia e tirar milhões de pessoas da pobreza, seria justo que um país com o dever de lutar contra a carência e a fome tivesse de arcar com outras condicionalidades? (VARGAS, 2007. p. 2.)

Além, as políticas de adaptação têm sido outra prioridade brasileira. Apesar do foco principal do regime ter sido, por algum tempo, a mitigação do dano climático, com o passar do tempo, percebeu-se a necessidade de políticas de adaptação, a qual poderia ser cumprida a partir da cooperação para o desenvolvimento promovida pelos países ricos, objetivando auxiliar os países mais pobres na proteção de suas populações diante dos possíveis danos ambientais.

Ao longo dos anos, a estratégia de inserção do Brasil foi se transformando, principalmente em função das economias emergentes passarem a emitir maiores taxas de GEE, sendo necessário, portanto, maior compromisso dessas partes, denominado “responsabilidade futura”, tendo em vista a previsão de que em 2050 os países emergentes serão os maiores emissores. O país publicou metas de combate ao desmatamento, o que demonstra tal diferenciação da estratégia, passando a assumir maior responsabilidade nesse sentido. Nesse sentido, pode-se perceber que o Brasil ampliou sua estrutura interna para tratar de temas ambientais, desenvolvendo uma importante estrutura institucional com diplomatas com relativo conhecimento e treinamento. A fim de facilitar a definição da política externa, o MRE tem fomentado o debate interministerial, convidando membros da academia e da sociedade civil organizada para auxiliarem na construção da posição brasileira anteriormente às discussões em foros internacionais. Quanto à posição do país, é possível identificar uma relevante mudança de postura, passando da recusa em assumir metas obrigatórias de mitigação a partir do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, para a apresentação de dados e relatórios e participação ativa na construção do regime (BARROS, 2011).




Autor: Blog Ambiente Imediato

Referências bibliográficas: 

ALLISON, Graham T. e HALPERIN, Morton H. (1972), Bureaucratic Politics: A Paradigm and Some Policy Implications. World Politics, vol. 24, pp. 40-79.
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; Varella, Marcelo Dias; Schleicher, Rafael T. Meio ambiente e relações internacionais: perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate. Rev. bras. polít. int. v.47 n.2 Brasília jul./dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2011.
BARROS, Ana Flávia Granja e.O Brasil na governança das grandes que stões ambientais contemporâneas . Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2011. (Textos para Discussão CEPAL-IPEA, 40).
BORTOLUCI, José Henrique. Política Externa Norte-Americana e o Conflito Árabe-Israelense (1967-1982): Dinâmica e Fatores Determinantes. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. Disponível em: . Acesso em: 11 dez. 2011.
DREZNER, Daniel W. (2000), Ideas, Bureaucratic Politics, and the Crafting of Foreign Policy. American Journal of Political Science, vol. 44, nº 4, pp. 733-749.
DUTSCHKE, Michael. O Brasil como ator no processo da política climática. Cadernos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Série Ciências Ambientais, n. 26. São Paulo, out. 2000.
VARGAS, Everton. Discurso. Encontro das Maiores Economias sobre Segurança Energética e Mudança do Clima. Washington, 27 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2012.
VIOLA, Eduardo; FILHO, Haroldo Machado. Os BICs (Brasil, Índia e China) e as negociações de mudança climática. Breves CINDES. Ag. 2010. Disponível em: < http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2010/06203.pdf>. Acesso em: 12 out. 2011.


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