12/03/2012 às 14h53min - Atualizada em 12/03/2012 às 14h53min

Mastite: mecanismo de defesa da glândula mamária

A compreensão dos mecanismos de resistência do hospedeiro à mastite permite que o criador e o veterinário possam adotar medidas de manejo adequadas ao controle da afecção na propriedade, tais como: higiene de ordenha, dieta com suplementação de micronutrientes, antibioticoterapia e medidas para reduzir a exposição aos patógenos ambientais. Estas medidas reduziram a ocorrência de mastite em vários países, mas, mesmo assim, estudos recentes referem que nos EUA, 38% das vacas têm, na média, 1,5 dos quartos infectados. Além disso, a compreensão dos mecanismos de resistência da glândula mamária as infecções permite avanços na prevenção de novas infecções e cura dos casos existentes. 

    O conhecimento da anatomia e fisiologia do úbere é necessário para o melhor entendimento de como a mastite se instala e como operam as defesas do hospedeiro para reduzir a infecção. Cada quarto mamário é composto de cisterna do teto, cisterna da glândula, dutos galactóforos e tecido glandular secretor. Este tecido contém milhões de estruturas em forma de pequenos sacos denominados alvéolos. Cada alvéolo é revestido por células epiteliais produtoras de leite e são circundados por células musculares lisas (células miopiteliais), que ao contrairem expulsam o leite do alvéolo, durante a ordenha. Vasos sangüíneos trazem nutrientes para cada alvéolo, que os convertem em leite. Entre as ordenhas, o leite é armazenado dentro dos espaços alveolares, ductos e cisternas. Na ordenha, é removido através do canal do teto. 

    Os microrganismos peneiram no canal do teto de vários modos entre as ordenhas ou durante a ordenha, seja manual ou mecânica. Durante a ordenha mecânica, por exemplo, o microrganismo pode ser impulsionado para dentro do canal do teto através dos chamados impactos, gotículas de leite carregadas de microrganismos que são projetadas com grande velocidade, contra a extremidade do teto, pela flutuação do vácuo originada pela entrada do ar no sistema, principalmente quando as teteiras escorregam e caem. A queda freqüente das teteiras acontece por desenho inadequado da linha de interação entre peso dos coletores, por nível de vácuo abaixo dos limites normais e também devido a tetos úmidos durante a ordenha, sobreordenha de quartos individuais e extrema irregularidade de tamanho e formato de tetos. 

    O potencial de invasão está aumentando pela colonização do teto por bactérias, que ocorrem tanto no período seco como durante a lactação. Desinfecção pós-ordenha com germicida ("teat dipping") reduz acentuadamente a colonização do canal do teto. A mastite resulta assim que os microrganismos passam através do canal do teto, sobrepujam as defesas do hospedeiro e se multiplicam livremente. 

    A aderência dos microrganismos aos tecidos no interior da glândula, favorecem a instalação da infecção, dificultando sua remoção mecânica pelo fluxo do leite durante a ordenha. Streptococcus agalactiae e Staphy-lococcus aereus aderem aos tecidos que revestem os espaços de armaze-namento de leite, E. Coli não adere, mas se multiplica rapidamente em quartos com baixo conteúdo celular (leucócitos). A principal função dos leucócitos (glóbulos brancos) é a defesa através da fagocitose e destruição dos microrganismos. Se estes forem eliminados pelos leucócitos, a infecção é debelada; se não forem, estabelece-se uma infecção crônica. Os microrganismos inicialmente instalam-se nos ductos e cisternas e depois progridem para os pequenos dutos, alvéolos das porções mais baixas do úbere, multiplicam-se, produzem toxinas e produtos irritantes que provocam edema e destruição das células secretoras. 

    Uma série de eventos imunológicos sucede no interior da glândula para promover a defesa do úbere. 

    A infecção uma vez estabelecida pode ser eliminada por três formas: cura espontânea, que ocorre em aproximadamente 20% dos casos; terapia com sucesso, onde mais de 30% dos quartos são curados pela antibiotico terapia durante a lactação e aproximadamente 20% durante o período seco e, finalmente, cerca de 10% são eliminados pelo descarte de vacas por várias causas. 

    A cura espontânea é resultante da eficiência da interação dos mecanismos de defesa do úbere e do processo inflamatório. Este aspecto pode ser visualizado, quando ao proceder-se algumas vezes ao exame micro-biológico de amostras procedentes de casos de mastite clínica, este exame apresenta resultado negativo devido à destruição dos microrganismos pelo processo inflamatório. 

    O descarte em uma propriedade de até 15 a 25% pode ser considerado normal, mas não poderá exceder 30%. As principais causas de descarte são: baixa produção de leite, infertilidade e mastite clínica aguda, crônica rescidicante ou subclínica resistente a vários tratamentos. Sob o aspecto econômico o descarte de animais deve ser baseado em produção. Algumas vezes faz-se necessário, quando da ocorrência de patógenos atípicos resistentes a tratamento, descarte destas fontes de infecção, como por exemplo, vacas com mastites por algas do gênero Prothoteca, para evitar-se a disseminação aos animais sadios do rebanho. 

    Deve-se considerar que muitas vezes a baixa produção observada na propriedade é devido à mastite subclínica e que cerca de 50% das mastites em uma propriedade ocorrem em 10% das vacas. A infertilidade, outra causa de descarte, também pode estar associada À liberação de prosta-glandinas na glândula mamária por ativação da cascata do ácido arac-dônico decorrente do processo inflamatório do úbere. 

    A presença dos microrganismos, suas toxinas, as células de defesa e de outros sub-produtos da inflamação diminuem a produção leiteira do quarto afetado, o que constitui o principal sintoma de mastite. 

    Os mecanismos de resistência da glândula mamária têm importante papel, inibindo o desenvolvimento de novas infecções e combatendo as já instaladas. Entre estes mecanismos de defesa, o esfincter do canal do teto constitui a primeira barreira contra os patógenos causadores de mastite, pois mantêm o canal fortemente fechado no período entre as ordenhas, impedindo a penetração dos microrganismos. O canal do teto pode permanecer dilatado por até duas horas após a ordenha, portanto alimentando-se as vacas durante este período, faz com que elas permaneçam em pé até que o esfincter feche completamente. 

    As vacas com esfincter incompetentes (patentes ou frouxos), são ordenhadas mais rapidamente em 2 a 3 minutos, mas por outro lado, a incidência de mastite nestes animais é significativamente maior, o que constitui um caráter indesejável. 

    A camada de queratina ao redor do teto, além de constituir uma barreira física, contém ácidos graxos (certos tipos de gordura) e proteínas de ação germicida. A inserção total da cânula convencional das seringas de tratamento intramamário (3cm), resulta em uma dilatação temporária do lúmen do canal do teto muito além do diâmetro normal, que é de 0,40 a 1,63mm, traumatizando o tecido, destruindo a camada de queratina, favorecendo portanto a aderência e colonização bacteriana. Já foi demonstrado por vários autores que a utilização de cânulas menores ou a inserção parcial (2 a 3mm) reduz em cerca de 58% a ocorrência de novas infecções, quando comparada com a tradicional. Outros estudos referem uma redução do nível de novas infecções da ordem de 46% pós-parto em quartos tratados na secagem com inserção parcial é recomendável (figura 2), mas esta técnica não substitui em absoluto os cuidados de desinfecção e antissepesia do teto, que devem anteceder o tratamento intramamário (quadro 1). 

    O período logo após a interrupção da lactação (10 a 15 dias após a secagem) é um ponto crítico para a ocorrência de novas infecções e, por outro lado, após a completa involução da glândula mamária no período seco, a resistência aumenta, por isso tem sido pesquisado o uso de certas substâncias que aceleram a involução da glândula mamária. 

    A dieta também constitue um importante fator na resistência da glândula mamária às infecções, certos nutrientes afetam os mecanismos de defesa, como por exemplo a atividade dos leucócitos, transporte de anti-corpos e integridade do tecido glandular. Desta forma, a suplementação com selênio (0,3ppm ou 3mg/dia) e vitamina E (50 a 100ppm ou 1000 unidades/dia) no período seco reduz infecções por estafilococos e colifor-mes na parição em até 42% de acordo com estudos realizados nos EUA, na Ohio State University. A taxa de novas infecções durante a lactação não difere do grupo de controle, mas a duração das infecções é menor no grupo suplementado, assim também a ocorrência de mastite clínica é menor. 

    Também a vitamina A e o beta-caroteno administrados 30 dias antes do parto e até 10 semanas da lactação são responsáveis por diminuição das infecções intramamárias, por estimularem os órgãos de defesa. Por outro lado, pesquisas realizadas no Brasil utilizando suplementação de selênio durante o período seco, em propriedade com bom manejo alimentar, onde não havia deficiência deste microelemento, demonstraram que esta medida por si não diminui a ocorrência de mastite. Ou seja, quando se comparou o grupo de animais que recebeu a suplementação, com o grupo controle, o nível de mastite em ambos os grupos não apresentaram diferenças estatisticamente significantes. Estes resultados mostram que, muito embora em caso de deficiência, a suplementação com estes nutrientes seja benéfica. Seu uso em animais com um bom manejo é totalmente dispensável, constituindo um gasto supérfluo, em relação ao controle de mastite. 

    Mastite é uma injúria multifatorial a glândula mamária. A nutrição representa uma área a mais que pode contribuir para a diminuição na incidência da doença. Quando o problema for de origem nutricional, é indicada uma suplementação apropriada contendo selênio, vitamina E, cobre e vitamina A, para reduzir tanto a incidência quanto a severidade da mastite. 

    Em conclusão, embora o avanço do conhecimento sobre os fatores que interferem com a ocorrência da mastite tenha possibilitado um melhor controle desta afecção, cabe ressaltar que a melhor maneira de combater esta doença economicamente tão importante é a prevenção, através do manejo nutricional, evitando-se as deficiências, e higiênico-sanitária, prevenindo-se as infecções, juntos, o custo é certamente bem inferior aos gastos com medicamentos para o tratamento e o prejuízo representado pelo descarte de animais.




Autor: Elizabeth Oliveira da Costa

Referências bibliográficas: 

* Coordenadora do NAPGAMA e Profª Associada da Faculdade de Mecina Veterinária da USP-SP 
FONTE:
Pardo-Suiço em Revista – Edição 39 – Anuário 98/99 
CN Propaganda e Marketing
Associação Brasileira de Criadores de Gado Pardo-Suiço


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