20/06/2010 às 10h49min - Atualizada em 20/06/2010 às 10h49min

Suspensão da vacina da febre aftosa vai expor rebanho paranaense

Folha de Londrina

Às vésperas de mais uma reunião do Conselho Estadual de Sanidade Animal (Conesa), órgão ligado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab), na próxima segunda-feira, em que a pauta principal provalmente será a preparação do Estado para se tornar área livre de febre aftosa sem vacinação, muitas dúvidas ainda circulam pelas propriedades dos pecuaristas. Entre os benefícios da medida, como a entrada da carne paranaense em novos mercados, e o temor de que a ação seja frustrada e traga prejuízos, quem está envolvido com o setor quer saber se o Paraná realmente está preparado para assumir os riscos dessa medida.

Quais os impactos técnicos e econômicos? Qual a previsão de crescimento da exportação da carne paranaense? Se houver impacto negativo quem vai arcar com esse ônus? Quais as ações de manutenção desse status a curto, médio e longo prazos? E qual será o impacto na vida do consumidor?

O virologista Amauri Alfieri, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), afirma que a suspensão da vacina vai expor o rebanho paranaense. Na opinião dele, se outorgado pelo Ministério da Agricultura (Mapa), o status de área livre de aftosa sem vacinação será uma conquista a ser comemorada, porém com muita cautela. Daqui três ou quatro anos, acrescenta, quando houver uma população completamente não vacinada, os animais estarão totalmente suscetíveis ao vírus. E quando se tem focos da doença em rebanhos vacinados é possível controlar o problema mais facilmente, mas o contrário é muito difícil. Sem vacinação, o vírus se alastra como rastilho de pólvora, reforça o especialista.

Para Alfieri, se conquistado o status, a vigilância epidemiológica terá que ser bastante rígida. E a preocupação do virologista é a de que as ações - de adequação do Estado, como a construção de novas barreiras sanitárias - estejam sendo apenas imediatistas, sem estratégias de médio e longo prazos. Quando se fala em sanidade animal e em defesa sanitária não pode pensar só no momento atual, tem que pensar nos anos seguintes. E nós temos o péssimo hábito de esquecermos dessas coisas, observa o virologista. A manutenção de barreiras, o aparelhamento desses locais, a preparação dos técnicos (que precisam de constantes atualizações), treinamento de exercícios de mitigação de riscos, tudo isso custa dinheiro, é muito caro, acrescenta o especialista.

O temor do virologista é de que dependendo da administração e da situação financeira do Estado, os investimentos no setor podem ser maiores ou menores. E se não houver mais vacinação os cuidados deverão ser redobrados, os investimentos constantes e aumentados. Porque vírus não tem partido político, não interessa quem está no governo, pontua.

Impactos econômicos
O pecuarista José Eduardo de Andrade Vieira, ex-ministro da Agricultura, concorda que esse passo que o Estado poderá dar é muito importante mas não pode ser uma decisão política. Vieira acrescenta que há ainda muita desinformação e que ninguém quer que o Paraná seja prejudicado. O status será interessante se houver ganhos para os produtores e a Seab tem que mostrar isso com dados. Esse ganho precisa ser justificado, frisa.

A medida, afirmou, precisa ser tomada com base em levantamentos econômicos e questionou se o rebanho paranaense será suficiente para o consumo interno e como ficará o trânsito de animais, já que o Estado importa grande quantidade de bezerros do Mato Grosso do Sul.

O presidente da Sociedade Rural do Paraná, Gustavo Andrade e Lopes, observa que a entidade apoia essa evolução do Estado, mas confirma que é preciso esclarecer melhor os impactos técnicos e econômicos dessa medida. Em solicitação feita à Seab, a entidade questiona, entre outros detalhes, quais serão as ações em caso de ocorrência da doença, quais serão os impactos para o produtor, uma vez que o trânsito de animais ficará restrito, qual o volume de circulação de exemplares e se o Estado é autossuficiente.

Se houver benefícios, maravilha. Mas se houver impacto negativo, quais serão as políticas de compensação?, questionou Lopes. Segundo ele, como resposta a Seab informou que esses dados serão repassados durante reunião do Conesa, na segunda-feira. O representante do Conesa, Aurélio Menari, disse que esses números já foram repassados para os 37 conselheiros na reunião extraordinária do órgão, em março, e que como se tratava de muitos dados não teria como repassá-los para a reportagem.

De qualquer forma, dados da própria Seab apontam que entre janeiro e abril deste ano foram exportados 9,7 mil toneladas de carne, somando US$ 31,7 milhões. No Brasil, no mesmo período, foram 517,3 mil (t) e US$ 1,8 bilhão, respectivamente. A exportação do Estado representa apenas 1,8% da brasileira. Se uma das apostas da secretaria é a de que com o status a exportação do Estado vai aumentar, o trabalho nesse sentido terá que ser bastante forte.

Mapa diz que discussão é oportuna 
O coordenador geral de combate a doenças, do Departamento de Saúde Animal do Ministério da Agricultura (Mapa), Guilherme Henrique Marques, observa que essa discussão sobre a suspensão da vacina de aftosa no Paraná é bastante oportuna. É um passo que se dá com muita segurança, com medidas compensatórias para a retirada da vacina, frisa. Entre as ações de segurança, destaca o incremento do sistema de vigilância. E completa dizendo que há, sim, a necessidade de se avaliar todos os impactos, inclusive os negativos, e repassá-los aos interessados. 

Segundo Marques, o pleito do Paraná foi avaliado e agora o Estado precisa se adequar às exigências do ministério, como melhorias nas barreiras sanitárias e contratação de pessoal. Ainda não há previsão para que o Mapa audite o Paraná. 

Para o representante do Mapa, essa decisão é governamental e não de partido e o Paraná tem demonstrado bastante profissionalismo para conquistar o status de área livre de aftosa sem vacina. E avisa que, caso o Estado conquiste esse status, o Mapa vai continuar fiscalizando porque, obviamente, não quer colocar o nome do País em risco. E sugere que esse status é uma responsabilidade compartilhada e que os produtores terão que ajudar nessa fiscalização.

Para produtor, passou da hora de suspender vacinação 
O pecuarista Oswaldo Pitol afirma que já está na hora do Estado suspender a vacinação. Ele lembra que o Paraná já estava perto de conseguir o status de área livre de febre aftosa quando houve a ocorrência de focos da doença em 2005 - para ele, nunca confirmados. E o Estado pagou caro por isso, agora chegou a hora de conquistarmos esse status, pontua. Na opinião dele, os riscos são pequenos, o Paraná está bem preparado e a Seab tem se cercado de toda a segurança. 

Haverá a restrição de gado de outras regiões, por outro lado o rebanho paranaense poderá circular em outros estados e seguir para exportação, reforça. Pitol ainda acrescenta que o Paraná tem condições de renovar seu rebanho sem importar animais porque sempre foi grande fornecedor de tourinhos para os estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo. E observa que há alternativas de se aumentar o rebanho sem que haja a necessidade de importar animais vivos, como por exemplo a compra de sêmem.


Comércio paranaense pode ser prejudicado
Para José Antônio Fontes, conselheiro do Conesa e presidente da Associação Nacional dos Produtores de Bovino de Corte (ANPBC), muitas perguntas ainda faltam ser respondidas. Segundo ele, durante a última reunião extraordinária do Conesa, em março, foram repassadas apenas informações superficiais. 

O que importa é saber o impacto disso em toda a cadeia. E, nesse sentido, nossas perguntas não foram respondidas, afirma Fontes. O pecuarista observa que se o Paraná for área livre de aftosa sem vacina, animais vivos de outras regiões não poderão entrar aqui, mas a carne sim. A preocupação dele é com a comercialização, com o fato de que os frigoríficos acabem comprando carne de outros estados, por exemplo, prejudicando o comércio paranaense. 

Além disso, teme que o Estado passe pelos mesmos problemas que Santa Catarina, reconhecida como área livre da doença sem vacina, onde a genética desapareceu. E observa que o Paraná não é uma ilha, não tem como viver isolado, depende do intercâmbio comercial com outras regiões. E reclama que desde que a Seab fez o pedido ao Mapa para que o Estado se torne área livre de aftosa sem vacina, a ANPBC vem solicitando à secretaria os impactos econômicos e técnicos dessa medida, mas sem sucesso. Eles dizem que pode abrir mercado. Mas isso não vai impactar em nada porque a exportação do Paraná representa muito pouco da nacional, frisa. 

Fontes pontua que a medida não pode ser política, tem que ser técnica e com responsabilidade, avaliando prejuízos, riscos e mostrando garantias desses impactos negativos. A medida é extremamente precipitada na forma e no tempo. É uma medida que tem que ser discutida profundamente, envolvendo outros estados, conclui. 

O pecuarista André Carioba observa que é preciso ter a salvaguarda dos riscos inerentes a essa medida. Lembra que os cuidados para manter o status deverão ser redobrados, pois o Paraná tem divisas com outros estados e países. Carioba teme que o Estado passe por um problema como o do Rio Grande do Sul, que não vacinava e em 2000 teve um foco da doença e o estado não conseguiu manter o status. 

Carioba participou essa semana de uma reunião sobre febre aftosa em São Paulo, durante a Feicorte, em que estavam presentes representantes do Mapa e de secretarias estaduais de agricultura de São Paulo, Minas e Goiás. Segundo o pecuaristas, eles acenaram com o interesse em também se tornar área livre da doença sem vacina, mas não pretendem isso agora. Na opinião dele, o Paraná deveria caminhar junto com esses estados. Tomar essa atitude agora e sozinho pode ser perigoso, pondera.

Seab assegura que será criteriosa
A Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab) está trabalhando forte para que o Paraná conquiste o status de área livre de febre aftosa sem vacinação ainda este ano. Barreiras sanitárias estão sendo construídas - outras reformadas - e novos funcionários contratados, tudo para atender as normas do Ministério da Agricultura e do Abastecimento (Mapa). 

Segundo Marco Antônio Teixeira Pinto, diretor do Departamento de Fiscalização e Sanidade Agropecuária (Defis) da Seab, será necessário construir mais duas barreiras sanitárias e reformar a maioria das 33 já instaladas. Os recursos para isso, acrescenta, estão sendo viabilizados junto ao Estado e à iniciativa privada. Cerca de 350 pessoas, entre médicos veterinários e técnicos que prestaram concurso em 2006, deverão ser contratados para completar o quadro de funcionários e potencializar a vigilância sanitária. 

A previsão é de que as contratações ocorram até 30 junho. E assim que as admissões se concretizarem, será possível solicitar a auditoria do Mapa, que autorizará ou não a suspensão da vacina. 

Segundo ele, a maioria das pessoas ligadas ao setor, principalmente produtores, deseja que isso aconteça porque o benefício se estenderá a outras cadeias produtivas, como a de suínos. Na reunião extraordinária do Conesa, segundo ele, as entidades foram favoráveis ao pedido do Estado de se tornar área livre de febre aftosa sem vacinação. Algumas entidades, admite, questiona se realmente esse passo trará benefícios. Mas avisa que a Seab não suspenderá a vacinação se a estrutura de prevenção não for segura. Não vamos nos aventurar, é uma decisão que precisa ser alicerçada, afirma. 

Teixeira Pinto confirma que a produção do Estado poderá ser afetada por conta da restrição da circulação de animais. Observa que o Estado é autossuficiente na área de reposição para produção. Porém, a reprodução terá que ser reestruturada. Não vai poder entrar mais touros de outras regiões, mas os pecuaristas poderão importar o sêmem, adianta. E reforça que as condições epidemiológicas atuais permitem que o Paraná tente conquistar o status nesse momento.

SRP terá que adaptar exposição 
O presidente da Sociedade Rural do Paraná, Gustavo Andrade e Lopes, comenta que os produtores da região sempre atuaram no sentido de ajudar o Estado a alcançar o status de área livre de febre aftosa sem vacinação, por conta dos devidos cuidados com o rebanho. Ele acredita em alguns benefícios da medida, mas confirma que a Exposição Agropecuária de Londrina, uma das principais do País, será impactada diretamente. 

Segundo ele, no último evento em abril circularam pelo parque cerca de 12 mil animais. Entre o gado de elite, que representou 75% do volume de negócios dos leilões, 70% dos exemplares vieram de outros estados. Lopes acrescentou que se conquistado o status de área livre de aftosa sem vacinação a entrada desses animais ficará proibida e que uma das saídas para amenizar esse impacto será aproveitar mais e melhor o gado paranaense. Não podemos pensar em uma situação isolada (como a da exposição em Londrina), temos que avaliar os benefícios dessa medida para o todo o Estado, ponderou. Porém, confirmou que haverá a necessidade, por exemplo, dos produtores paranaenses aumentarem o plantel. 

Erika Zanon
 


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