Como as fazendas experimentais ajudam o produtor a melhorar o desempenho de seu negócio. O nome é sugestivo: Fazendinha, uma propriedade de 314 hectares no município de Pedra Preta, próximo de Rondonópolis, a maior cidade do Estado de Mato Grosso, depois da capital Cuiabá. Mas, o que pode parecer uma área de lazer, em meio à imensidão de fazendas que facilmente ultrapassam três mil hectares para acomodar o maior rebanho bovino do País, é na verdade um centro de pesquisa que vem se tornando referência na região.
“Na Fazendinha, mostramos aos produtores como é possível traçar uma meta para rentabilizar a produção de gado”, diz o agrônomo Roberto Aguiar, 39 anos, dono da Fazendinha e sócio da brasileira Nutripura, de Rondonópolis, empresa de nutrição animal que no ano passado faturou R$ 75 milhões. “Bons resultados não são frutos apenas da nutrição, mas de uma equipe de peões e de gestores bem alinhados com as necessidades de uma propriedade.”
A Nutripura pode ser considerada uma empresa nanica perto de companhias como a Ourofino, de Cravinhos (SP), que fatura R$ 450 milhões por ano, ou de gigantes como a multinacional de origem holandesa DSM Tortuga, que fatura na casa do bilhão. Mas está em linha com a política de extensão rural que essas empresas praticam: elas mantêm áreas próprias para pesquisas, com o propósito de testar e desenvolver tecnologias.
A Ourofino, por exemplo, mantém uma área de 400 hectares no município de Guatapará (SP). Já a DSM possui a fazenda Caçadinha, de 5,2 mil hectares em Rio Brilhante (MS). “Com um centro próprio, podemos consolidar pesquisas mais abrangentes”, diz Jardel Massari, presidente da Ourofino. “Com isso, aceleramos nossos projetos.” Com o centro, que começou a funcionar em 2014, as pesquisas passaram a uma duração média de seis meses. Antes, em áreas terceirizadas ou em parcerias, a média era de 14 meses.
Hoje, no caso da Nutripura, o projeto de maior impacto mede os efeitos do uso de farelo proveniente de usinas de etanol de milho (DDG, na sigla em inglês). O subproduto, que é utilizado pelas fazendas americanas, pode ser um grande aliado na criação do gado. “O DDG possui excelentes características de nutrição e pode estar mais presente na dieta de bovinos”, afirma Aguiar. O Estado de Mato Grosso possui atualmente quatro usinas que processam o etanol de milho, com capacidade para ofertar cerca de 140 mil toneladas de DDG anuais. É uma mão na roda para um rebanho que não para de crescer desde a safra 2014. Atualmente são 30,2 milhões de animais, 3,3% acima de 2016, segundo o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea), ligado ao governo do Estado.
Para o agrônomo Moacyr Corsi, professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP) e membro do conselho técnico do centro da Nutripura, o caminho para melhorar a pecuária do País é as fazendas estarem com todas as informações na ponta do lápis, como os ganhos diários de peso e o que o gado está comendo. “É a falta de coleta e análise de dados que provoca incerteza no pecuarista”, diz Corsi. “Isso faz com que o produtor hesite em investir no sistema de produção.”
Corsi é um dos nove conselheiros do centro, que também conta com pesquisadores internacionais, como é o caso do veterinário americano James Drouillard, professor da Universidade do Kansas, além de brasileiros de outras universidades. A equipe é coordenada pelo veterinário Lainer Leite, diretor de pesquisa do centro. “Aos poucos, montamos um corpo técnico que vem agregando valor à nossa pecuária”, diz ele.
Para a alimentação de bovinos, o DDG é uma opção mais barata do que o farelo de soja. Hoje, uma tonelada custa R$ 980, cerca de 14% menos que o subproduto da soja. Na Fazendinha, o uso do DDG na safra passada significou uma queda de 11,7% no custo de cada arroba de carne produzida. Seria de R$ 94 com a soja, mas ficou em R$ 83 com o DDG. Além de ser mais econômica, os teores de proteína bruta no subproduto do milho chegam a 30%, ante 45% no farelo da oleaginosa. Essas pesquisas podem ajudar a reverter um quadro nada bom para a pecuária brasileira. A taxa anual de lotação de animais é muito baixa no Brasil. Por hectare, são cerca de 0,8 Unidade Animal (uma UA equivale a 450 quilos de peso vivo).
A experiência do centro da Nutripura mostra que a lotação, hoje de três UAs por hectare, equivalente ao rendimento de 55,9 arrobas por área, pode chegar a 3,2 UAs nos próximos três anos. Para Corsi, o centro que hoje faz três estudos anuais sobre nutrição, pode acelerar as pesquisas de campo. “No projeto da Fazendinha são possíveis estudos que não seriam viáveis em propriedades particulares”, afirma o pesquisador. “Principalmente porque são experimentos de longa duração.”
No caso da Ourofino, há 120 estudos em andamento, parte deles em processo de validação ainda neste ano. Além do gado de corte, as pesquisas se estendem ao gado leiteiro, aos ovinos, suínos e equinos. De acordo com a gerente de Pesquisa Clínica da Ourofino, Vanessa Rizzi, no gado de leite, por exemplo, a empresa estuda uma linha de antibióticos de resíduo zero. “Hoje, grande parte dos antibióticos aplicados em vacas em lactação exigem um tempo de carência de cinco dias para o retorno do animal à produção”, diz Rizzi. “Como as vacas precisam ser ordenhadas todos os dias, esse leite é descartado para uso humano e no aleitamento do bezerro”. Calcula-se que as perdas podem chegar a 250 litros de leite nesse período, por animal. A preços atuais são R$ 345 literalmente jogados fora. Com a tecnologia, e outras que certamente virão, essa perda que está indo para o lixo vai deixar de pesar no bolso do produtor.
Fonte: Dinheiro Rural