15/05/2012 às 07h39min - Atualizada em 15/05/2012 às 07h39min

Estreitamento de laços da pesquisa e extensão na cadeia láctea: um mundo possível

Desde a época do descobrimento pelos portugueses até os dias atuais, o Brasil possui vocação de produção agrícola, celeiro do mundo.    Entretanto, temos uma cadeia láctea frágil e essencialmente desarticulada, do produtor ao consumidor, fruto também da pouca união das instituições de pesquisa e de extensão para levar todo conhecimento gerado até produtor familiar de leite. Infelizmente, o plano de criação da Embrapa e OEPA´s (Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária, como a EPAMIG) na década de 70 e em 1948 da Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais – ACAR atual EMATER – MG não foram passos que seguiram concomitantemente.  Embora hoje a PNATER (Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) atenda cerca de 93 % das cidades brasileiras, há um grande desafio ao extensionista pela sua participação no processo de geração de conhecimento, ou seja, há uma necessidade de reestruturação do modelo clássico de extensão rural.  Surgido na década de 30 para assegurar a disseminação da tecnologia em leite e derivados do campo à indústria, o Instituto de Laticínios Cândido Tostes poderia ser esse elo.  Entretanto, face a escassos investimentos estaduais durante décadas e por não ter abrangência e posicionamento estratégico federal, não pôde cumprir totalmente seu papel, conquanto tenha participado desde então da transformação do setor lácteo, especialmente do industrial.   

A estrutura da produção de leite do Brasil é diferenciada de países tipicamente exportadores (como Austrália e Nova Zelândia) já que aqui muitos produzem pouco e poucos produzem muito.  Por exemplo, dados mostram que há produtores de até 30 mil litros de leite por dia, bem como os que produzem de 1 a 2 litros, apenas para alimentação de sua família e, nas maiores indústrias de laticínios do país, responsáveis por 53% do leite sob inspeção, a produção média é de 80 litros/produtor/dia, enquanto o IBGE (2007) apontou para 27 litros/produtor/dia, o que mostra claramente uma desorganização da contagem oficial de produção de leite, fazendas.  Além disso, tudo parece conspirar contra a produção familiar de leite de pequeno porte no Brasil: a pressão do mercado consumidor e governo (e, conseqüentemente, das indústrias), por leite de melhor qualidade higiênica, sanitária e físico-química; a busca da diminuição de custos ao longo de toda a cadeia produtiva, especialmente nos custos de produção nas fazendas e nos de transporte, beneficiamento, embalagem e distribuição nas indústrias; a disputa por mercados regionais e a competitividade com outros países, além de outros fatores.  Por isso, estes empreendimentos somente sobreviverão se tiverem tecnologias adequadas de alimentação e manejo do rebanho, de gado, de genética mais apurada para a produção de leite, de gerência profissional das atividades da fazenda e outras tantas que são geradas por centros de pesquisa.

Os pequenos agricultores não possuem orientação técnica adequada; pelo fato de ser país continental, os órgãos de extensão não conseguem atender de forma eficiente e adequada a tantos quantos lhes prospectem e demandem.  Além disso, muitos desses órgãos possuem em pequena quantidade profissionais qualificados para suas atividades (engenheiros agrônomos, zootecnistas, nutricionistas, técnicos agrícolas, veterinários, engenheiros de alimentos e outros).   

Em Santa Catarina, por exemplo, estudos mostraram que os produtores estão mais organizados e mais exigentes quanto às suas demandas de pesquisa, ao mesmo tempo em que as organizações de pesquisa têm que se preparar para o nível de exigência dos produtores, principalmente no que diz respeito a um trabalho integrado produtor-pesquisa-extensão rural, a uma visão de interdisciplinaridade que vai muito além da integração das disciplinas científicas e que implica no trabalho em rede; em outras palavras: é impossível a pesquisa sobreviver se distanciando da extensão e, conseqüentemente, do produtor.  Isso é corroborado quando a pesquisa citou a necessidade do surgimento do “novo pesquisador”; não cabendo mais a figura do pesquisador “puro”, que não se envolve com outras atividades, além da pesquisa stricto sensu e sim mais sintonizado com os problemas demandados pela sociedade; que seja um indivíduo que participe de uma reunião de agricultores, que conviva com uma cooperativa.  É muito em função de todos esses aspectos que tem sido desenvolvida e fomentada a parceria entre a EMATER – MG – Unidade regional de Juiz de Fora e a EPAMIG – Instituto de Laticínios Cândido Tostes desde 2007.  Como muitos pequenos produtores de queijos, leite, doces e iogurtes já fabricavam seus produtos na região, faltava-lhes a orientação técnica de produção, segurança alimentar, higienização, boas práticas de fabricação, legislação e sanidade animal.  Além disso, faltavam orientações quanto ao correto modo de construção e instalações de processamento de alimentos segundo normas oficiais hoje existentes.  Com um corpo técnico qualificado e com conhecimento a ser disseminado, tem-se buscado levar alguns pesquisadores a campo no intuito de aproveitar a inserção da EMATER no meio rural e atender a seus moradores no local onde os problemas existem, levando soluções já estudadas/pesquisadas ou procurando estudá-las, conquanto sejam enormes ainda os desafios a serem enfrentados.

Nesse sentido, pode-se afirmar categoricamente que, somente quando houver uma “Política Nacional do Leite”, onde haja uma diretriz clara e conjunta do papel de cada instituição de pesquisa e ensino atuando lado a lado com o setor de extensão e ao mesmo tempo um investimento maciço em capital humano e recursos materiais é que poder-se-á pensar num Brasil rico em leite, com leite “rico”.



Autor: Pedro Henrique Baptista de Oliveira

Referências bibliográficas: 

Castro, C.E.F.; Bulisani, E.A.; Pettan, K.B.; Carbonell, S.A.M.; Maia, M.S.D. Pontes para o futuro. CONSEPA. 1ª. ed. Campinas, 2005. 149 p.
Benedetti, E. Reflexos da validação tecnológica em sistemas de produção de leite de pequenos produtores. In Tecnologias de produção de leite a baixo custo para Minas Gerais. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite, 2006. 136 p.
Bernardo, W.F.; Muniz, J.N.; Moreira, M.S.P. A valorização do extensionista pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – Pnater. Alternativas sustentáveis para produção de leite no Estado de Minas Gerais. Cap. 3. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite, 2007.
Bonelli, R.; Pessoa, E.P. O papel do Estado na pesquisa agrícola no Brasil. Rio de Janeiro. 1998. IPEA. Disponível em: http://desafios2.ipea.gov.br/pub/td/1998/td_0576.pdf. Acesso em: 11/03/2009.
Bressan, M. Saídas para a pequena produção de leite no Brasil. Disponível em: http://gipaf.cnptia.embrapa.br/publicacoes/artigos-e-trabalhos/bressan98-1.pdf. Acesso em: 06/03/2009.
Santos, L.W.; Ichikawa, E.Y. Ciência, tecnologia e sociedade: visões sobre transformações da pesquisa agrícola no Brasil. Organizações rurais e Agroindustriais. Revista de Administração da UFLA – v.5 – n.2 – julho/dezembro 2003.

Autor: Pedro Henrique Baptista de Oliveira - PESQUISADOR/PROFESSOR. Projetos, instalações e equipamentos para laticínios. EPAMIG – INSTITUTO DE LATICÍNIOS CÂNDIDO TOSTES. (32) 3224-3116


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