11/05/2013 às 09h31min - Atualizada em 11/05/2013 às 09h31min

Disputa pelo leite favorece a figura do intermediador no Rio Grande do Sul

Jornal do Comércio

A atuação de transportadores que negociam junto às indústrias a venda de leite adquirido de produtores veio à tona a partir da operação que revelou a ocorrência de fraude justamente nesse elo da cadeia. 

Sondados pela indústria, que depende cada vez mais do produto para atender à capacidade industrial instalada no Estado, os transportadores viam a possibilidade de ampliar a margem de lucro adulterando a composição do leite com a adição de água e ureia - que, segundo a chefe da Divisão de Defesa Agropecuária do Estado do Ministério da Agricultura (Mapa), Ana Lúcia dos Santos Stepan, contém moléculas de formol. 

Como tentativa de contornar essa atuação, o secretário estadual de Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, sustentou, na quarta-feira, o fim da atuação dos transportadores, defendendo que a indústria assumisse essa etapa do processo - sugestão refutada pelo superintendente federal de agricultura do Rio Grande do Sul, Francisco Signor. “Temos milhares de transportadores que são responsáveis por fazer com que todas as pequenas propriedades cheguem à indústria. Se banirmos o transportador, o supermercado não vai ter mais leite amanhã”, argumentou. “As empresas não têm como tomar conta disso e adquirir frotas para transportar o leite. Esqueçam isso. Não é viável”, acrescentou. 

O presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), Ernesto Krug, explica que a presença do “caminhoneiro comprador” no setor já havia sido eliminada da cadeia, sendo retomanda nos últimos anos por conta da demanda da indústria. Krug conta que os transportadores que intermediavam o comércio do leite cru começaram a ser tirados da cadeia, ano a ano, a partir de 1976 e que no início da década de 1980 apenas as empresas menores dependiam desse profissional - habitualmente, esclarece, a indústria e as cooperativas tendem a fazer contato direto com os produtores. “Os caminhoneiros compradores voltaram a atuar na medida em que começou a faltar leite e que outros estados começaram a buscar o produto gaúcho. E, com isso, essa figura passou a ser o grande químico da paróquia”, conta. 

Na quarta-feira, quando a Operação Leite Compensado foi noticiada, Mainardi destacou como fundamental o aumento na produção de leite. “A indústria tem uma capacidade instalada de 18 milhões litros e precisaria, para atender essa capacidade, de 15 a 16 milhões. Então, temos aí uma possibilidade de aumentar em 50% a produção de leite para atender à demanda da indústria”, esclareceu. O secretário afirma que a produção diária de leite é de 10 milhões de litros.

Para conseguir leite em maiores quantidades, as indústrias remuneram os transportadores pelo volume transportado. “O pagamento por volume de leite e não por quilômetro foi uma das coisas que acabou causando isso”, avalia Ana Lúcia. “Na medida em que começarmos a remunerar produtores pela qualidade e pagar transportadores pelo quilômetro rodado, isso pode ser reduzido”, orienta. Signor acrescenta que é preciso criar mecanismos para equilibrar a conta entre volume e rodagem. 

Os representantes do Mapa reforçaram junto à imprensa que a responsabilidade em validar a qualidade da matéria-prima entregue às indústrias é das empresas, que, conforme o regramento do Ministério, são responsáveis também pelo produto que estão disponibilizando para o mercado – o órgão atua como fiscalizador desse processo. Signor salientou que em abril todas as marcas que atendem ao mercado gaúcho foram testadas sem que houvesse identificação de irregularidades, sendo injustificada a retirada de lotes das marcas que tiveram lotes comprometidos com a presença de formol – retirados preventivamente do mercado ainda durante o período de investigação, quando as indústrias ficaram condicionadas ao Regime Especial de Fiscalização. 


Secretaria da Agricultura do Estado retira mais três marcas do mercado
A Coordenação de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Cispoa), órgão da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio, em conjunto com a Secretaria Estadual da Saúde, responsável pela fiscalização do comércio de animais, determinou a retirada de novos lotes do leite Latvida e das marcas Hollmann, Goolac e Só Milk. Na quarta-feira, durante a Operação Leite Compensado, já haviam sido retirados do mercado lotes com as marcas Mu-Mu, Líder, Italac, além de Latvida. 

O presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat), Wilson Zanatta, afirmou que a entidade acompanha a investigação desde novembro, ressaltando que “o problema não está na indústria”. “Nós mantivemos o sigilo esse tempo todo para deixar a promotoria pública trabalhar e chegar até os culpados”, justifica. Zanatta esclarece que a entidade trabalha no sentido de propor sugestões para consolidação de uma legislação para os transportadores. “Hoje a fiscalização recai sobre as figuras dos produtores, da indústria e dos consumidores. O transportador que é um elo importante dessa cadeia, não possui nada que regre a sua atividade”, afirma, lembrando que a operação deflagrada apontou que a indústria não estava envolvida com as adulterações. O Sindilat defende a construção de regramentos, atendendo às proposições da indústria, do Ministério Público que respeitem às necessidades do setor.

Já a Latvida apresentou contraprova ao teste realizado pela inspeção do Ministério da Agricultura. O documento, assinado pela engenheira de alimentos Lidiane da Fré Migotto, do Laboratório Alac, de Garibaldi, não detectou presença de formaldeído no lote divulgado na terça-feira. “Realizada análise da contraprova no laboratório ALAC, credenciado pelo Ministério da Agricultura, ficou demonstrado que o lote de leite UHT desnatado fabricado em 16/02/2013 e com validade até 16/06/2013, colocado sob suspeição, não apresentava adulteração. Registre-se, porém, que, por segurança, o lote suspeito já havia sido total e imediatamente retirado do mercado”, ressaltou o sócio-diretor da empresa, Rui Sulzbach.


Setor pode ser prejudicado com queda no consumo do produto
O impacto negativo da Operação Leite Compensado para a cadeia do leite, segundo o presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), Ernesto Krug, é inevitável, mas não deve ter repercussão por longo prazo. “Com certeza vai dar um impacto no consumo, eu estimo, pela experiência de épocas anteriores, o que normalmente acontece, uma queda de 5% a 8%”, prevê. Embora não represente perigo à cadeia, Krug destaca que é preocupante a ocorrência de fraude. “Sempre que se identifica esse pessoal que adultera, eles são eliminados da cadeia”, explica, ressaltando que a margem de profissionais agindo de má-fé é pequena.

“Temos que mostrar para o consumidor que isso é uma exceção. Um ou outro transportador é que fez isso, mas, neste momento, não está mais fazendo”, ressaltou o secretário estadual de Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, que considera possível a queda no consumo do produto, ressalvando, no entanto, que não acredita em “prejuízo muito grande e nem permanente”.

O vice-presidente administrativo da Gadolando, José Augusto Japour, lamentou que a notícia coincida com o lançamento da Expoleite, mas que o debate público sobre o tema é importante para criar mais mecanismos de controles. “Os maiores prejudicados são os bons produtores, que acabam sofrendo com a fraude de poucos”, disse. 

O vice-presidente do Conselho do Leite (Conseleite), Jorge Luiz Machado Rodrigues, argumenta que o prejuízo afeta a “cadeia como um todo”, mas que a regra é de boa qualidade do produto. O Conseleite, vinculado ao Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat), discute a qualidade do produto de maneira frequente. “Avaliamos como muito importante o que aconteceu no que diz respeito à segurança.” 


Marina Schmidt e Rafael Vigna

 


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