15/08/2023 às 10h44min - Atualizada em 15/08/2023 às 10h44min

Cultura microbiológica do leite na fazenda: Uma nova ferramenta para o diagnóstico de mastite

Susana N. de Macedo, Cristina S. Cortinhas, Marcos V. dos Santos
Revista Leite Integral
Divulgação: Revista Leite Integral

O tratamento para os casos de mastite clínica varia de acordo com o patógeno, que somente pode ser identificado após a realização da cultura microbiológica do leite. Nestes casos de mastite, os sistemas de diagnóstico microbiológico na fazenda possibilitam a tomada de decisão adequada quanto à utilização ou não de terapia antimicrobiana. Se as amostras forem coletadas e processadas de forma estéril a cultura microbiológica na fazenda apresenta boa acurácia e é uma ferramenta para a elaboração de uma terapia adequada para cada caso de mastite.

Introdução
A mastite é um dos grandes gargalos da pecuária leiteira, motivo de redução na qualidade e quantidade de leite produzido. Caracterizada como processo inflamatório da glândula mamária causado por microrganismos, a mastite é a doença responsável pela utilização de grande parte dos antibióticos em rebanhos leiteiros. No mundo inteiro, é crescente a pressão para a redução do uso de antibióticos em animais de produção, pois existe risco de que o uso irrestrito destes antibióticos pode ser responsável por aumento da resistência aos antimicrobianos em medicina humana. Desta forma, faz-se necessário o conhecimento de informações que orientem os técnicos em relação à tomada de decisões quanto aos protocolos de tratamento da mastite a serem utilizados.

A cultura microbiológica do leite na fazenda é uma técnica já utilizada em outros países que, de forma geral, identifica a presença do microrganismo no quarto mamário e fornece determinada classificação, importantes na tomada de decisões quanto à utilização de tratamentos. Especificamente, a cultura microbiológica de leite na fazenda auxilia nas decisões de tratamento para casos de mastite clínica e na utilização da terapia seletiva da vaca seca, além de identificar determinadas espécies de microrganismos.
 
Decisões de tratamento de mastite clínica
A mastite clínica pode ser causada por grande diversidade de bactérias e a utilização de uma terapia apropriada para esses casos é uma decisão que deve ser tomada com base em informações específicas sobre o agente, a vaca e o tipo de droga a ser usado. Para estabelecer um esquema de tratamento adequado é fundamental conhecer o patógeno causador a fim de escolher um antimicrobiano com um espectro de atividade apropriado.

Os objetivos do tratamento da mastite são a prevenção da doença sistêmica, o rápido retorno da vaca para a ordenha e a produção de leite comercializável. Para o estabelecimento de um protocolo de tratamento efetivo, é necessária a avaliação de fatores de risco, tais como a idade e o histórico de mastite da vaca, além do conhecimento do provável patógeno. Em geral, quando a mastite é causada por patógenos Gram-positivos, é necessário tratamento intramamário com antibióticos. Já para a mastite causada por patógenos Gram-negativos, o tratamento com antibióticos pode não ser necessário. Também há casos que o próprio sistema imune da vaca pode combater o patógeno, em particular nos casos em que a cultura microbiológica é negativa. Em um estudo realizado no Canadá, 43,9% de mais de 3 mil amostras de leite de vacas com mastite clínica apresentaram resultado negativo na cultura microbiológica. No Brasil, o índice de amostras negativas é de aproximadamente 25%.

Em um estudo com sete antimicrobianos para tratamento de mastite, apenas os patógenos Gram-positivos apresentaram taxa de cura que justificasse o tratamento com antibióticos. Já para os casos de mastite clínica, em cerca de 50 a 80% dos casos não foi necessário o uso de antimicrobianos. As infecções causadas por patógenos Gram-negativos geralmente apresentam alta taxa de cura espontânea, entretanto, algumas cepas podem apresentar fatores de virulência que aumentam a persistência na glândula mamária. Nestes casos, pode ser necessário o uso de protocolos de tratamento com maior duração.

Sendo assim, a terapia antimicrobiana deve ser utilizada somente em casos de mastite causada por patógenos que respondem ao tratamento com antibióticos. Dessa forma, descarta-se menos leite com resíduo e o custo por caso de mastite pode reduzir. Para atingir esse objetivo, pode ser utilizado um sistema de análise de cultura microbiológica do leite na fazenda. O princípio básico desse método é limitar o uso de antimicrobianos e, consequentemente, reduzir a quantidade de leite descartado, além de estabelecer uma terapia de duração adequada para cada caso.
 
Terapia da vaca seca seletiva
Desde o desenvolvimento do plano de controle da mastite nos anos 1960, tem sido recomendada a prática de tratar todas as vacas na secagem com um antibiótico intramamário. O objetivo da terapia da vaca seca é eliminar infecções existentes e prevenir novas infecções durante o período seco. As infecções intramamárias que ocorrem neste período contribuem significativamente para o aumento no número de quartos infectados na lactação seguinte e para a consequente redução da produção de leite. A terapia da vaca seca consiste na infusão intramamária de antibiótico de longa ação específico para esse fim, em cada quarto mamário, após a última ordenha antes da secagem.

Com o uso da terapia da vaca seca há aumento da taxa de cura em relação aos tratamentos realizados durante a lactação e diminuição do custo, pois não há descarte de leite com resíduos de antibióticos. Se for respeitado o período seco de pelo menos 60 dias é mínimo o risco de ocorrer resíduos no leite após o parto. Porém, é crescente a preocupação com o uso indiscriminado de antibióticos em animais de produção e o uso da terapia da vaca seca em todos os animais tem sido questionado em alguns países nos quais o controle de mastite contagiosa já atingiu padrões de excelência. Nestes países, uma alternativa é o uso da terapia da vaca seca seletiva. Este método consiste na aplicação do tratamento da vaca seca em apenas algumas vacas ou quartos, baseando-se na cultura microbiológica ou na CCS. Com a realização da cultura microbiológica do leite na fazenda, é possível selecionar quais animais devem receber o tratamento na secagem e quais podem ser tratadas somente com o selante de tetos. Os resultados da adoção dessa prática são evidenciados num curto prazo em rebanhos com alta incidência de mastite contagiosa. Nos casos de infecções crônicas, nem sempre a terapia da vaca seca é efetiva, mas é preciso realizar os procedimentos de forma adequada, pois, caso contrário, podem ocorrer novas infecções. Portanto, é necessário seguir o protocolo de tratamento de forma correta e respeitar a duração de pelo menos 60 dias do período seco.
 
Metodologias de cultura na fazenda
Para o sucesso da utilização da cultura de leite na fazenda faz-se necessário conhecer a classificação da mastite clínica segundo o seu o grau de gravidade. De forma prática, se o caso de mastite for classificado com gravidade de grau 1 ou 2 uma amostra de leite é coletada para realização da cultura microbiológica na fazenda e nenhum antibiótico é aplicado até que se saiba o resultado (geralmente 24 horas). Se o caso de mastite for classificado como grau 3, o animal é tratado com protocolo específico para casos de mastite aguda e a cultura do leite não é realizada.

Os procedimentos para a realização de uma cultura microbiológica bem sucedida se iniciam com a coleta de leite, do quarto mamário com mastite, antes da ordenha e de forma asséptica. Para tanto, são necessários frascos estéreis, algodão ou papel e álcool 70%, para desinfecção dos tetos. A cultura microbiológica do leite proveniente de um quarto mamário pode apresentar crescimento de um ou no máximo dois agentes causadores de mastite, mas se houver o crescimento de três tipos de microrganismos, a amostra deve ser considerada contaminada.

Atualmente, as metodologias mais utilizadas para a cultura microbiológica na fazenda são a por Petrifilme (Canadá) e a em meios de cultura (Minnesota – EUA). A metodologia canadense consiste na inoculação de um microlitro de leite diluído (1:10), em placas petrifilme (3M) para contagem de aeróbios (Figura 1) e para a contagem coliformes, incubação em estufa à 35ºC por 24hs e leitura manual. Nesta metodologia os agentes causadores de mastite são classificados como Gram-positivos, Gram-negativos ou sem crescimento, com sensibilidade (identificação dos positivos) de 93,8% e valor preditivo negativo (identificação de negativos) de 89,7%.
 
A metodologia americana (Minnesota Easy Culture System II) é realizada em meios de culturas que permitem a identificação de bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e, dependendo do meio de cultura utilizado, é possível ter um diagnóstico presuntivo do agente causador. Nesta metodologia são utilizadas placas descartáveis bipartidas ou tripartidas com os seguintes meios de cultura:
• Placas bipartidas divididas em meio de cultura Factor e MacConkey seletivos para crescimento de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, respectivamente. 
• Placas tripartidas divididas em meio de cultura Factor, TKT modificado e MacConkey seletivos para crescimento de bactérias Gram-positivas, bactérias do gênero estreptococos e bactérias Gram-negativas, respectivamente.
 
Após a coleta, as amostras de leite são inoculadas em toda superfície das placas bi ou tripartidas com o auxílio de um swab estéril, são incubadas à 37ºC em estufa e a leitura é realizada após 24hs. Para o sistema Minnesota Easy Culture System II a sensibilidade e valor preditivo negativo são 97,9% e 96,4%, respectivamente. De forma geral, a grande diferença entre os sistemas de cultura canadense e americano é a durabilidade dos meios de cultura. Os petrifilmes têm uma durabilidade (meia vida) de um ano, enquanto a durabilidade das placas bipartidas ou tripartidas é de seis semanas. Desta forma, em fazendas de pequeno porte, a utilização de placas petrifilme torna-se mais indicada.

Uma das dificuldades para a implementação de um sistema de cultura microbiológica do leite na fazenda é a necessidade de um local apropriado para o laboratório. É imprescindível que o mesmo esteja localizado em área limpa, bem iluminada, com temperatura estável e longe de áreas de preparação e estocagem de alimentos. Outra dificuldade é a necessidade de equipamentos: um freezer, um refrigerador, uma estufa, em uma área de trabalho de fácil acesso. As amostras de leite devem ser coletadas e processadas de forma estéril para que não haja contaminação durante os procedimentos e os resultados sejam confiáveis, por isso, a presença de uma pessoa treinada para ler as placas e avaliar os resultados é um fator determinante para o sucesso da implantação desta metodologia.

Pesquisadores americanos avaliaram o uso da cultura microbiológica do leite em uma fazenda com rebanho leiteiro de 600 vacas que apresentava problemas com mastite clínica e excessivo uso de antibióticos. Para cada caso clínico foram coletadas duas amostras, sendo uma para análise na fazenda pelo método canadense (Petrifilm) e outra enviada para um laboratório especializado. O treinamento adequado do funcionário para a correta interpretação dos resultados do Petrifilm foi essencial para o correto diagnóstico. O uso da cultura microbiológica na fazenda foi uma ferramenta efetiva para a adoção de um protocolo de tratamento racional e, consequentemente, redução do custo com antimicrobianos e descarte do leite de US$ 264 para US$ 90 por caso de mastite.
 
Conclusão
O tratamento para os casos de mastite clínica (de leve a moderada ou graus 1 e 2) varia de acordo com o patógeno, que somente pode ser identificado após a realização da cultura microbiológica do leite. Nestes casos de mastite, os sistemas de diagnóstico microbiológico na fazenda possibilitam a tomada de decisão adequada quanto à utilização ou não de terapia antimicrobiana. Se as amostras forem coletadas e processadas de forma estéril, independentemente do método utilizado (Minnesota ou por Petrifilm), a cultura microbiológica na fazenda apresenta boa acurácia e é uma ferramenta para a elaboração de uma terapia adequada para cada caso de mastite. Entretanto, qualquer que seja o sistema utilizado, é importante submeter rotineiramente amostras de leite para diagnóstico microbiológico em laboratórios especializados, para o controle de qualidade da técnica utilizada na propriedade.

A adoção de uma terapia diferenciada para cada caso de mastite diminui os custos com antibióticos e com o descarte do leite e eleva a eficácia do tratamento. A interpretação da cultura de leite deve estar associada aos fatores de risco, como idade e histórico de mastite da vaca, para que seja possível recomendar a melhor alternativa para cada caso: tratar ou não com antimicrobianos, segregar, secar ou descartar.

Autores: Susana N. de Macedo, Cristina S. Cortinhas, Marcos V. dos Santos
Fonte: Revista Leite Integral

Atualizado em 15.08.2023

 


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