01/11/2019 às 10h48min - Atualizada em 01/11/2019 às 10h48min

A cadeia do leite também sofrerá ruptura como ocorre com outras indústrias?

Marcelo Pereira de Carvalho

Nas últimas semanas, assistimos a uma profusão de notícias a respeito de investimentos milionários em startups que prometem desde criar hambúrgueres vegetais (o que, a rigor, não é nenhuma novidade, ainda que a tecnologia prometa que a experiência seja cada vez melhor para o consumidor) até nuggets de frango feitos a partir de células em laboratório, como a Just, ou peixe feito também a partir de culturas de células, como é o caso da Finless.

Voltemos um pouco no tempo. Jorge Paulo Lemann e seus colegas do 3G tornaram-se bilionários ao investir em setores maduros, com poucas mudanças (ao contrário, por exemplo, da área de tecnologia), visando adquirir marcas fortes produzidas por empresas com gaps claros de gestão. Arrumando a casa, a receita de sucesso estava garantida. O resto já estava feito e pouco mudaria para frente.

Esse mundo está se transformando. E rapidamente. Do lado do consumidor, a descrença nas grandes marcas tem favorecido que novas entrantes, com narrativas e posicionamentos mais alinhados ao consumidor mais jovem, ganhem espaço. Uma pesquisa da McKinsey (que palestrará no Dairy Vision 2019, 26 e 27 de novembro, no Expo Dom Pedro – Campinas/SP) mostrou que os millenials (nascidos entre 1980 e 2000) são 2,8 vezes mais propensos a comprar novas marcas e 3,7 vezes mais propensos a evitar as grandes empresas (as chamadas CPGs ou consumer packed goods).

Assim, investir em grandes marcas e arrumar a casa não é mais garantia de sucesso. Jay Waldvogel, vice-presidente da Dairy Farmers of America, maior cooperativa de captação de leite dos EUA, disse no Dairy Vision 2018 que, para ser grande, hoje é necessário estar presente em diversos pequenos mercados. É a ditadura do nicho, que se contrapõe ao cenário anterior de produtos globais destinados ao mercado de massa.

Mas as mudanças vão além. Até então, uma máxima garantia que nós, produtores, indústrias e prestadores de serviços atuantes na produção de proteínas animais teríamos futuro garantido: “por mais que o mundo mude, as pessoas precisarão comer”. Se a tecnologia que vende música mudar radicalmente, não é problema nosso. Se a indústria do transporte se transformar completamente, idem. O fato é que teremos 9,6 bilhões de pessoas para alimentar em 2050, em um processo de urbanização e aumento da renda média, o que certamente demandará mais proteínas animais.

Que as pessoas precisarão comer, não resta dúvida. Mas os exemplos que abriram esse artigo nos fazem refletir: até que ponto os alimentos de laboratórios (ou vegetais turbinados) roubarão parte do mercado prometido para as proteínas animais convencionais? Estudo do Banco Barclays aponta que as carnes artificiais (vegetais ou animais) terão 10% de mercado até 2030, o equivalente a US$ 140 bilhões/ano. É uma enormidade, mas 90% do mercado ainda serão convencionais.

Mas e se a mudança for mais rápida? Um artigo assustador (e um tanto sensacionalista) publicado no Food Navigator prevê que até 2030 a indústria de lácteos e de carnes dos EUA terá colapsado, na medida em que fábricas de proteína microbiana se desenvolvem. A previsão é do think tank RethinkX, cujos críticos dizem que vive em uma “fantasia vegana.”

Mas as mudanças de qualquer forma ocorrem e não convém ignorá-las. No caso do leite, já há exemplos de produtos de laboratório, além, claro, dos “leites” de amêndoa, coco e afins, que prometem entregar uma experiência compatível com o leite tradicional, sem obviamente envolver a exploração de animais, aí entrando o discurso da ética, meio ambiente e efeitos na saúde.

O exemplo mais evidente hoje é a NotCo, startup chilena investida por Jeff Bezos, da Amazon, que, por meio de um algoritmo matemático apelidado de Giuseppe, pretende combinar moléculas e produzir um similar ao leite. A NotCo, que já está no Brasil e cujo diretor no país participará do Dairy Vision 2019, é, afinal, uma empresa de alimentos ou de informática?

Um dos paradoxos dessa mudança tecnológica é que o concorrente não é mais quem costumava ser. A Tesla, por exemplo, é muito mais uma empresa de software do que de carros, à medida que a proposta de valor gerada pela experiência depende cada vez mais do software.

A mudança tecnológica permite que novas soluções sejam geradas para dores antigas, reinventando setores inteiros, mesmo aqueles aparentemente pouco suscetíveis a mudanças. Vejamos, por exemplo, o segmento de cercas de arames para animais. O que ocorrerá com ele caso as soluções utilizando GPS e sensores nos animais se disseminem, como é o caso da Agersens, de cercas virtuais? Certamente, ao ler esse artigo, você pensará em outros exemplos dessa transformação. Assim, as empresas do setor lácteo devem começar a pensar que seu concorrente não será mais apenas aquelas empresas que se parecem com elas, mas também empresas insurgentes que emergem de áreas como a inteligência artificial.

É bem provável que a mudança não seja tão rápida assim no nosso segmento. É comum a mídia fazer enorme barulho e, no frigir dos ovos (produzidos por galinhas!), o ritmo de mudança é mais lento. Também, há inúmeras oportunidades de diferenciação e crescimento no mercado de proteínas animais convencionais. O mundo atual, afinal, é um mundo cada vez mais de nichos. O natural e o real sempre terão apelo especial.

Ao mesmo tempo em que as chamadas “frankenfoods” crescem, também se desenvolvem os produtos artesanais, tradicionais, feitos localmente. O importante é escolher onde e como competir, ou a concorrência vai decidir por você.

Se você está confuso com tudo isso, se a velocidade de mudança está acima do que você acha que consegue acompanhar, parabéns! Significa que você está começando a entender o contexto. O ponto-chave é se informar e participar de fluxos relevantes de informação.

Marcelo Pereira de Carvalho é fundador e CEO da AgriPoint e realizador do Dairy Vision.

Fonte: Texto Comunicação


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