Coagulação do leite para fabricação de queijos
O queijo é um dos melhores alimentos do homem, não só pelo seu alto valor nutritivo (proteínas, matéria graxa, cálcio e fósforo), como também pela grande variedade de tipos existentes. Os queijos representam uma forma de conservação dos componentes insolúveis do leite, sendo obtidos pela coagulação deste seguida de dessoragem, que consiste em separar o lacto-soro da coalha formada. Este soro contém a maior parte da água de constituição e dos compostos solúveis do leite, ao passo que a coalhada retém apenas uma pequena parte destes componentes.
O método de coagulação pode influir nas características físicas, químicas e organolépticas do coágulo obtido, interferindo também na composição do lacto-soro. Assim é que o tipo de coagulação empregado no processamento de queijos constitui um dos parâmetros passíveis de serem controlados visando à obtenção de diferentes características no produto final.
A coagulação do leite pode ocorrer, principalmente, de três maneiras distintas:
- Coagulação enzímica utilizando normalmente renina, e que origina um gel de fosfoparacaseinato;
- Acidificação do leite até o ponto isoelétrico da caseína (pH 4,6), obtida por meio de fermentação láctica, adição de ácidos ao leite ou hidrólise de lactídeos ou de lactonas;
- Precipitação por acidificação direta do leite aquecido a 80-90ºC. Segundo ALAIS, os efeitos da acidez e do calor sobre as proteínas se somam, ocorrendo um aumento do ponto isoelétrico das caseínas com a elevação da temperatura do leite, resultando em um valor denominado ponto isoelétrico aparente. Isso ocorre, presumivelmente, devido à associação das caseínas com as proteínas do soro com o aquecimento. Deste modo, quando o leite é tratado com ácido e calor, as caseínas e as proteínas do soro precipitam e o produto se denomina co-precipitado. Como as proteínas do soro são ricas em cistina (1,9 a 6,5%), a deficiência das caseínas neste aminoácido é corrigida com o fenômeno da co-precipitação (1, 2). Assim é que a acidificação do leite aquecido, processo utilizado na elaboração do “Queijo Branco”, resulta num precipitado de caseínas e proteínas desnaturadas do soro. Isto constitui uma vantagem, não só do ponto de vista de nutrição (incorporação de cistina), como também econômico, já que as proteínas do soro correspondem a cerca de 0,6% do leite ou quase 20% do total de suas proteínas.
Devem-se salientar, todavia, os efeitos práticos dos três processos de coagulação sobre o coágulo formado. Assim é que o coágulo produzido pela renina apresenta considerável elasticidade, contrai-se eliminando o soro presente e a retração da massa aumenta com o desenvolvimento da acidez. Já o coágulo formado somente pela ação do ácido não é tão elástico, apresentando-se ainda gelatinoso e frágil, tendendo a se fragmentar mais e a contrair menos do que o enzímico. Por outro lado, a co-precipitação por meio de acidificação direta do leite aquecido, ocorre com formação de flocos ou grãos, ao invés do gel homogêneo por fermentação láctica ou pela ação da renina.
Caracterização do “Queijo Branco Latino-americano”
De modo geral, os queijos elaborados a partir de leite de vaca não são realmente brancos, devido à presença de B-caroteno que os tornam ligeiramente amarelados. Apesar disto, vários tipos são tradicionalmente conhecidos como queijos brancos, tendo-se, como exemplos, os queijos “Cottage”, “Quarg”, “Bakers”, “Israel” e “latino-americano”.
Os chamamos “queijos brancos latino-americanos”, muito importantes em diversos países da América Central e do Sul, são normalmente do tipo “frescal”, de textura macia, sendo conhecidos por diferentes nomes de acordo com sua origem, em face das pequenas variações apresentadas em sua elaboração. Em sua maioria, esses queijos são fabricados em fazendas e pequenas fábricas de lacticínios, visando ao aproveitamento do leite não consumido “in natura”. Sabe-se, todavia, que atualmente estes queijos também têm sido fabricados em lacticínios de médio e grande porte.
A tecnologia empregada na fabricação desse tipo de queijo varia segundo o país ou região em que é produzido, sendo que as principais diferenças referem-se à matéria-prima utilizada, tipo de coagulação e tempo de maturação do produto final. Sendo assim, tais queijos recebem denominações diferentes (Queso “fresco”, “de Puna”, “de Maracay”, “Huloso”, etc.), de acordo com a tecnologia utilizada, ou com o país ou região onde são fabricados, ainda que o processo de fabricação seja idêntico.
Dentre todos os “Queijos Brancos Latino-americanos”, o mais difundido, portanto o de maior expressão econômica, é mais freqüentemente denominado “Queso Del País”, “Queso de la Tierra ” ou “Queso de Prensa”, sendo popular na Venezuela e em Porto Rico. Esse queijo é branco, cremoso, fortemente salgado, de sabor ácido (pH 5,3) e com textura e corpo semelhantes ao “Cheddar” de alto teor de umidade ou à mozarela, sendo fabricado a partir de leite contendo geralmente 3% de gordura. Trata-se de um queijo prensado, semiduro, com textura fechada, de boas propriedades de corte e que não se funde por aquecimento a temperaturas elevadas. É normalmente consumido fresco, com doces de frutas, podendo, às vezes, ser maturado e, neste caso, apresenta-se duro e ligeiramente picante.
A composição do “Queijo Branco” varia com a quantidade de ácido acético e as temperaturas utilizadas na sua precipitação e com as propriedades físicas e químicas do leite, tais como pH, % de gordura, teor protéico, sólidos totais e balanço de sais.
O Quadro I indica a composição típica do “Queijo Branco”.
Quadro I. Composição típica do “Queijo Branco”, segundo KOSIKOWSKI. | ||
Determinações |
“Queijo Branco” comercial, leite com 2,2% de gordura |
“Queijo Branco” experimental, leite com 3% de gordura |
Gordura |
15,0 |
19,2 |
Água |
51,0 |
49,8 |
NaCl |
3,9 |
2,0 |
Lactose |
1,8 |
2,0 |
Proteína |
22,9 |
25,3 |
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Figura I. Fluxograma do processamento básico do “Queijo Branco”, segundo KOSIKOWSKI. |
Material e Métodos
Material
Leite tipo C apresentando as seguintes características físicas e químicas médias:
Densidade | 1,030 |
Gordura | 3,0% |
pH | 6,4 |
Acidez | 17,0ºD |
Extrato seco total | 11,23% |
Proteína | 3,70% |
Leite acidificado por cerca de 20 horas em câmara a 15ºC e proveniente de um único fornecedor.
Leite que já chegava ácido à plataforma da Usina, com acidez entre 20 e 30ºD
Acidulante: ácido acético.
Cloreto de cálcio: solução a 50%.
Cloreto de sódio: sal moído industrial.
Métodos
Determinações analíticas
Amostragem
As amostras de leite e de soro eram retiradas diretamente do tanque de queijo, após ligeira homogeneização, enquanto para os queijos seguiu-se a recomendação das Normas Britânicas.
pH
Foi determinado potenciometricamente, em potenciômetro Radio Meter (pH – Meter 26).
Acidez
A acidez foi determinada em graus Dornic para o leite e em % de ácido láctico para o coágulo na precipitação e para os queijos.
Densidade do leite
Foi determinada a 15ºC, por meio de termolactodensímetro de Quevene.Gordura
Utilizou-se do aparelho Milko-Tester MK-III para o leite e soro e do método volumétrico Gerber-van Gulik para os queijos.
Umidade
O teor de água dos queijos foi determinado em estufa a 100-110ºC, segundo o método de secagem até peso constante.
Extrato seco total
O resíduo seco total do leite foi calculado por meio do disco de Ackermann, enquanto para os queijos utilizou-se do método de diferença.
Gordura na matéria seca
A gordura no extrato seco (GES) dos queijos foi calculada segundo recomendações de FURTADO.
Proteína
Empregou-se o método de Kjeldahi com fator de correção igual a 6,38.
Cloreto de sódio
A percentagem de sal no queijo foi obtida titulando-se o excesso de nitrato de prata adicionado, com tiocianato de potássio, seguindo-se uma modificação do método de Volhard.
Peroxídase
A presença de peroxídase no leite, imediatamente antes da coagulação, foi determinada pelo guaiacol incolor a 1% e água oxigenada de 10 a 20 volumes.
Trabalhos práticos
O trabalho foi realizado basicamente em quatro etapas:
- Ensaios preliminares, a nível de laboratório;
- Ensaios a nível de usina-piloto:
- Fabricação do “Queijo Branco” com leite normal (até 19ºD);
- Fabricação do “Queijo Branco” com leite acidificado em condições controladas;
- Fabricação do “Queijo Branco” com leite recebido na plataforma já ácido (naturalmente ácido).
Avaliação organoléptica
Foi realizada por 25 provadores, avaliando-se o queijo padrão elaborado a partir de leite de acidez normal, bem como o queijo feito a partir de leite ácido. Ambos os queijos foram classificados com Ruim, Regular, Bom ou Ótimo, considerando-se as seguintes características organolépticas: teor de sal, acidez, aroma, consistência, granulação (ao corte) e cor.
Resultados e Discussão
Ensaios preliminares, a nível de laboratório
A primeira fase da pesquisa foi orientada no sentido de se determinar o pH ideal de coagulação do leite normal para a fabricação do “Queijo Branco”. Tal pH é definido como o que fornece maior rendimento e um produto final com propriedades físicas, químicas e organolépticas do agrado do paladar do consumidor brasileiro. Procurou-se, também, obter um queijo semelhante ao queijo tipo Minas no concernente à textura, sabor e características físicas e químicas.
Os trabalhos práticos foram realizados em duas etapas. Inicialmente, usou-se pH de coagulação entre 5,6 e 5,0, e, em função dos resultados obtidos, a faixa de variação foi diminuída para 5,6 a 5,3, na segunda etapa. O pH de 5,8 não foi utilizado para obtenção deste queijo, pois a precipitação do leite aquecido a 82ºC, inicia-se em torno de pH 5,9 e, portanto, o rendimento do processo seria muito baixo.
Na primeira etapa, verificou-se uma grande diferença na quantidade de ácido acético necessário para variar o pH de 5,6 a 5,0 (0,07 a 0,35% de ácido). No entanto, a coagulação processou-se de modo semelhante com relação ao rendimento (10-14kg de queijo/100L leite) para os diversos valores de pH. Todavia , o fator decisivo para o estudo mais detalhado da faixa de pH mais alto (5,6-5,3) na segunda etapa, foi a consistência quebradiça dos queijos obtidos em pHs mais baixos.
A análise dos resultados assim obtidos permitiu deduzir que o pH de coagulação não deveria ser maior do que 5,4. Isto porque o queijo resultante da coagulação em pH mais elevado apresentou teor de umidade demasiadamente alto, além de pH maior do que o valor recomendado na literatura (pH 5,4), influenciando, assim, na conservação do produto. Por outro lado, umidade elevada aumenta a plasticidade da massa que, deste modo, adquire características mais de requeijão de corte do que de “Queijo Branco”.
O produto que se pretendia obter deveria apresentar cerca de 50% de umidade, 2% de sal e pH final 5,3 além de boas propriedades de corte, isto é, não esfarelar ao ser cortado. Considerou-se melhor o queijo em que foram utilizados 111,4ml de ácido acético/45,5kg de leite com 3% de gordura e 2% de sal. Este queijo foi obtido com pH de coagulação igual a 5,4, apresentando textura coesa, ligeiramente granulosa ao corte e sabor agradável.
Levando-se em conta a dificuldade de se obter dados precisos e repetitivos em escala de laboratório, decidiu-se por ensaios de usina-piloto, utilizando-se, como ponto de partida, destes dados preliminares com pequenas alterações.
Ensaios a nível de usina-piloto
Fabricação do “Queijo Branco” com leite normal (até 19ºD)
Nesta fase dos trabalhos foram realizadas cinco séries de experimentos (I a V, Quadro II), introduzindo-se algumas modificações no processamento básico (Figura I), com o objetivo de definir um padrão para o queijo feito a partir de leite com acidez normal, ou seja, até 19ºD.
Quadro II. Principais características tecnológicas dos processamentos I a V. | ||||
Processamentos |
Volume de ácido (ml) 45,5kg de leite |
Diluição do ácido |
Adição do ácido |
Cloreto de cálcio (g)/50L de leite 30ºC (repouso:30min) |
I |
111,4 |
1:10 |
3 aplicações |
- |
II |
111,4 |
1:30 |
Lenta e contínua |
- |
III |
111,4 |
1:30 |
Lenta e com uso de regador |
- |
IV |
125,0 |
1:10 |
3 aplicações com uso de regador |
- |
V |
125,0 |
1:10 |
3 aplicações com uso de regador |
15 |
|
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Figura II. Fluxograma do processamento padrão de “Queijo Branco”. |
Os resultados médios das análises dos queijos obtidos pelo processamento padrão encontram-se no Quadro III.
Quadro III. Resultados médios das análises dos queijos contendo cloreto de cálcio, embalados em “cryovac” e armazenados durante 2 dias a 12ºC (3 amostras). | |
Determinações |
Partida nº V |
PH |
5,42 |
Acidez (% de ácido láctico) |
0,189 |
Gordura (%) |
19,0 |
Umidade (%) |
51,35 |
Extrato seco total (%) |
48,65 |
Gordura no extrato seco (%) |
39,05 |
Rendimento (kg de queijo/100L de leite) |
11,76 |
Textura (ao corte) |
Coesa |
|
Partidas |
Acidez inicial do leite (ºD) |
ml de ácido acético/45,5kg de leite |
Soro |
pH do coágulo após a precipitação |
Rendimento (kg de queijo/100L de leite) | ||||
pH |
Perda de gordura (%) |
Perda de proteína (%) | |||||||
1 |
20 |
120 |
4,9 |
0,1 |
Referências bibliográficas: |