24/08/2014 às 13h59min - Atualizada em 24/08/2014 às 13h59min

Alimentação, nutrição, desenvolvimento, economia e qualidade de vida

Ainda é comum acreditar-se que o desenvolvimento de um país é traduzido, quase que exclusivamente, pela renda per capita de seus habitantes medida pelo Produto Nacional Bruto.

Organismos internacionais, entre os quais o Banco Mundial, vêm há certos tempo defendendo uma visão mais ampla do problema. O desenvolvimento econômico e nacional é entendido como “um aumento sustentável do padrão de vida, incluindo aspectos materiais, educação, saúde e proteção ambiental”.

Nota-se, então, que esse conceito não se restringe apenas ao tradicional aspecto renda. Esta pode ser um dos dados do desenvolvimento econômico, mas não é o único ou nem sempre o mais importante.

O crescimento econômico desejável precisa ser responsável pela melhor qualidade de vida da população, incluindo a solução de diversos problemas, entre os quais os da alimentação e da nutrição. O homem precisa ser a meta desse desenvolvimento e nós precisamos cada vez mais nos conscientizar disso.

No passado, dizia-se que, nos países pobres, os problemas nutricionais só seriam resolvidos pelo aumento da renda per capita ou crescimento econômico. Desse aumento resultaria um melhor abastecimento alimentar e, como conseqüência, desapareceriam a fome e a desnutrição.

Hoje, novos conceitos sobre economia e também sobre nutrição nos levam a reconsiderar essas idéias e esses conceitos simplistas. É preciso mostrar a importância da interfase e da inter-relação entre diversos fatores na solução de complexos problemas mundiais. Nós defendemos que investimentos em nutrição ajudam o crescimento econômico, e o crescimento econômico fica prejudicado se não houver a necessária atenção à alimentação e nutrição.

Um conceito mais amplo e moderno das ciências nutricionais envolve, hoje, todos os mecanismos através dos quais os seres vivos recebem e utilizam os nutrientes dos alimentos. A área abrange a nutrição vegetal, a nutrição animal e a nutrição humana. Nesta última, elas cobrem aspectos de produção, abastecimento e consumo de alimentos como também de educação, economia, administração, planejamento, política etc.

A nutrição moderna deve ser considerada como uma meta em si mesma, recebendo a influência da agricultura, da educação e da economia e incluindo a saúde, a economia, a produtividade, a educação etc. ela precisa ser vista e entendida como um fator positivo, fundamental e necessário para o bem estar e a boa qualidade de vida da população. É preciso para de falar apenas de fome e desnutrição, mas apresentar soluções práticas e objetivas para melhorar o estado nutricional de toda a população. Povos bem alimentados e bem nutridos têm os recursos humanos indispensáveis para que seus habitantes gozem de boa capacidade física e mental, ingredientes fundamentais para um desejável desenvolvimento econômico e social. A boa nutrição traz consigo boas condições de saúde, maior resistência às infecções, proteção contra as moléstias crônicas degenerativas e maior expectativa de vida. O país que investir nela terá como resultado uma vida média mais longa e produtiva para seus cidadãos, assim como menos despesas em saúde e educação e maior produtividade individual e coletiva.

A boa nutrição é um direito de cada pessoa de cada um o dever de satisfazer as próprias necessidades nutritivas, individualmente ou em associação com outro.

O fato dessas idéias não terem ainda uma aceitação universal, especialmente a realidade da nutrição não ser ainda considerada um investimento importante para o crescimento econômico, tem feito dela uma área muitas vezes marginalizada e não prisioneira aos nossos políticos e governadores.

Ainda prevalece o conceito de que a pobreza e a baixa renda são os fatores responsáveis pela má nutrição prevalente na maioria dos países menos desenvolvidos. Afirma-se também que nos países ricos e industrializados existem poucos problemas nutricionais (o que também não é verdade), e conseqüentemente o fim da desnutrição estaria então ligado apenas ao aumento da renda (o que também não é verdade).

É evidente que o fator renda é um aspecto importante na alimentação e nutrição, mas não há dúvidas também de que ao considerarmos a renda isoladamente deixamos de levar em conta outros aspectos fundamentais do desenvolvimento, inclusive a sua dimensão humana.

O aumento da renda é fator para a melhoria da qualidade de vida, mas é preciso que políticos governamentais específicas garantam que os benefícios de um aumento de renda cheguem, necessariamente, aos pobres e aos economicamente vulneráveis. E mesmo sem aumento da renda tem sido demonstrada uma melhor situação alimentar e nutricional.

Em nossa América Latina, podemos citar três países – Costa Rica, Cuba e Chile – nos quais o estado nutricional da população, especialmente das crianças, é muito semelhante ao encontrado nos países ricos, ainda que não tenham condições econômicas similares às dos países industrializados. Chama a nossa atenção também o fato de que esses três países têm tido diferentes sistemas políticos de governo, o que nos leva a concluir que a renda e a estrutura política não são os fatores sem os quais não se possa ter uma boa ou má nutrição da população. O importante é que os governos, seja qual for a ideologia dominante, reconheçam que a nutrição é um direito, uma necessidade e um investimento, um fator essencial ao desenvolvimento.

O fato é que conhecemos suficientemente bem as causas e as conseqüências da desnutrição, mas concentramo-nos muito mais nestas últimas. Poucas vezes mexemos em suas causas por falta de especialistas, programas e principalmente decisão política.

Problemas nutricionais em diferentes regiões

Acreditamos ser importante, agora, revermos alguns fatores que podem influenciar a nutrição da população em diferentes regiões. Acreditamos que tornando essas causas mais visíveis, mostrando a realidade nutricional atual, aumentamos a possibilidade de preveni-los em função das suas conseqüências nutricionais e sociais.

Queremos de início chamara a atenção para o fato de que a maioria dos nossos problemas nutricionais está relacionada à realidade de que grande parte da população não está recebendo diariamente a quantidade e a qualidade de alimentos e nutrientes de que necessita. Isso afeta primordialmente, em países pobres, certos grupos mais vulneráveis como as gestantes, os jovens e especialmente as crianças, que representam o futuro de cada país.

Precisamos, por outro lado, lembrar que muitos estudos têm demonstrado a existência e o grande aumento do número de problemas, direta ou indiretamente, ligados à nutrição em países ricos e nos grupos socioeconômicos médio e alto dos países pobres.

A boa nutrição e a má nutrição passam, então, a ser preocupação tanto dos países ricos como dos pobres, com reflexos importantes na produção e na economia. Nos países ricos, os problemas nutricionais vêm  sendo exteriorizados pela alta prevalência de moléstias cardiovasculares, hipertensão, obesidade, diabetes e certos tipos de câncer.

É preciso porém entender que dentro de um setor interprofissional e multidisciplinar (como é também o caso da medicina, da engenharia e de outras profissões), a nutrição deve ser compreendida com uma área bem identificada, com autonomia própria e que precisa ter recursos humanos suficientes e infra estrutura adequada e especializada.

Dados de organismos internacionais como a FAO e a OMS mostram que cerca da metade da população mundial apresenta problemas nutricionais, em sua maioria relacionados à fome e à subnutrição. Especialmente, a deficiência protéico-calórica e a deficiência de micronutrientes constituem atualmente os problemas mais sérios dos países em desenvolvimento. Por outro lado, as moléstias crônicas degenerativas e não-infecciosas afetam principalmente os adultos dos países ricos e os grupos socioeconômicos mais altos em países pobres.

A situação nutricional mundial tem sido também avaliada por diversos parâmetros, entre os quais a produção regional e mundial de alimentos. É verdade que valores globais de produção de alimentos não refletem o consumo em nível familiar. Muitas vezes não existe a desejável segurança alimentar individual e familiar.

Um outro parâmetro mundial de desnutrição é o percentual de crianças com menos de cinco anos com baixo peso. Embora esse índice tenha diminuído no mundo de 1975 para 1990, seu número absoluto mantém-se constante, ao redor de 200 milhões de crianças, por causa do aumento da população.

A mortalidade infantil, outro índice de boa ou má nutrição, diminuiu um pouco de 1975 a 1981 nos países menos desenvolvidos, o que seria considerado um sinal positivo de melhoria nutricional, mas continua sendo um problema nutricional sério em diversas regiões, como o nosso Nordeste.

Um outro aspecto do déficit nutricional que vem sendo discutido recentemente como de importância mundial é o das deficiências de micronutrientes. É chamado de fome oculta por apresentar muitas vezes sintomas subclínicos ou marginais, e sua importância tem passado desapercebida por muitos anos. Essa desnutrição oculta e comunitária atinge mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo. Inclui-se nela o caso da anemia ferropriva, muito comum entre nós.

O outro grupo de moléstias relacionadas à alimentação que vem crescendo tanto nos países desenvolvidos como nos países mais pobres é, como dissemos, o das moléstias crônicas não-infecciosas: obesidade, diabetes, moléstias cardiovasculares etc. Juntas, elas são responsáveis por mais de 70% das mortes nos países desenvolvidos. Estão relacionadas não só à alteração socioeconômica, mas também bastante ligadas a mudanças na alimentação. É interessante notar que o aumento da mortalidade por essas causas aparece nos países em que a população, em melhores condições econômicas, passa a ingerir mais calorias, mais proteínas e mais gorduras na alimentação.

Outro fato de interesse é o aumento da prevalência da obesidade em crianças de diversos países, inclusive no Brasil. Isso pode estar relacionado até a programas governamentais de alimentação mal orientados, que fornecem alimentos sem o necessário balanço nutricional. A boa nutrição depende tanto da quantidade quanto da qualidade dos alimentos ingeridos durante o dia, todo o ano. 




Autor: J. E. Dutra de Oliveira

Referências bibliográficas: 

Fonte: Alimentos e Nutrição V.5 - Ano 1993/94


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