07/08/2008 às 08h47min - Atualizada em 07/08/2008 às 08h47min

CCS: Referência da Fazenda à Indústria

Revista Balde Branco 489A

Indicar a qualidade do leite é apenas uma das informações geradas pela contagem de células somáticas, referência comum da fazenda à indústria de laticínios, em vários países.

?Números elevados na contagem de células somáticas afetam a composição do leite e o tempo de vida de prateleira dos derivados lácteos, causando prejuízos para a indústria de laticínios?. O alerta é de Marcos Veiga dos Santos, médico veterinário e professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia ? USP, que considera a contagem de células somáticas como a mais importante ferramenta na avaliação do nível de mastite subclínica, na estimativa das perdas de produção de leite e na indicação da qualidade do leite produzido na fazenda.

A conhecida CCS do leite, seja de vacas analisadas individualmente, seja de amostras de tanque de resfriamento, tem sido utilizada em larga escala em países desenvolvidos há mais de 25 anos, desde o surgimento de equipamentos eletrônicos, que tornaram essa prática acessível aos produtores. Por tais razões, a indústria de laticínios do Brasil, à semelhança do que ocorre em outros países, vem adotando sistemas de remuneração pelo leite com base na qualidade, considerando, entre outros parâmetros, a CCS do leite recebido. A mesma referência passou a regulamentar, desde julho último, a captação nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, tendo a contagem de 1 milhão de células/ml como limite máximo.

Trata-se do primeiro passo do projeto de melhoria de qualidade de leite no Brasil. Com o tempo, o número deverá cair e se aproximar dos limites adotados em outros países, como a Nova Zelândia, e também a União Européia, cujos produtores trabalham com o nível de 400 mil/ml; no Canadá, com 500 mil; e nos EUA, com 750 mil. Na prática, o Canadá apresenta uma média mensal nos últimos anos. Isto é resultado de intensos esforços para efetuar protocolos de manejo higiênico na ordenha e nas instalações dos produtores.

A província canadense com a mais baixa CCS é British Columbia, que apresenta média de 172 mil células/ml. Mas quando o programa de penalidades por CCS teve início, em 1989, o limite superior foi estabelecido em 800 mil células/ml. Anualmente, este nível veio sendo reduzido em 50 mil células/ml até o atual nível de 500 mil, que foi alcançado em 1995. A mesma projeção se espera por aqui. Afinal, o limite considerado elevado demis por alguns vem sendo justificado pela intenção de ?legalizar?m num primeiro momento, o maior volume de leite possível.

O sucesso em alcançar os limites na contagem de células somáticas parece ser muito variável. As médias geométricas nacionais sugerem que geralmente o leite seja de boa qualidade. A Áustria, com seus pequenos rebanhos, parece produzir o melhor leite nesse aspecto, com uma CCS em torno de 100 mil células/ml. A maioria dos outros países da EU apresenta contagem inferior a 200 mil. As exceções por conta da Dinamarca, que de 247 mil células/ml, em 1997, tem hoje, 320 mil. Esse aumento está relacionado com o crescimento na produção de leite orgânico, que representa 60% do total consumido no país.

CCS AFETA SABOR, SÓLIDOS E RENDIMENTO INDUSTRIAL

?O leite com alta CCS resulta em aumento no conteúdo de água no queijo, no tempo de coagulação, bem como no conteúdo de sólidos no soro, alterando o sabor e diminuindo o rendimento industrial?, cita Veiga. Mas o que pode ser considerada uma CCS normal do leite? Do ponto de vista científico, o leite obtido de um quarto mamário, de onde não se isola nenhum microrganismo e que não tem nenhum histórico de infecção recente, mostra uma CCS inferior a 100 mil células/ml. Quando tal índice supera 200 mil, alguns pesquisadores apontam que o quarto está infectado ou se recuperando de uma infecção; acima de 300 mil, indica que o quarto está infectado.

A elevação da CCS no leite está geralmente associada à diminuição na produção de leite em um ou mais tetos da vaca. Esta redução ocorre devido ao dano físico às células epiteliais secretoras da glândula mamária, assim como às alterações na permeabilidade vascular no alvéolo secretor. Com isso, a elevada CCS traz grandes prejuízos econômicos. Com relação ao produtor, as maiores perdas estão relacionadas à queda na produção dos animais infectados, além dos custos adicionais associados ao tratamento de mastite. A CCS é uma importante ferramenta para identificação do nível de mastite subclínica.

De maneira geral, as propriedades sensoriais do leite pasteurizado refrigerado se encontram alteradas com o aumento da CCS do leite cru, reduzindo a vida de prateleira do produto. Santos cita que o escore de sabor para o leite cru apresenta redução com o aumento da CCS, principalmente devido à rancidez, muito notada quando ocorre contagem superior a 1 milhão de células/ml. Observa ainda que as alterações dos componentes individuais do leite, pela presença de elevada CCS, têm efeito negativo sobre a produção e qualidade dos derivados lácteos.

A prova mais evidente é observada na produção de queijos. Experimento recente revelou que o queijo produzido com leite contendo 600 mil células/ml apresenta 0,5% menos gordura, 0,4% menos proteína, 0,9% menos sólidos totais e um teor de umidade 0,9% maior do que o queijo produzido com leite contendo 100 mil células/ml. elevadas CCS no leite deve ser também avaliadas pelo impacto negativo que apresentam no volume de queijo produzido. Um aumento da CCS de 100 mil para 900 mil células representa um decréscimo de 11% no rendimento da produção.

Além das alterações na composição e da redução da produção de queijos, altas CCS podem causar vários outros problemas aos queijos, como rancidez, alterações de aroma ou defeitos de textura. A lactose é o substrato para a produção de ácido lático por fermentação no processo de fabricação de queijo. O decréscimo da lactose no leite mastítico causa um atraso na acidificação após a adição das culturas. Para alguns queijos elaborados com leite cru, o crescimento rápido da cultura é essencial para a supressão da microflora indesejável neste leite.

CONDIÇÕES HIGIÊNICAS DEFINEM QUALIDADE, POR MEIO DA CCS

A CCS afeta também negativamente a produção de leite em pó, que apresenta estabilidade térmica alterada e redução da vida de prateleira. De acordo com um estudo, a produção de leite em pó utilizando leite com CCS acima de 1 milhão/ml revela sabor indispensável no produto final. A qualidade organoléptica da manteiga é outra rederência de proejuízo com alta CCS, alterando seu sabor característico e mostrando sabor rançoso e oxidado. Completando a lista, a alta CCS no leite pode inibir a multiplicação dos microrganismos utilizados na fabricação de iogurte. Isso ocorre devido aos altos níveis de substâncias antimicrobianas no leite mastístico, tais como a lactoferrina.

?Com relação à qualidade do leite UHT, ocorre redução do tempo para início da gelatinização, para o leite com altas CCS. Em razão disso, o prejuízo se mostra com a redução da vida de prateleira do produto?, conta o professor. Um estudo recente citado por ele indicou que o leite com baixa CCS apresentou alta qualidade organoléptica mesmo após 21 dias de armazenagem a 5° C, enquanto o leite com altas CCS apresentou vários defeitos organolépticos após 14 dias de armazenagem a 5° C, principalmente os sabores amargo e de ranço.

Os resultados deste estudo servem para justificar a implementação de programas para pagamento diferenciado do leite produzido com baixa CCS, quando destinado à produção de leite pasteurizado. Ainda que a presença de células somáticas não imponha riscos à saúde humana, ela é uma medida de qualidade do leite, que pode estar relacionada com as condições higiênicas de sua produção. ?De forma geral, as condições higiênicas das fazendas que produzem leite com baixa CCS são melhores que aquelas encontradas nas fazendas que produzem leite com alta CCS?, diz Santos.

Apesar do esmerado controle, algumas fazendas falham em atender aos limites máximos impostos pelas regulamentações. Em 1998, 5% das propriedades na Holanda, 4% na Bélgica e 1% no Reino Unido ultrapassaram o limite máximo permitido. Os dados mais recentes das visitas de inspeção da Comissão Européia apontam que, dos oito países até agora inspecionados, Grécia e Portugal são os que apresentam os maiores problemas. Nesses dois países, apenas metade do volume de leite produzido atende ao limite exigido de contagens inferiores a 400 mil células/ml, apenas de terem tido seis anos para alcançar tal exigência.

Na União Européia, todos os países aplicam penalidades e prêmios no preço do leite, relacionando-os com os parâmetros de qualidade. No Reino Unido, uma contagem de células somática inferior a 150 mil células/ml agrega um bônus de até 2% no preço do leite; há uma banda neutra de pagamento, de 151 mil a 250 mil células/ml, e uma faixa de penalidade, de 251 mil a 399 mil, que reduz o valor do leite. A coleta de uma amostra de leite com CCS igual ou superior a 400 mil células é penalizada, com uma redução de 60% no preço, com taxas adicionais de transporte e análise. Este sistema contribui para uma contagem média anual não superior a 170 mil células.

RELAÇÃO COM A MASTITE

Células somáticas são parte da reação inflamatória do úbere da vaca contra a invasão de bactérias, uma inflamação chamada de mastite. O número de células somáticas no leite das vacas e no leite do tanque de resfriamento pode ser utilizado para estimar a probabilidade de infecção. Este processo inflamatório traz não somente células de defesa para o leite, mas também enzimas e outros valores imunitários que podem não ser mensurado tão facilmente. Enquanto essa batalha entre a vaca e as bactérias invasoras são travadas no úbere, o tecido produtor de leite é destruído e a composição do leite é alterada. Vacas com valores elevados de células somáticas no leite apresentam enfermidade no úbere e menor produção, e produzem leite de qualidade inferior.

Os diferentes tipos de bactérias que causam as infecções são controlados por ações distintas e específicas. Para implementar as corretas práticas de ordenha preventiva, programas terapêuticos ou mudanças de manejo de vacas, é essencial identificar os principais grupos de bactérias que estão causando prejuízos. Com esse conhecimento, as características epidemiológicas de um tipo específico de mastite podem ser usadas como base para acessar a situação de rebanho e monitorar a implementação de práticas sugeridas para controle.

A contagem de células somáticas é um teste eletrônico rápido e facilmente obtido para determinar não só a qualidade, mas também, de forma direta e indireta, a composição do leite, presença de antibióticos e de bactérias patogênicas. Rebanhos com menores CCS no tanque de leite apresentam maiores produções de leite, com componentes (proteína e gordura) de maior valor para processamento. Pesquisas demonstram também que rebanhos com CCS abaixo de 400 mil oferecem menos riscos de ser constatada a presença de resíduos de antibióticos.


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