11/08/2017 às 10h06min - Atualizada em 11/08/2017 às 10h06min

Doce aroma das gorduras

Edgard Steffen

"O Sacerdote os queimará no altar como alimento (...) de aroma agradável. Toda gordura será do Senhor." (Lev. 3:16) 

A queima da gordura desprende micropartículas responsáveis pelo aroma que aguça seu apetite quando, na cozinha ou na churrasqueira, estão fritando ou assando refeições. A gordura dá sabor aos alimentos e serve de veículo aos temperos. Faz com que carnes pobres, como a da costela, tenham melhor paladar que as nobres, como lagarto ou filé-mignon. Pena que, por seu alto valor calórico e pela atual colesterolofobia, as banhas foram expulsas do paraíso culinário. 

O dia de matar porco era de muito trabalho na fazendola de meus tios. Previamente escolhido, o capão era guardado na ceva. Pouco espaço para andar e superalimentação. Dieta de milho, abóbora, restos de cozinha, soro de leite (subproduto da fabricação de queijos ou manteiga). Em pouco tempo, o suíno engordava tanto, que mal conseguia andar. Chegara ao ponto de abate. 

Tangido para o local do sacrifício, era lavado e sangrado. O sangue, colhido na hora em recipientes com sal, vinagre e especiarias, servia para fabricar schwartz-sauer1. As tripas eram levadas ao ribeirão para retirada do conteúdo. Depois de lavadas, eram invertidas com auxílio do pau de virar tripa². Em seguida, deixadas secar sobre o fogão a lenha para, nos próximos abates, servirem à fabricação de embutidos. 

Tudo era aproveitado. Além das carnes nobres, o principal produto era o toucinho, transformado em banha e speck (torresmo). A parte restante destinava-se à fabricação de linguiça ou era dividida em pedaços menores. Estes eram fritos, imersos em banha e acondicionados em latas hermeticamente fechadas. Na falta de geladeira, a banha era importante na conservação das carnes para ulterior aproveitamento. 

Sou do tempo em que não se desperdiçava alimentos por nada neste mundo. Desde criança, ensinados a não deixar sobra nos pratos. Os olhos, no dizer de então, não podiam ser maiores que o estômago. Alguns iam mais adiante. Achavam de bom tom que se deixasse a mesa com um pouquinho de fome. Educação ou economia doméstica? 
Refrigerantes? Nem pensar. 

Tanto os jovens como os adultos eram magros, apesar do grande consumo de carnes gordas e uso diário de gordura animal. Como explicar a predominância de magreza? Trabalhava-se e andava-se. Por consequência, gastavam-se as calorias ingeridas. Fogão a lenha, panelas de ferro, roupas pesadas, varrição das casas ou escovões para encerá-las, pesados ferros de passar, tudo associado para fazer donas de casa gastarem energia. Tinham necessidades calóricas de trabalhador braçal, mas alimentavam-se como damas, que realmente eram.

Meninas e moças da casa eram ensinadas à mesma escravidão da trabalheira doméstica. Homens, além do trabalho oficial, regular, tinham que carpir e limpar quintais, rachar lenha, cuidar da horta doméstica. Iam a pé para o local de trabalho. Crianças brincavam nos quintais, nos terrenos baldios e até nas ruas; caminhavam do lar às escolas. Os jovens, além dos esportes, namoravam andando. As paqueras eram móveis. No "footing", não se gastava gasolina. Gastava-se a sola dos sapatos. 

A gordura migrou do animal para a silhueta do homem moderno. Sob o título "Brasil acima do peso" a FSP relata: em dez anos, o número de jovens obesos quase duplicou³. Hoje cozinha-se com óleos vegetais e o suíno abatido é "porco tipo carne". Entre as causas da epidemia de obesidade, o ir e vir reduzido ao trajeto sofá -- TV -- geladeira. Acrescente-se a substituição da fresca água dos potes de barro, pelos refrigerantes. 

Referências Bibliográficas

(1) Tradução literal "Preto ácido" - Espécie de morcilha alemã, servida em prato fundo. 
(2) Longo e fino bastão com pequeno gancho de ferro na ponta. 
(3) Cancian, N. FSP 9/8/2017 pag. B5 
Edgard Steffen é médico pediatra - [email protected] - facebook.DrEdgard 


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