16/02/2017 às 11h23min - Atualizada em 16/02/2017 às 11h23min

Implementação de um programa de controle de mastite - Parte II

Alfonso Lago
Revista Leite Integral

Na edição anterior, o autor enfocou alguns pontos críticos na elaboração e implantação de um programa de controle de mastite, como a detecção de casos clínicos e segregação da vaca, o exame e alguns aspectos relacionados ao tratamento. Dando continuidade, serão abordados agora a avaliação do tratamento e um sistema para coleta e análise de dados relacionados à mastite.

 

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1. Avaliação durante o tratamento

Durante o tratamento, é preciso coletar sinais da evolução do caso clínico, tais como mudanças no nível de gravidade do mesmo, alterações e duração, tempo transcorrido até a cura clínica e tempo durante o qual o leite é descartado.

É importante definir também o final do tratamento. Em quartos nos quais persistam os sinais clínicos por mais de 4 dias, uma opção é fazer um novo cultivo do mesmo, ainda que possamos obter falsos negativos, e comprovar se houve cura bacteriológica ou diminuição no número de colônias. Se o quarto continuar infeccionado, pode ser oportuno iniciar o tratamento com outro antibiótico. Se a cura clínica não for alcançada depois do segundo tratamento, provavelmente devemos tomar a decisão de secar o quarto. Sempre devemos nos assegurar de que esteja incluída nos procedimentos operacionais padrão (SOPs) a opção de comunicar-se com os supervisores quando a evolução do caso não é favorável.

 

2. Testando resíduos de antibióticos

É nossa obrigação, como defensores dos interesses de nossos clientes e vigilantes da saúde pública, que os protocolos de manejo de mastite clínica incluam um plano para respeitar o período de carência depois do tratamento. Em várias fazendas, faz-se um teste de inibidores no leite antes de colocá-lo no tanque, com o objetivo de reduzir o risco de resíduos e conseguir que o leite de vacas tratadas volte mais rápido ao tanque.

Alguns dos testes comerciais mais usados para detectar inibidores no leite são Delvotest-P®, Charm SL®, Penzyme Milk Test®, BetaStar®, Snap Beta-Lactam®, Snap Oxytetraciclyne®, CITE probe (ß-lactam) ® e LacTek (ß-lactam)® (Tabela 1). A maioria desses testes de inibidores estão projetados para avaliar se o leite do tanque é positivo para a presença de antibióticos. Por isso, quando utlizados individualmente em vacas após tratamento com antibiótico ou no pós-parto, apresentam uma taxa relativamente alta de “falsos positivos”. Assim, se o resultado de uma vaca for positivo, quando já tiver sido cumprido o período de carência, pode-se diluir 1 parte do leite dessa vaca em 5 partes do leite do tanque e avaliar novamente.

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3. Avaliação da eficácia ao fim do tratamento

O êxito do tratamento contra mastite clínica pode ser avaliado utilizando vários parâmetros, tais como o tempo transcorrido até a cura clínica, o tempo de descarte do leite, a taxa de recidiva e a CCS fornecida pela indústria. Em trabalhos de pesquisa, utiliza-se a cura bacteriológica, mas não é prático cultivar cada caso de mastite com o único propósito de monitoramento. No entanto, o cultivo é muito útil se estiver em jogo a decisão de continuar ou não o tratamento. Outros parâmetros úteis, por sua relevância econômica, e que também são influenciados pela taxa de recidiva são o tempo (dias) de descarte do leite e a taxa de eliminação nos 60-100 dias após o início  do caso de mastite.

 

3.1. Tempo transcorrido até a cura clínica/Tempo durante o qual o leite é descartado

O tempo durante o qual o leite é descartado, assim como o tempo gasto até a cura clínica são índices que refletem bem o impacto econômico da mastite nas fazendas. No entanto, fornecem uma avaliação subjetiva em relação à cura bacteriológica.

Para se ter uma ideia, dados de um estudo de campo com 452 casos clínicos de mastite, de oito fazendas, mostraram que não houve diferença numérica no tempo que transcorreu até a cura clínica e no período de descarte do leite entre casos nos quais houve uma cura bacteriológica confirmada e nos que não tiveram.

Em outra análise, de 345 casos de mastite, avaliamos a relação dos índices mencionados anteriormente com a redução na CCS abaixo de 200.000 células/ml nos dois controles leiteiros posteriores ao caso clínico de mastite. Igualmente, não encontramos nenhuma diferença no tempo durante o qual o leite foi descartado e no tempo de cura clínica entre as vacas que reduziram a CCS abaixo de 200.000 e aquelas nas quais não foi observada essa redução.

Assume-se, normalmente, que a resolução dos sinais clínicos é equivalente à cura bacteriológica, ainda que isso não seja verdade em muitas situações. Infecções com Staphylococcus aureus se manifestam de forma clínica com bastante frequência e, depois, passam a ser subclínicas. Este fenômeno também se observa com Klebsiella, estreptococos ambientais, leveduras e, provavelmente, ocorre com a maioria dos patógenos. Ainda que o leite volte ao normal, não significa que a terapia eliminou a infecção.

 

3.2. Taxa de recidiva

Definimos a taxa de recidiva como a proporção de casos clínicos nos quais a mastite clínica volta ao mesmo quarto mais de sete dias depois do início do caso anterior. Uma taxa de recidiva menor que 15% é alcançável.

A taxa de recidiva pode ser um parâmetro válido para comparar estratégias e protocolos de tratamento, já que está inversamente correlacionada com a cura bacteriológica. Em um total de 452 casos de mastite, observamos que a taxa de recidiva foi 50% mais alta para casos clínicos que não tiveram cura bacteriológica em relação aos curados, e 80% mais alta em 345 vacas que não reduziram a CCS para menos de 200.000 nos dois controles leiteiros posteriores ao caso de mastite.

A taxa de recidiva é um parâmetro que tem relevância não somente em nível de campo, mas também na pesquisa. Em um estudo, observou-se que não houve diferenças na produção de leite e na taxa de descarte entre vacas com mastite que foram tratadas com antibióticos e as que não foram. Entretanto, a taxa de recidiva foi mais alta para vacas não tratadas, especialmente em quadros de mastites causados por estreptococos.

Dados de campo de uma fazenda no Colorado, onde decidiu-se não tratar com antibióticos nenhum caso de mastite, mostraram um aumento na taxa de recidiva, na prevalência das infecções intramamárias e um aumento na CCS em infecções causadas por estreptococos.

 

3.3. Contagem de células somáticas

A CCS, como método para avaliar os quadros de mastite, indica se houve ou não a cura bacteriológica, assim como a resolução da inflamação do tecido mamário afetado, o que prevê a capacidade de recuperação do potencial produtivo. Além disso, um pilar importante dos programas de qualidade do leite está baseado na necessidade de produzir leite com baixa CCS.

Os casos de mastite clínica em cada rebanho devem ser classificados em três categorias, segundo a CCS obtida no controle leiteiro anterior ao episódio clínico. Assim, temos vacas começando a lactação, que não têm um controle leiteiro anterior ao caso clínico; vacas com CCS  inferior a 200.000 células/ml; e vacas com CCS igual ou superior a 200.000 células/ml. Consideramos que um caso de mastite está curado quando se obtém uma CCS inferior a 200.000 células/ml no primeiro ou no segundo controle leiteiro disponível depois do evento clínico. A taxa de cura acumulada (TCA) representa a proporção de casos de mastite curados.

Em um trabalho de pesquisa, a média de TCA em 1949 casos clínicos de mastite de 11 fazendas leiteiras foi de 55%. Em vacas com CCS igual ou superior a 200.000 no controle leiteiro anterior à mastite, a TCA média foi de 33,0%. No entanto, para vacas nas quais o episódio de mastite ocorreu anteriormente ao primeiro controle após a parição, a TCA foi de 62,6% e de 65,5% para aquelas que apresentavam CCS inferior a 200.000 no último controle antes do parto.

 

 

4. Sistema de manejo de dados

O sistema de manejo de dados nos deve permitir satisfazer os seguintes objetivos:

- Desenvolver um histórico médico da vaca;

- Projetar um sistema que disponibilize esse histórico durante o exame clínico;

- Manter registros do caso para avaliar a evolução;

- Garantir que o leite (ou em alguns casos a carcaça) seja incorporado à cadeia alimentícia sem a presença de resíduos;

- Permitir ao veterinário fazer uma supervisão dos casos recentes e identificar casos que requeiram uma atenção especial;

- Avaliar o seguimento dos protocolos;

- Avaliar a eficácia dos tratamentos;

- Avaliar padrões epidemiológicos dos casos clínicos.

O sistema de manejo de dados deve ter um impresso temporário que possamos usar ao pé da vaca, com informações sobre o histórico médico, e que nos permita coletar dados durante o caso clínico. As informações que devemos levantar ao examinarmos a vaca, a fim de tomarmos a melhor decisão de tratamento, incluem:

a) Dados da vaca:

- Parto

- DEL

- Produção de leite

- Valor relativo do animal

 

b) História clínica:

- Número de vezes que foi tratada anteriormente

- CCS no controle leiteiro anterior ao caso clínico

- CCS no último controle leiteiro da lactação anterior (para vacas no começo da lactação)

- Data, quarto afetado, gravidade, tratamento e dados de cura do(s) caso(s) anterior(es)

 

c) Dados do caso clínico atual:

- Gravidade

- Dados de cultivo microbiológico

- Número de quartos afetados

- Número de quartos positivos ao CMT

Essas informações são armazenadas no programa de gestão e devem ser impressas sempre que ocorrerem casos novos e para acompanhamento dos atuais. Incluímos um espaço onde podemos anotar informações correspondentes à evolução do caso, tais como:

- Mudança no nível de gravidade do caso;

- Mudança do tratamento;

- Duração final do tratamento;

- Tempo transcorrido até a cura clínica;

- Tempo de descarte do leite.

É importante desenvolver um plano logístico para incorporar a informação coletada do caso atual na base de dados do rebanho.

 

4.1. Avaliação de dados

Os veterinários devem avaliar os dados coletados pelos funcionários da fazenda, com três tipos de objetivos diferentes:

 

4.1.1. Decisões individuais

A opção de entrar em contato com um veterinário deve estar sempre incluída no protocolo de tratamento. Ainda que nossa tarefa seja desenvolver um plano de manejo para a fazenda, sempre há casos que não se ajustam a nossas descrições e requerem uma avaliação individual.

Em fazendas de tamanho considerável, pode-se estabelecer um esquema de visitas rotineiras (ao menos uma ou duas vezes por semana), nas quais será avaliada a evolução das vacas que foram tratadas nesses dias. Da mesma forma, em grandes fazendas, pode-se estabelecer um serviço integral de manejo da mastite clínica, com visitas diárias na hora da ordenha do grupo de vacas com mastite (hospital).

 

4.1.2. Avaliação de monitoramento e efetividade dos protocolos

Um sistema adequado de coleta de dados permite avaliar se o pessoal encarregado de manejar as vacas com mastite está seguindo os protocolos. Ou seja, se ajustam-se à decisão e duração do tratamento, à avaliação da progressão do caso, se respeitam o período de carência, se fazem os testes de resíduos, etc. Os programas de computador para controle de medicamentos (inventário, prescrições, etc.) nos permitem determinar os tipos, quantidades e indicações dos medicamentos que estão sendo usados na fazenda, e verificar se coincidem com o que está descrito nos registros dos tratamentos.

A eficácia do tratamento pode ser avaliada com dados, tais como tempo transcorrido até a cura clínica, tempo durante o qual o leite é descartado, taxa de recidiva e taxa de cura, usando a CCS anterior e posterior à ocorrência do caso clínico. Por exemplo, um aumento na taxa de recidiva pode indicar que o tratamento selecionado não está sendo efetivo ou que os protocolos não estão sendo seguidos corretamente. A CCS não somente nos permite avaliar a cura, mas também pode nos indicar que há um problema de detecção de mastite clínica. Assim, se uma porcentagem alta de mastite tem uma CCS elevada no controle anterior ao caso clínico, podemos suspeitar que a detecção precoce dos quadros clínicos falhou.

 

4.1.3. Epidemiologia da mastite clínica no rebanho

O objetivo de avaliar padrões epidemiológicos dos casos de mastite clínica é descobrir áreas de manejo nas quais podemos intervir. Assim, uma alta incidência de mastite depois do parto pode nos indicar que devemos focar nossos esforços nas instalações e no manejo das vacas secas e durante o período de transição. Os dados epidemiológicos devem ser avaliados ao menos uma vez por mês e devem ser representados graficamente, de maneira que possamos ver mudanças ao longo do tempo. Alguns exemplos de perguntas que devem surgir incluem:

- Incidência de casos clínicos ao nível de quartos/vacas;

- Etiologia;

- Distribuição dos casos durante a lactação;

- Distribuição dos casos por número de partos;

- Distribuição estacional dos casos;

- Distribuição dos casos por gravidade;

- Taxa de recidiva total, segundo etiologia, segundo tratamento, etc;

- Número de vacas que tiveram mais de um caso na lactação atual;

- Número de vacas que morrem ou são descartadas devido à mastite.

Alguns parâmetros básicos usados para monitorar a mastite clínica estão descritos na tabela 2. Definimos um novo caso clínico de mastite como uma vaca afetada em um ou mais quartos mais de 14 dias após o caso anterior.

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