16/03/2016 às 13h31min - Atualizada em 16/03/2016 às 13h31min

Como ser nota 10 na produção de leite

Revista Mundo do Leite 77

“Na propriedade, só não temos controle sobre o preço do leite”, diz instrutor do Programa Balde Cheio

Ele era aquele garoto que, na fazenda do pai, ia para o pasto apartar os bezerros das vacas na hora da ordenha. Praticamente tem “leite no sangue”. Em 1992, logo depois de formado – em agronomia, como não poderia deixar de ser –, João Rosseto Junior continuou na atividade, auxiliando pecuaristas de uma associação de produtores de leite do Paraná a melhorarem seus índices produtivos. Conheceu o Projeto Balde Cheio no fim dos anos 1990. A partir daí prestou assistência técnica em Cerqueira César, em Itapeva, também no Estado de São Paulo. Já como instrutor do projeto, a convite do dr. Artur Chinelato, alçou voos maiores. Passou a prestar assessoria, já por meio de sua própria consultoria, a Agrodinâmica, montada em 2000, em Rondônia, Pernambuco, Piauí e até na Colômbia. Passou a ser o que o dr.Chinelato chama de “lactopsicoterapeuta”, ou seja, não só dá assistência técnica a produtores interessados em melhorar seus índices como a animar aqueles que estão quase desistindo.

Mundo do Leite – Como você começou no leite?

João Rosseto – Eu era aquele moleque que apartava os bezerros. Sou nascido e criado no sítio de minha família, em Piraju, interior de São Paulo. Eu ajudava a tirar leite, e desde bem pequeno gostava disso. Aí, quando tive de decidir o que ia cursar, fiquei em dúvida entre veterinária e agronomia. Optei por agronomia mas, em seguida, todos os meus cursos e treinamentos focaram na parte zootécnica, principalmente, que mescla um pouco de tudo. Hoje faço o que realmente gosto, que é alimentação de rebanhos, manejo, produção, reprodução, gestão…

A fazenda do seu pai ainda existe? É de pecuária leiteira?

Existe. Mas ele já se aposentou e não tira mais leite. Arrendou para a cana. Como eu viajo muito, não consigo ficar ali, cuidando dela o tempo todo, como é necessário para tocar uma atividade leiteira.

Então, a primeira pergunta ligada à produção: para a fazenda de leite ir para a frente, de fato, olho do dono é essencial? Dedicação constante e obrigatória?

Costumo falar que, no leite, não tem como não ser eficiente em tudo. E isso exige dedicação. Não tem como tirar bastante leite e produzir mal o alimento das vacas. Ou tirar muito leite a um custo muito alto. Não tem como ter bons índices reprodutivos, e o leite não ter qualidade… Todos os pontos têm de ser nota 10 para que realmente haja lucro na atividade. Não dá para ser mais ou menos. E isso exige dedicação.

Os produtores costumam reclamar muito do preço do leite – que, inclusive, está em valores mais baixos do que os bons preços de 2014. Diante desse cenário, você acha possível o produtor lucrar?

Lógico. A questão é a seguinte: o único fator que eu não consigo interferir diretamente é no preço do leite. Em todos os outros fatores, dentro de uma propriedade leiteira, eu consigo. E são eles que podemos aprimorar. Posso melhorar a qualidade do leite e conseguir um preço maior por litro, mas ter um leite de qualidade é obrigação e também consequência de tudo o que eu fiz da porteira para dentro. Então, preciso de um sistema de produção que dê resultado mesmo com o preço do leite em baixa. Ter um sistema funcionando bem, aliás, é essencial para que o produtor sobreviva em épocas de preços baixos.

Qual o perfil dos produtores que você atende?

Olha, são de pequenos, com 100 litros por dia, a médios, com 1.500 litros/dia, inclusive com propriedades que criam búfalos. E é um trabalho desafiador, porque, quando se trabalha com produtores deste porte, o que mais se ouve falar é que com a evolução da atividade os pequenos e médios vão “sumir” e dar lugar a propriedades maiores, de produção mais volumosa. Nossa proposta, então, é montar um sistema em que eles não sejam excluídos, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos e mais recentemente vem ocorrendo na Argentina. Montamos um sistema com custo muito baixo, com base pasto. Aí fica viável se manter na atividade e ter lucro. Não pregamos tecnificação excessiva, como confinamento, compost barn, free stall, alimentação só no cocho… Isso tudo se traduz em custos muito altos e exige escala grande de produção para compensar.

Com a adoção do Balde Cheio em larga escala, você acha que a tendência no Brasil é a manutenção desses pequenos e médios então?

Bem, no nível do Balde Cheio, com certeza. O programa dá justamente condições para quem quer continuar na atividade. Ele permite, dá oportunidade, não exclui ninguém, independentemente do tamanho. Vou dar um exemplo: você acha que uma propriedade de 2 hectares pode ser lucrativa no leite? Muita gente acha que não. E nós provamos que sim. Temos, no Piauí, uma propriedade de 2 hectares que tira 450 litros de leite por dia. Isso dá cerca de R$ 18 mil a R$ 20 mil reais por hectare/ano. O custo de produção dele é baixíssimo, de R$ 0,70 por litro, no máximo. A lotação, alta, de 22 unidades animais por hectare. É um resultado bastante interessante e viável. Base 100% pasto, com irrigação.

Falando em irrigação, muitos produtores acham que no Balde Cheio tem que se irrigar pasto. Como é isso?

Sim, muita gente acha isso, o que não é verdade. Cada propriedade tem de ser analisada de forma individual. Há áreas em que simplesmente não dá para usar irrigação. Vou lá, cavo um poço semiartesiano e vejo que a água é salobra. Ou seja, não pode ser usada. O que o projeto faz é analisar cada propriedade e ver o que é possível fazer nela para melhorar os índices produtivos e a gestão. Temos de adaptar as técnicas – que não são só irrigação – de acordo com a necessidade de cada fazenda. Não existe um pacote tecnológico fechado. Há diretrizes, mas não um pacote pronto para cada propriedade. Essas diretrizes e técnicas buscam a redução dos custos de produção. Técnicas não faltam. Atualmente, para qualquer situação já se desenvolveu uma técnica produtiva. Só é necessário saber utilizá-las para tornar a propriedade viável economicamente.

E no caso de uma propriedade com relevo muito acidentado, por exemplo?

Olha, é difícil, em qualquer terreno, que não haja um pedaço de terra possível de se instalar um pasto e intensificar seu uso, aumentando a lotação animal. Aí trabalhamos em cima disso. E o interessante: quando se intensifica a pastagem acaba até sobrando terra. Se numa propriedade de 50 hectares vou manter cerca de 40 animais só em 2 hectares – o que é bastante possível – sobram 48 hectares para outras atividades. Fiz isso com um produtor, que antes mantinha todo o rebanho leiteiro nos 50 hectares, e ele me disse: “Nossa, ganhei mais uma propriedade!”

Nessas andanças você já se deparou com produtor que estava a ponto de desistir?

Sim, muitos. É muito comum, aliás. Como o dr. Artur Chinelato (o principal difusor do Balde Cheio) fala, você tem de ser um “lactopsicoterapeuta”. Dentro do projeto Balde Cheio, não há só a parte técnica. Tem a parte motivacional também. A gente tenta animar o produtor, mostrando o que fazer e até onde ele pode chegar e até “desacerelá-lo”, quando está muito empolgado com os resultados. No fim do ano passado, por exemplo, fui a uma propriedade no interior de São Paulo, onde o produtor me disse que esta seria sua última tentativa. É uma área relativamente grande, com cana e mais 40 hectares para o leite. De outubro, quando comecei o trabalho, para cá, já conseguimos melhorar e afinar a reprodução, a produção de leite aumentou e a pastagem, rotacionada em 2,2 hectares, também está de ótima qualidade. Ele ficou animado porque agora acertou o manejo.

O que ele estava fazendo de errado anteriormente?

Primeiro, ele estava sem diretrizes. Os técnicos iam ali, acompanhavam o que estava sendo feito, mas sem planejamento geral e sem traçar objetivos. Não sabia calcular o tamanho do rebanho e a produção à qual ele queria chegar. Em segundo lugar, o controle de dados do rebanho, de reprodução e lactação, por exemplo, existia, mas estava solto. Ele anotava um monte de coisa, mas não sabia por quê. Separamos as bezerras, pesamos, fizemos controle leiteiro e várias outras medidas para melhorar a gestão da produção. E a coisa vai caminhando bem agora e ele está super animado. A questão é reunir os dados da propriedade, todos os números, e saber o que fazer com isso. Pelo menos uma vez por mês, se debruçar sobre esses números e ver que atitudes tomar. Ver, por exemplo, quais vacas produzem mais e dar o melhor alimento para elas – elas pagam o alimento com o leite. Quem trabalha melhor, ganha mais.

Nesses anos todos que você trabalha com o leite, acha que está melhorando a qualidade?

Melhorou sim, e bastante. Ainda tem muito o que melhorar, mas hoje em dia CBT, para o produtor, é contagem bacteriana total, e não marca de trator (risos). Em Rondônia, por exemplo, quando eu comecei a prestar assistência técnica, era uma tristeza. Via panela de pressão, recipientes reutilizados em cima daqueles tablados de madeira na porteira da fazenda para o caminhão de leite pegar. Imagina isso naquele calor. Hoje não se vê mais isso por lá. Ainda tem bastante latão, mas também há muito tanque de expansão refrigerado. Hoje se fala em qualidade.

E qual a responsabilidade dos laticínios em relação à melhoria da qualidade?

Deveria ser maior, mas teve mobilização na indústria em favor da qualidade também, principalmente por meio do pagamento adicional. Aqui no Estado de São Paulo, por exemplo, eu presto assessoria para uma associação de produtores em Cerqueira César, e que recebem pagamento por qualidade do leite já há alguns anos. Todo mundo tem acesso aos índices de todo mundo. E isso cria uma competição saudável. O pecuarista olha os índices do colega e fica comparando. Tentando melhorar, chegar aonde o colega chegou e ver o que ele faz pra isso. Vê CBT, CCS, índice de gordura… É positivo.

E sobre técnicos? Os produtores ainda não se conscientizaram de que é bom ter um acompanhando a propriedade com frequência?

Infelizmente, ainda não. Atualmente, o que mais acontece é chamar o técnico quando a “vaca está indo pro brejo”. São chamados pontuais. Por exemplo, quando a vaca está tentando parir há dois dias, quase morrendo, aí ligam pro veterinário. Ou tentam fazer algo diferente por conta própria, não dá certo, e aí chamam o técnico pra consertar. Mas o fato, também, é que não há tantos técnicos assim que realmente entendam de gestão da propriedade em todos os seus níveis. Há poucos treinados para isso. E o técnico tem de entender de animal, de administração, de pasto… E o que não entender, tem de conhecer alguém de confiança que entenda. E não deve haver resistência do produtor em contratar um técnico. Ele tem de perceber que o técnico é seu parceiro e vai auxiliá-lo a aumentar a produção e lucrar mais.

Treinar técnicos com essa visão geral é uma das premissas do Balde Cheio, não?

Sim, exatamente. O que se pensa do Balde Cheio, erroneamente, é que ele é um projeto de piquete rotacionado ou de pasto irrigado. Isso é um absurdo. Primeiro, que o projeto é de transferência de tecnologia para treinar técnico e produtor de leite pra trabalhar na propriedade leiteira. Mas o Balde Cheio é, fundamentalmente, um projeto de gestão.

* Matéria originalmente publicada na Revista Mundo do Leite de março de 2015.
 


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