18/02/2015 às 10h55min - Atualizada em 18/02/2015 às 10h55min

O setor laticinista está preparado para a crise hidroenergética?

É raro iniciar um texto com uma pergunta, porém diante do cenário perturbador que grande parte do país enfrenta com a crise hidroenergética isso é inevitável, conquanto detenha muito da água doce do mundo. Grande parte de todo esse problema é decorrente de problemas climáticos, desmatamento, mas também da falta de planejamento estratégico governamental e da falta de conscientização da população em geral em reduzir, reciclar, reutilizar.

Particularmente, as indústrias lácteas deveriam se preocupar ainda mais em responder o questionamento, uma vez que elas gastam – em média – de 5 a 8 litros de água potável a cada litro de leite cru recebido, embora o consumo ideal devesse ser da ordem de 2 a 3 litros de água. É um setor extremamente dependente da água, desde a ordenha (limpeza de equipamentos), passando pelo processamento, produção de vapor e também como ingrediente em alguns processos industriais. 

Portanto, é preciso repensar processos e metodologias que permitam a médio e longo prazo reduzir o consumo de água e energia nos laticínios. A seguir são feitas algumas proposições simples (mais ou menos baratas) que podem auxiliar.

O setor produtivo lácteo inicia-se na recepção de leite e aqui já se vê um consumo absurdamente desmedido de água potável para a lavagem de caminhões, chão ou vasilhames (latões de leite). Seria importante (re)pensar a possibilidade de se ter uma água de reuso para esses procedimentos, com o uso de água vinda de cisternas (que captem e armazenem água da chuva de telhados da própria fábrica) ou de água filtrada (por osmose reversa). 
Durante a produção, diversas etapas podem ser alteradas e repensadas para reduzir o consumo. Por exemplo, numa filagem de mussarela manual o gasto é de 10% a 15% de água, numa semi-mecanizada 5%, enquanto numa mecanizada somente 2%. 

Numa produção de doce de leite e leite em pó, por exemplo, gera-se uma grande quantidade de condensado (água limpa) que poderia ser canalizada, armazenada e reutilizada para outros fins nobres. Grandes fábricas já fazem processos de osmose reversa para a água de lavagem para retirar os produtos químicos e reutilizar a água para novas higienizações. Procedimentos mais modernos ainda poderiam reduzir em 0,8 l a 1,0 l de água por litro de leite na sua indústria, tais como: uso de sistema CIP (“Clean in place”), uso de válvulas em mangueiras de água (restringindo o consumo), trabalhar com água sob pressão (depósitos elevados), instalação de medidores de consumo nos setores (para estudo e racionalização) e uso de ar comprimido antes do processo de higienização para retirada de sujidades maiores (exemplo: mesas e chão com resíduos sólidos).

Não menos preocupante, porém, é a crise energética que virá com a falta de água, uma vez que o Brasil depende de mais de 70% de sua matriz vindo da força e energia das turbinas hidroelétricas.
Os laticínios gastam a média de 0,5 a 1,2 MJ por litro de leite ou 3 kWh por litro de leite, embora esse número varie um pouco de acordo com a demanda energética dos processos (exemplo: produtos concentrados como doce de leite demandam mais energia para sua produção se não forem otimizados).

A boa notícia é que há ideias que podem reduzir em até 10% esses gastos, tais como: substituição de equipamentos antigos com alto consumo de energia por equipamentos mais modernos e eficientes energeticamente; estudo do sistema de distribuição energética do seu laticínio, com eliminação de “gambiarras”, fios soltos e partidos e dinamização da distribuição pelo uso de disjuntores individuais para cada equipamento; uso de sensores de luz em setores administrativos (corredores); reavaliação do isolamento térmico das tubulações de água gelada e vapor; estudo, detecção e eliminação imediata de possíveis vazamentos de vapor; utilização de válvulas que possam reduzir o consumo de vapor (e lógico de água e energia elétrica); realização de manutenção periódica e preventiva contínua de equipamentos, especialmente caldeiras, câmaras frias (isolamento), compressores e chillers; utilização de evaporadores múltiplo efeito com recompressão térmica (concentração de leite e soro e produção de doce de leite); substituição por combustíveis menos poluentes e mais eficientes (substituir óleo por gás natural) e estudo da viabilidade de uso de metano (combustível) produzido pela digestão anaeróbia de efluentes e resíduos em geral.

É importante lembrar que qualquer processo de redução de consumo de água passa necessariamente pelo treinamento dos colaboradores não somente no uso correto da água, mas pelo processo adequado de higienização (trinômio tempo, temperatura e concentração de químicos) em quantidade e qualidade (fornecedores). 

Da mesma forma, a redução de energia passa por uma conscientização geral, que vá desde a alta direção (que norteará a reformulação do processo produtivo), passando pela gerência (que desenhará os programas de controle e economia), até a base operacional (que bem treinada e motivada responderá prontamente às demandas internas da fábrica). 

Ao mesmo tempo, pode ser necessária a contratação de agentes externos (consultores e engenheiros) que atuem num diagnóstico da sua situação. Poderá, nesse sentido, sugerir redesenho (reengenharia) do layout, escolha de melhores equipamentos, avaliar e reconfigurar linhas de água, vapor e energia, entre outras importantes ações.

Finalmente, é importante lembrar que foram nos momentos das maiores crises, tais como guerras, calamidades e doenças que grandes invenções e iniciativas surgiram. Portanto, é preciso que você – gestor laticinista – mobilize todos os envolvidos (funcionários) na busca por ideias e soluções que possam ajudar a vencer essa etapa de crise hidroenergética que passamos para a manutenção da produção, dos empregos e da melhor gestão possível. Com isso tudo, você será capaz de responder sem medo a pergunta inicial e ajudar na manutenção desse bem tão precioso do nosso planeta: a água.

Pedro Henrique Baptista de Oliveira
Engenheiro de Alimentos 
Projetos, Instalações e Equipamentos para Laticínios
(32) 91176126


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