16/09/2012 às 15h12min - Atualizada em 16/09/2012 às 15h12min

Carlos Pereira de Sá Fortes - Fundador da indústria de laticínios no Brasil

Luiza Carvalhaes de Albuquerque

Em 1988, quando se comemorou o centenário da indústria nacional de laticínios, nada foi mais oportuno que a lembrança de algumas passagens da vida daquele que foi o seu precursor. É ao Dr. Carlos Pereira de Sá Fortes, que ficamos devendo a audácia da criação da primeira indústria de laticínios no Brasil, cujo ideal dedicou a sua vida.

Carlos Pereira de Sá Fortes, nasceu na Mantiqueira, no alto da serra, no município de Barbacena-MG, em 1º de agosto de 1850, sendo filho de Lino Pereira Barbosa, fazendeiro em João Aires e de D. Carlota de Sá Fortes. Doutor em Medicina, pela Imperial Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, iniciou a clínica em sua terra natal exercendo-a também em Mar de Espanha-MG. Casou-se com D. Maria Alexandrina Teixeira de Carvalho, em Barbacena, no ano de 1878, vindo a ter onze descendentes. Dr. Sá Fortes foi um dos ilustres diretores da Associação Jornalística de Barbacena, que em fevereiro de 1886, fundou o "Correio de Barbacena". Foi também um dos propagandistas da República em Barbacena, tendo sido, após a Proclamação da República, o primeiro presidente da Câmara Municipal.

Indivíduo de acentuada personalidade, dotado de excepcional espírito público e vocação política, organizou a Liga da Lavoura Comércio e Indústria, com o objetivo de agremiar "um partido de homens sérios de idéias práticas e puras". Dessa Liga não auferiu o Dr. Sá Fortes quaisquer recompensas, embora o prestígio dela houvesse assegurado a primeira eleição para Deputado Federal do Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1898.

Em 1888, o Dr. Carlos Pereira de Sá Fortes fundou a primeira fábrica de laticínios do Brasil e da América do Sul, na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais para a fabricação de queijos tipo holandês. Numa iniciativa pioneira importou maquinário e mão-de-obra especializada da Holanda. No princípio, a iniciativa não obteve êxito causando grandes prejuízos, mas foram feitas adaptações de tecnologias de fabricação e foram contratados novos fabricantes de queijos em busca de aperfeiçoamento e qualidade, tendo o próprio Dr. Sá Fortes viajado à Europa para observar o avanço desta indústria. 

A fábrica da Mantiqueira serviu de laboratório para as pesquisas e a primeira formadora de mão-de-obra especializada, recebendo estagiários e fornecendo orientação aos interessados na nova industrialização. No final de 1888, o Dr. Sá Fortes iniciou a exportação de leite para a capital do país, Rio de Janeiro e a fabricação de manteiga e de queijos tipo Petit Suisse e Holandês, chamado Reino por ser, em outros tempos, importado via Portugal. A sua fazenda da Mantiqueira, situada à margem da Estrada de Ferro Central do Brasil, uma estação adiante de Palmira, tinha área 1.600 hectares e nela existiam 600 cabeças de gado. Ali funcionava uma moderna fábrica denominada Empresa Laticínios de Monte Bello, que produzia leite condensado previamente esterilizado, queijos diversos e manteiga. A maior parte do leite e da manteiga era exportada para o Rio de Janeiro. O leite ia para o mercado refrigerado e parte congelado em blocos. Para isso, existia na fábrica câmaras frigoríficas especiais. 

O Dr. Carlos Pereira de Sá Fortes foi um dos primeiros industriais, no mundo que exportou o leite em blocos congelados. A manteiga era acondicionada em latas de ½ quilo a 10 quilos, latas feitas na própria fábrica. Anteriormente exportava leite em grandes quantidades; porém depois, exportava apenas 2.500 litros diários, fabricando por dia cerca de 100 quilos de manteiga que era extremamente apreciada no Rio de Janeiro, 

Segundo o historiador Oswaldo Henrique Castelo Branco, os primeiros técnicos em fabricação de queijos da Fábrica da Mantiqueira foram Frederich Kingma, J. Etienne, Gaspar Jong, queijeiros holandeses e Alberto Boeke que se encontrava na região, sendo mecânico nato e ficando responsável pela montagem das máquinas e equipamentos importados da Holanda. Esses técnicos estabeleceram-se mais tarde, na Serra da Mantiqueira, criando novos laticínios e gerando progresso para a região, a exemplo da "Alberto Boeke Jong e Companhia" fundada em 1º de abril de 1907, com a participação dos sócios Alberto Boeke, Gaspar Jong e Paul Martins Tancke. A firma foi reorganizada em 1º de abril de 1910, retirando-se nesta época o sócio Paul Martins Tancke e em 1921 houve a separação dos sócios Boeke e Jong. A firma Boeke foi adquirida por um seu funcionário, Pedro Ribeiro Fonseca, que criou a "Ribeiro Fonseca Laticínios S/A". Na sua morte foi transferida a firma para Galileu Ribeiro Fonseca que presidiu a Ribeiro Fonseca Laticínios S/A até 06/02/88, quando aos 86 anos de idade veio a falecer. Fabricantes dos queijos tipo Reino "Palmyra", "Borboleta" e "Avenida", tradicionais no país, a Ribeiro Fonseca já tem seu lugar assegurado na história laticinista nacional. 

Em 1889, o Imperador D. Pedro II em visita a cidade de Barbacena-MG, degustou e apreciou bastante os queijos e a manteiga de fabricação local. Em 1890, o Dr. Sá Fortes organizou a Companhia de Laticínios da Mantiqueira, destinada a desenvolver a indústria de laticínios em Minas Gerais e a abastecer os mercados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, de leite e derivados. Iniciou o processo de congelamento do leite destinado a cidade do Rio de Janeiro, sendo o pioneiro na utilização do processo de congelamento do leite, na fabricação de novos tipos de queijos como o Camembert, o leite esterilizado humanizado condensado com grande aplicação na alimentação infantil. O Instituto de Proteção à Infância, do Rio de Janeiro sob a direção do Dr. Moncorvo Filho, criou a distribuição diária e gratuita de leite para crianças carentes, fornecida pela Companhia de Laticínios da Mantiqueira - "Gota de Leite Dr. Sá Fortes".

Em 1903, no Congresso da Lavoura, Indústria e Comércio presidido pelo então Presidente eleito do Estado de Minas Gerais, João Pinheiro, o Dr. Sá Fortes salientou a necessidade de amparar oficialmente a indústria nacional de laticínios. Segundo a Revista Boletim do Leite (1938), do nosso saudoso Otto Frensel, foi ali desfraldada e proclamada solenemente a bandeira do protecionismo, que dali se difundiu para a alta camada dirigente, passando então a fazer parte dos novos programas dos Governos.

Mas a obra realizada pelo Dr. Sá Fortes não parou por ai. Foi também organizador do Sindicato Central dos Produtos de Laticínios Mineiros, com sede na capital federal, destinado, sobretudo à defesa da manteiga mineira, conquistando mercado da manteiga francesa "Demagny", que mais tarde adquiriu a tecnologia de fabricação, a marca e exploração, denominada "Demagny Mineira". Incorporou à Companhia de Laticínios da Mantiqueira em 1913, a Companhia Brasileira de Laticínios, tornando a maior produtora e exportadora de leite, manteiga e queijos do mercado nacional, associando-se elementos da indústria e do comércio nacionais: Dr. Arrojado Lisboa, Oliveira Castro, Herm Stoltz e Cia, Dupont, Castro Brown, Júlio Meirelles e Raul Leite.

Quando o Secretário da Agricultura em 1900, Américo Werneck, em relatório de sua visita oficial à Fábrica da Mantiqueira para o Governo do Estado, fez a seguinte referência ao Dr. Sá Fortes: "Glória há de toda espécie, nenhuma tão útil ao bem geral como a do homem, que consegue, através de todos os sacrifícios, implantar uma nova indústria, uma nova cultura, um ramo de comércio, que alarga o horizonte às classes laboriosas e abre mercados e riquezas desaproveitadas".

A atuação do Dr. Sá Fortes foi decisiva e a partir daí multiplicaram-se as instalações de fábricas de laticínios em Minas Gerais, sendo que atualmente, é um dos estados com maior número de empresas dedicadas ao leite e seus derivados, fato este que se revela em uma de suas maiores fontes de riqueza e saúde.

Texto de Luiza Carvalhaes de Albuquerque
Coordenadora de Transferência e Difusão de Tecnologia
Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG


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